O desastre natural do Japão está a ameaçar tornar-se num pesadelo de consequências ainda mais vastas, à medida que os dias vão passando sem que os técnicos e os meios empregues (certamente poderosos) consigam circunscrever e reduzir os danos de contaminação externa originados no(s) reactor(es) avariado(s)/destruído(s) da central eléctrica de Fukushima.
Apesar da educação e fantástico auto-controlo do povo japonês, as autoridades não escondem já as suas apreensões, que levaram o imperador ao acto inédito de ir falar à TV para encorajar a população. E, na Europa, as reacções atabalhoadas do governo alemão levaram já a uma derrota eleitoral da CDU, com um primeiro presidente grunen na região de Bade-Wurtenberg.
Que pensar da “questão nuclear”, quando existem hoje cerca de 440 reactores destes espalhados por 35 países e o mundo ainda não esqueceu o holocausto de Hiroshima e Nagasaki?
No que toca às armas atómicas, a consciência do risco de destruição mútua (o famoso MAD - Mutual Assured Destruction), a sua longa detenção por um restrito clube de países confiáveis e o princípio da “não proliferação” permitiram evitar o seu emprego ao longo de 65 anos, a despeito de várias crises no relacionamento Leste-Oeste (sobretudo em 1961) e certamente de acidentes e incidentes que as grandes potências conseguiram preservar das opiniões públicas como segredos de estado. Mas bastou o desmembramento e perda de controlo interno da União Soviética e a estratégia de afirmação de alguns estados médios (Paquistão, Iraque, Coreia do Norte, Irão) para que fundados receios se instalassem nos observadores internacionais acerca de uma escalada de desafios entre potências regionais ou de uma queda destes artefactos, ainda que “artesanais”, nas mãos de entidades irresponsáveis. É um risco que não está esconjurado e que pode até agravar-se para o futuro.
Quanto ao aproveitamento pacífico da energia nuclear, ele tem-se essencialmente circunscrito à produção de electricidade. É certo que assim se reduzem as emissões de CO2 para a atmosfera mas os investimentos são caríssimos, a tecnologia está na mão de apenas meia-dúzia de empresas, o destino dos lixos tóxicos é sempre um quebra-cabeças, os hipotéticos acidentes, ataques ou sabotagens (por muito acautelados que sejam esses riscos) têm efeitos catastróficos e não é claro o preço de custo da energia eléctrica assim gerada (tendo em conta todos estes factores). Porém, sobram sempre dois argumentos repetidos pelos seus adeptos: os preços actuais, em termos de concorrência internacional; e a ideia do longo-termo, face à rarefacção dos combustíveis fósseis e à persistência de um sistema económico predador desses recursos naturais.
Pode pensar-se que a fixação dos ecologistas no lema No nukes! resulta apenas de um fundamentalismo anti-progresso que pode observar-se nestes prosélitos em outros domínios (alimentação, doença, etc.). Mas, neste particular, há razões fortíssimas para tentar travar – ou melhor, conter – este processo da “nuclearização” do globo. Não valerá aqui o “princípio de precaução” que alguns costumam agora brandir a torto e a direito?
O pacifista Einstein bem teve a consciência do que ajudou decisivamente a criar mas, se a ciência nunca recua, há dinâmicas que a sociedade pode recusar e tentar reorientar. Assim para tal contribua a investigação científica e os seus praticantes, e evolua mais criticamente a consciência colectiva acerca do modelo de desenvolvimento económico que vimos prosseguindo. Talvez a crise possa dar aqui alguma ajuda.
JF / 1.Abr.2011
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quinta-feira, 31 de março de 2011
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