Afonso Cautela nasceu no Baixo Alentejo, em 1933. Publicou o seu primeiro livro de poemas, Espaço Mortal, em 1960. Nessa estreia, logo se percebeu que o autor entendia a sua actividade como de alto risco. A poesia não era para ele um adorno inofensivo, nem uma questão de erudição, nem mesmo de talento ou de virtuosismo, mas um lugar inequívoco onde o poeta jogava a sua sorte. Nesse espaço, que suspendia o mundo, se decidia a vida ou a morte do poeta.
Logo de seguida, em 1961, Afonso Cautela deu à estampa um segundo livro de poemas, O Nariz, que confirmou o livro anterior. A poesia, apesar do chiste, ou agora por causa dele, continuava a ser o sítio sitiado onde o poeta corria o risco de perder a vida. Mas também, por intenção desse risco, por via desse desafio extremo, o lugar onde o poeta reabilitava consciência e dignidade, podendo assim em solidão assumir a plenitude substantiva.
Cinquenta anos depois Afonso Cautela publicou novo livro de poesia, Campa Rasa e outros poemas (Edições Sempre-em-Pé, 2011). Meio-século duro e largo durou o silêncio poético deste autor, sem que nenhumas razões se lhe possam encontrar, além daquelas que decorrem do desinteresse do autor em dar à luz da publicidade as suas criações, pois não é crível que um poeta que escreveu uma sequência de quinze poemas, num total de trezentos e catorze versos, entre 23 de Julho de 2006 e 8 de Setembro do mesmo ano, se tenha calado durante meio-século.
Em cinquenta anos de silêncio público, mudou ou não a poesia de Afonso Cautela? Ao invés do que se podia esperar de tão longo hiato, não mudou. Logo no letreiro que o livro traz, Campa Rasa, se percebe o mesmo espaço mortal da sua estreia há mais de meio século. De novo aqui, neste derradeiro palmo de terra, rural e raso, aquilo que se compromete é a própria vida. A actividade poética de Afonso Cautela mantém assim neste livro uma seriedade máxima, uma preocupação visceral, já que aquilo que nele se joga continua a ser uma questão decisiva, tão decisiva como a morte o pode ser para a vida.
Afonso Cautela, além do poeta que aqui assinalamos, fundou no Baixo Alentejo o suplemento cultural A Planície, que teve um papel muito significativo na circulação de ideias no Portugal apertado da ditadura, fez jornalismo em Lisboa e foi pioneiro do activismo anti-nuclear em Portugal, fundando em 1974 o Movimento Ecológico Português. Aos 78 anos era tempo de lhe agradecer tudo isto com uma homenagem que fosse mais do que uma simples nota de leitura como esta é.
António Cândido Franco / 26 de Março de 2011
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