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sábado, 17 de março de 2012

Linguagem, ideias e comunicação

Por uma vez, concordei sem reservas com as apreciações feitas no mesmo dia por dois interventores de quadrantes diferentes acerca da confrangedora qualidade do debate político actual. Pacheco Pereira, no programa televisivo Quadratura do Círculo (SIC-Notícias, 9.Fev.2012), enfatizou de novo as tricas partidárias em que se arremessam meras palavras soltas em vez de se discutirem e confrontarem ideias e projectos. (Não foi também isso que desqualificou o parlamentarismo da nossa 1ª República?) E no jornal Público dessa mesma manhã, Francisco Assis, a propósito da “reiterada pobreza semântica” do primeiro-ministro, lançava o aviso: “Só que Passos Coelho não está só. O discurso das ‘alavancagens’, das ‘mais-valias’, das ‘sinergias’, das ‘resiliências’, das ‘janelas de oportunidade’, dos ‘novos paradigmas’ conduz inevitavelmente à produção de afirmações caracterizadas pela indigência retórica e a confusão doutrinária.”
Nem mais! Coelho não está só, na sua formação partidária… nem na maior parte dos actores políticos com visibilidade, em qualquer das bancadas!
Vale, porém, a pena lembrar o papel que a comunicação social, sobretudo a dos meios áudio-visuais, tem na progressão de tal fenómeno, explorando até à exaustão o gesto, a frase ou a gaffe de qualquer personalidade conhecida, em vez de nos ajudar a perceber melhor as questões em causa, mesmo nos programas de debate político. Por exemplo: a Alemanha esteve há tempos na sua mira, com os “casos” da conversa Schauble-Gaspar e das declarações de Angela Merkel e do senhor Schulz sobre Portugal, porém sem a mínima referência à pertença partidária deste último, facto certamente relevante para se entender o sentido das suas palavras no momento em que a chanceler tentava convencer os chineses a comprarem dívida dos estados europeus. Tudo se focou na suposta sobranceria germânica e na subserviência lusa.
Neste aspecto, o nosso “serviço público” de TV é tão mau ou pior que os seus concorrentes. E mesmo o programa Prós e Contras – que, além de um felicíssimo “filme-anúncio”, proporciona por vezes discussões alargadas e ilustrativas sobre temas de interesse geral – não terá sido capaz de se furtar a uma operação publicitária favorável ao regime angolano. O que mostra que a liberdade de expressão de opiniões exige uma vigilância permanente para que não seja iludida, por uns e por outros. E que o pluralismo não fica garantido por figurar apenas na letra da lei: tem de se praticar no dia-a-dia.
Parecerá estranho, mas, perante certas operações de manipulação informativa, até se pode lamentar o desaparecimento das “notas oficiosas” para que os governantes exponham directamente à população os seus pontos de vista. Embora seja também verdade que, hoje, é o receio da comunicação social (em concorrência entre si) e do impacto de certas notícias sobre a opinião pública que obriga alguns dirigentes do Estado a comportarem-se com um mínimo de contenção, tal o insaciável apetite de poder de que dão mostras no próprio exercício das suas funções.
JF / 17.Mar.1012

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