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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

A rua não tem sempre razão?

Esta frase, não na interrogativa mas na afirmativa, valeu-me há uns dez anos atrás a ira de certas pessoas e mesmo cortes-de-relações, embora também a concordância de um antigo sindicalista que então se distinguia pela defesa da chamada flexi-segurança nas relações laborais. Estava-se no tempo das grandes mobilizações de professores do ensino público básico e secundário contra a tentativa da ministra Maria de Lurdes Rodrigues para fazer evoluir uma actividade profissional massificada-por-baixo em direcção a uma verdadeira profissão, com base em duas categorias hierarquizadas (três teria sido talvez preferível), com funções diferenciadas, quadros orgânicos piramidais e provas sérias de acesso a cada uma delas. Como se sabe, não resultou, apesar do apoio do primeiro-ministro e do PR de então. E também não resultou a tentativa de Nuno Crato para pôr finalmente em vigor a prova de acesso à carreira, prevista no respectivo estatuto desde o início de 90. 
Assim, os sindicatos puderam continuar a dispor de uma significativa “massa de manobra” para justificar a sua existência e impor aos sucessivos ministros da pasta o seu poder negocial, assente em quatro pilares fundamentais: no histórico de regras legais acumuladas, a seu favor; no geral reconhecimento da importância e das dificuldades da docência; nas mobilizações de rua e popularidade (junto dos alunos) das acções grevistas, compensando as perdas de salário; e nas características específicas do pluralismo sindical existente, com uma organização maioritária, uma outra seguidora “para-não-perder-o-passo” e mais de uma dezena entretidas em rivalidades inter-pares e no aproveito das benesses (consistentes sobretudo na ausência da sala de aula) conquistadas ao longo de décadas.
Hoje, os professores estão de novo mobilizados, para conseguirem ser estatutária e financeiramente ressarcidos do que perderam por virtude de vários anos de “congelamento” das suas carreiras. (Incluindo as futuras pensões de reforma?) E, mais uma vez, negam as acusações de progredirem salarialmente apenas com base no tempo de serviço, o que formalmente é verdade, pois também é necessário frequentar certas acções formativas (ao gosto dos docentes) e ter uma avaliação de desempenho positiva (por quem? de que modo?). Mas para a credibilização deste sistema seria decisivo conhecer com rigor quantos docentes não sobem de escalão ao fim de cada quadriénio.
É óbvio que uma fracção substancial do contingente de professores em serviço será dedicadíssima e muito competente pedagogicamente, por virtude da experiência adquirida e da assunção plena da alta responsabilidade da sua missão educativa. Mas uma outra fracção, não menos substancial, foi para o ensino público visto apenas como uma “ocupação profissional”, precária para muitos mas mesmo assim mais “à mão” do que uma emigração para o estrangeiro ou a demonstração de capacidades para se submeter aos regimes de trabalho que vigoram “no privado” ou no agora tão promovido auto-emprego. Também se sentem mal-amados pela opinião pública, embaraçados com a papelada burocrática e muitas vezes incapazes de superarem as reais dificuldades de enfrentar turmas indisciplinadas e nada respeitosas do seu saber, usando mal a autoridade e o poder social de que desfrutam sobre aquelas populações juvenis.  
Outros sectores e carreiras profissionais do Estado procurarão fazer vingar os seus interesses remuneratórios mediante pressões sindicais diversas, aproveitando as eventuais brechas abertas pela “vanguarda” professoral. Mais uma vez, cada um por si – e sem cuidar da justiça global ou se a reivindicação não vai apressar a falência já entrevista. O que acontece nas empresas, pode hoje também acontecer nos estados nacionais, no contexto da economia global existente.
Isto mostra como é delicado o julgamento que deve fazer-se da acção dos sindicatos. Sem eles (e sobretudo com a fragmentação das relações laborais ora vigentes), a precariedade aumentará, os trabalhadores ocupados vêem os seus salários estagnar, o seu emprego perigar e aumentar a intensidade do esforço que lhes é pedido.  Com sindicatos bem implantados e protegidos (como na função pública em Portugal), são as garantias de emprego que, por exageradas, acabam por prejudicar os jovens que desembarcam no mercado-de-trabalho; e são as progressões – iguais para todos – que tornam rígida a gestão do efectivo, constituem um prémio para os incompetentes e, assim, promovem a injustiça e desmotivam os sérios e os melhores dos assalariados.
Isto, pensando apenas na acção económico-social dos sindicatos e já sem falar nas ligações dos seus dirigentes-militantes aos partidos políticos. No passado, criticaram-se os sindicatos pelas opções ideológicas radicais dos seus activistas, que dividiam os trabalhadores e obstaculizavam a adesão de um maior número. Sucederam-lhes os sindicatos “de massas”, sem sinal explícito de cor política. Mas o que não entrava pela porta, passou pela janela. Quem pode provar documentalmente que a CGTP ou a FENPROF são instrumentos da acção política global do PCP? – sobretudo junto dos trabalhadores do funcionalismo público ou os professores que usufruem de palpáveis vantagens nos seus espaços de trabalho?     
A sociedade portuguesa continua muito conservadora em profundidade, ao mesmo tempo que adere com grande volúpia a algumas modas “modernistas” que sopram de longe. Certos nomes-de-família continuam a aparecer regularmente entre as pessoas das elites de que a comunicação social vai dando conta, embora o grosso desses contigentes porte agora nomes plebeus, alguns com claras ressonâncias rurais alentejanas. Os transportes públicos urbanos andam péssimos mas o imobiliário e o turismo prosseguem em alta, vivíssima. A velha cultura humanista voltou a ser o refúgio para alguns especialistas e certas classes de reformados, enquanto a máquina da propaganda bombeia chavões sobre o empreendedorismo, a inovação ou a “coltura”.  E o Estado parece estar prisioneiro de clientelas, corporações, lobbies,  gestores partidários, sindicatos e agentes de negócios inport-export.
Volto à pergunta de partida: “a rua” não tem sempre razão, quando manifesta as suas insatisfações? Não! – embora essas insatisfações sejam legítimas e careçam de ser compreendidas e consideradas, num plano porventura mais geral. É que um dos problemas está nos “intermediários” que exprimem e negoceiam muitos dos desconfortos das comunidades de base em que vivemos no dia-a-dia. E outro problema é que, de facto, é estreita a margem de uma governação atenta aos interesses da maioria e dos mais necessitados  mas que, cedendo à berraria dos protestos, não esteja a comprometer o futuro de todos. 

JF / 24.Nov.2017

sábado, 18 de novembro de 2017

Petição pública

Petição Pública em recolha de assinaturas em:

http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT87510

Poluição nas praias causada pela indústria da pasta para papel

Para: Câmaras Municipais da Figueira da Foz, Marinha Grande, Alcobaça e Nazaré; Ministério do Ambiente; Grupos parlamentares; associações ecologistas; cidadãos em geral


Considerando que, desde há décadas, as fábricas de pasta para papel situadas na Leirosa (concelho da Figueira da Foz) poluem com regularidade as águas e as praias que se estendem para sul até à Nazaré, pelo menos;

E que tal prejudica e degrada a qualidade desses espaços litorais, o turismo e a saúde dos banhistas. 

Os abaixo assinados exigem uma intervenção decidida das autoridades competentes para pôr fim a esta situação.


João Freire, etc.

domingo, 5 de novembro de 2017

Nós, os velhos

Temos tendência a falar do passado, pela razão simples de já pouco conhecermos do presente e estarmos desinteressados do futuro.
Tivemos a sorte (casual) de uma doença ou acidente não nos ter encurtado a trajectória para podermos fazer agora balanços históricos alargados, inatingíveis pelos mais novos.
Quase todos não resistimos a meter na conversa dos outros o “no meu tempo…” que tanto nos irritava.
A nossa empatia com as crianças não precisa de grandes teorias explicativas: sente-se, dos dois lados.
Lisboa é, cada vez mais, um lugar de “muitas e desvairadas gentes”. Apesar disso, nunca me ofereceram tanto um lugar sentado no “Metro”…
Os velhos esperavam pelo correiro, uma ou duas cartas por semana (“Meu querido…” ou “Contra-Fé… A Bem da Nação”). Os jovens de hoje trocam mensagens minuto a minuto (“Estou na maior…”, “Minha estúpida…”, etc.).
A doença e o acidente não escolhem idade mas são sempre mais dramáticos para os mais jovens. Pode-se passar num instante de um atleta para um inválido. Os velhos têm é maior dificuldade de recuperação, que é sempre incompleta.
Revi há dias o filme As Quatro Penas Brancas (versão de Shekhar Kapur, de 2002). É curioso como, emocionalmente, me sinto mais próximo dos finais do século XIX do que do início do actual.
Cada vez com maior frequência nos deixamos aprisionar por certas obsessões sobre assuntos que, racionalmente, julgamos serem minudências. 
(Além da falta de óleo nas dobradiças,) porque será que temos sempre que repetir o que dizemos para nos fazermos entender? Não é provável que seja devido a surdez dos nossos interlocutores. Restam duas hipóteses: a irrelevância do que dizemos; ou a que os outros lhe atribuem.
Para muitos, o banco do jardim e as conversas de café estão sendo substituídas pela tagarelice da Internet onde fazem circular coisas engraçadas, irrelevantes, interessantes ou já fora de moda.
Mesmo na vida de um casal feliz e prolongado nem tudo são rosas. Tirando os (cada vez mais raros) ímpetos sensuais, já tudo foi dito. O interesse vira-se para outros objectos. Resta o respeito, a ternura… e ficar à espera da solidão.
Nesta fase, sentimos muito directamente como as pequenas dores corporais se reflectem no nosso estado psíquico (abatimento, nostalgia, etc.), mais do que inversamente.
A invocação da maior idade (ou experiência) como fonte de conhecimento é indesmentível mas, por ser irrefutável, não pode ser usada como argumento.
A vontade é para ser praticada (e em parte contrariada) pelos mais novos, a ciência pela maturidade, a sageza pela terceira idade.
A nossa relação com o tempo torna-se estranha: tanto se encurta, que não dá para o que queremos realizar; como se alonga, provocando aborrecimento e sonolência.
A dor física pode ser insuportável mas o seu mais pequeno alívio é sentido como uma dádiva maravilhosa.
Passámos do tempo dos “coronéis” e do Estado a que tudo se consentia, para a promoção acelerada dos gay proud e dos governos fracos que só olham para as sondagens.
As acentuadas diferenças de alguns poucos anos quando eramos crianças concentram-se agora numa única “geração”, de idosos. 
Quando nos sentimos empurrados até ao limite, só queremos que cesse a dor que nos magoa o corpo, um mínimo de alimento e um derradeiro regresso aos prazeres primordiais.
Para uma relação afectiva forte e duradoura entre dois amantes têm importância a pertença a meios sociais próximos, terem idades não muito diferenciadas e não serem concorrentes na mesma actividade profissional.
Às vezes, dá-nos mais conforto uma lã ou uma aragem fresca do que uma conversa de intelectuais.
O destino de um espírito racional é este: começamos por querer planear uma reorganização do mundo; e acabamos a tentar planear o nosso dia de amanhã.
O que nos vale é que, hoje, há sempre corpos belíssimos a serem oferecidos ao nosso olhar. Além de paisagens surpreendentes que nos extasiam e acalmam.
Com a idade avançada, as unhas ficam mais duras de cortar e os cabelos mais ralos de pentear, mas o pior é o enrijar das nossas frustrações e o desvanecer da nossa memória.
Somos como o Sporting: lembramo-nos simpaticamente das velhas glórias mas já nunca conseguimos sair por cima.
Mudou o display gráfico do meu programa informático: dantes, via-se um prado verdejante; agora, uma paisagem fria coberta de neve. Sinal dos tempos?
À medida que envelhecemos, vamos realizando a experiência da espiritualidade oriental de a nossa mente poder voar bastante livre, separando-se cada vez mais da carcaça.
Os seres excepcionais são lembrados ao longo de várias gerações através da preservação das suas obras. As pessoas normais são-no apenas pelas impresssões que deixaram na memória dos seus contemporâneos.   
Somos terrivelmente egoístas. Se não fôssemos, quem cuidaria de nós?
Não há dúvida que amamos a vida: basta observar o modo como sorvemos cada colherada, como se fosse a última, para a viagem. Só falta ouvir a voz: “Largar amarras!”.
Mas ocorre então lembrar-nos dos timbres das cantoras latino-americanas Violeta Parra com o seu precioso Gracias a la vida, e Mercedes Sosa com o não menos ajustado Todo cambia.
JF / 5.Nov.2017

[Este conjunto de (des…)aforismos foi sendo construído um pouco em eco aos pensamentos e sensibilidade de um “cte.costa”  ou  de um “antolibento”] 

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