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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Estado social ou economia social?

A publicação de um texto de João Freire sobre a evolução do “Estado social” no jornal Expresso suscitou da parte de Fernando Medeiros (FM) algumas observações críticas. Com a devida autorização, vamos aqui referir as principais.
Relativamente à ideia que de que o crescimento do “Estado social” na segunda metade do Século XX é um fenómeno geral que atinge a maior parte países industrializados e em vias de “terciarização”, comenta FM: “Formulação dúbia [pois] não dá conta do facto de se tratar de um duplo movimento, embora a décalage temporal entre os dois processos e a forma como eles se interconectam tenha as suas singularidades no caso português de industrialização tardia – a ‘descolagem’ clara e nítida só nos anos 50, com a % do Produto Industrial no PIB a crescer aceleradamente – criando-se assim simultaneamente os requisitos económicos e as ‘questões sociais’ que subjazem ao aparecimento do ‘Estado social’ de tipo beveridgiano.”
Quanto à subida acentuada dos custos unitários do funcionalismo ocupado na função social do Estado na fase do regime democrático pós-74, FM lembra judiciosamente “a emigração dos anos 1960/70, para o surto da qual contribuíram também as enormes vantagens dos ‘Estados sociais’ dos países receptores.”
Afirmava-se também no texto que, cerca de 1970, as relações aritméticas entre emprego público, despesa primária, serviço da dívida, dívida pública e PIB parecem ter sido ‘mais económicas’ do que alguma vez o foram após o recolhimento português às fronteiras europeias. FM acrescenta e aponta os efeitos “da ‘crise do petróleo’ de 1973/74, duplo terramoto nesses dois anos cruciais que deitaram por terra o essencial do edifício económico lançado quase de raiz nos anos 50! Uma mudança que abre um período excepcional que não se enquadra na periodização adoptada. Temos ali uma fronteira que marca um ‘antes’ e um ‘depois’ - aliás assinalado nos dados coligidos pela passagem ao primeiro plano do peso do ‘Estado social’ -, um marco central da periodização 1950-2008 e para este tipo de estudos longitudinais.”
E relativamente à pergunta final sobre o destino do ‘Estado social’ actual, FM comenta: “Por um lado, há a crise económica que empurra para o débito do ‘welfare’ quantidades crescentes de camadas sociais; por outro lado, temos a ‘crise da divida’ que retira ao Estado capacidade financeira para cobrir os défices acrescidos do welfare, e tudo isto com o «político » a dizer «amen» aos planos de austeridade de uma só bitola impostos pelo Euro/Mark. O grande desafio que se coloca ao ‘Estado social’ - aos agentes políticos strictu e lato sensu - é o do seu re-desdobramento através de transformações estruturais profundas. No caso português, em presença de uma estreitíssima margem para essas inovações decisivas em prol de uma ‘Economia Social’ auto-sustentada e desse modo dinamizadora do conjunto de uma economia mais entreprenante e sem dúvida mais entreprenneuriale, na qual ela própria possa voltar a ser uma componente decisiva, tal como a antiga ‘economia social’ foi solidária da velha economia industrial «nacional» e conquistadora-exportadora daqueles tempos dos «trinta gloriosos» anos do pós-guerra.”
São observações pertinentes e agudas que nos ajudam a compreender melhor a actualidade.
JF / 29.Dez.2010

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A WikiLeaks perturba os sistemas e divide opiniões

Há tempos, foi a revelação de uns milhares de relatórios militares classificados do “Pentógono” acerca das actuais guerras no Médio-Oriente. Depois, outros milhares de mensagens reservadas da diplomacia norte-americana. Assim se criou a expectativa de ver quais as próximas novidades escondidas que estes arautos do “jornalismo científico” irão pôr a descoberto, para desespero de alguns grandes poderes mundiais.
E a contorvérsia está estabelecida, a nível planetário. Entre nós, todos estão já a tomar posições, face ao embrulho de questões que isto levanta. Entre os mais independentes e avisados comentadores – por exemplo, Pacheco Pereira, Sousa Tavares, José Cutileiro, Miguel Monjardino, Gustavo Cardoso ou Miguel Gaspar – parece predominar a cautela e o receio da “caixa de Pandora”, mais do que o elogio da liberdade de expressão e da “transparência”.
Também é essa a minha reacção. Mas as questãos são fundas e contraditórias, imprevisíveis mesmo, quanto às consequências futuras.
Uma primeira questão remete para a insólita proeza de um punhado de jornalistas-detectives-tipo-Robin-dos-Bosques ser capaz “furar” sistemas de segurança que se suporiam dos mais sofisticados, não para obter um ou meia-dúzia de documentos classificados, mas para sacar milhares deles!? Será apenas o acaso de um jovem soldado indiscreto que se cruzou com o senhor Assange, ou uma “garganta funda” que sempre pode aparecer nos corredores do poder? Isto, nem nos ‘anais de ouro’ da espionagem internacional alguma vez deve ter sido contado! Mas, se o objectivo era introduzir alguma visibilidade e transparência na gestão dos grandes poderes, pode prever-se que que a reacção destes vai ser a de se blindarem ainda mais contra novas aventuras deste tipo.
O segundo tipo de questões remete para o conteúdo mais espalhafatoso do que tem sido revelado pela imprensa. No caso das guerras, é mais que sabido que o segredo militar não serve só para proteger “os nossos rapazes” das manobras do inimigo, mas igualmente para furtar a este o conhecimento de “podres” e das fraquezas próprias, e para tentar manter tão elevado quanto possível o moral das NT e das populações de onde elas provêm. Já na esfera da diplomacia se está perante a evidência da dupla linguagem inerente a estes negócios de estado: cortês e habilidosa na forma protocolar; por vezes, acutilante e sem meneios, no relatório lacrado. Mas é claro que, durante algum tempo, os actores ressentir-se-ão da devassa, tal como a seguir ao “por que no te callas”. Em todo o caso, releva de alguma hipocrisia pública o escandalizar-se com o teor destes discursos privados quando, de facto, a intimidade ou o segredo servem para isso mesmo: para dizer o que não se pode (deve) dizer em público. É certo que é desejável limitar convenientemente esta reserva do poder, para que os seus titulares de ocasião dela se não aproveitem para fins ilícitos ou não excedam o necessário: os governantes e poderosos não são anjos; são homens mais bem informados mas com os defeitos de qualquer de nós e muito mais oportunidades para prevaricar. Mas parece de um infantilismo anarquizante pensar que esses ‘grandes segredos’ devessem vir todos para o meio da rua.
E como os Assange não são crianças nem anarquistas, logo se põe a terceira questão, que abarca: os critérios de selecção dos materiais acedidos e que vão sendo divulgados; as escolhas dos momentos de divulgação e os seus destinatários preferenciais; os governos (ou empresas multinacionais ou outras pessoas ou instituições mundialmente conhecidas) que são alvo deste ‘jornalismo’ e quais os que saem branqueados, pelo silêncio; e, finalmente, a pergunta sobre que ‘máquina’ tão segura é esta que consegue trabalhar internacionalmente (possuindo um número de colaboradores decerto elevado) com um grau de segurança tal que, aparentemente, consegue manter-se imune às reacções dos serviços especializados dos estados tecnologicamente mais poderosos do planeta?
Por tudo isto, colocar os problemas levantados pela WikiLeaks como se fosse apenas um combate entre a liberdade (do uso da Internet e do direito à informação) e as obscuras manobras do poder político-económico (sobretudo o norte-americano, para não variar…), como tantos opinadores afirmam nas páginas dos jornais e no ciberespeço, seria de uma ingenuidade impossível de reconhecer em quem tem argumentos e capacidades técnicas para formular semelhantes discursos.
JF / 24.Dez.2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Liu Xiao-bo

É o nome deste cidadão chinês galardoado com o Prémio Nobel da Paz deste ano. Em Oslo, a sua cadeira de homenagem ficou hoje vazia, porque ele cumpre pena de prisão na República Popular da China e a sua mulher encontra-se detida na residência.
Quais as razões das autoridades chineses para esta perseguição? As denúncias, por meios pacíficos e civilizados, que este homem vem fazendo da ausência de liberdade e direitos humanos que caracterizam o regime político de Pequim.
É certo que, no dia em que se desmoronar este “milagre oriental” de um capitalismo sem limites combinado com uma ditadura comunista implacável, o mundo irá tremer: quer pelo que poderá acontecer no interior do antigo império-do-meio, quer pelas consequências económicas que advirão para todos.
Mas, aos olhos daqueles que prezam a justiça e as liberdades, não é possível deixar isolados nem que se apague a voz daqueles que na China reclamam contra o destino que lhes impõem.
JF / 10.Dez.2010

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