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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Violência e miséria

Os dois termos não estão necessariamente ligados. Pelos mesmos dias ecoaram as emoções do fanático atentado político de Oslo e os alertas de socorro para as desgraçadas populações da Somália, a braços com mais uma crise de subsistências, sem que nada articule os dois fenómenos, salvo o sofrimento humano que ambos provocam.
No caso da Noruega, estamos perante um dos países com maior riqueza e qualidade de vida mas que, obviamente, vive, observa e reage ao que vai pelo mundo. Beneficiou do acaso do petróleo no mar do Norte (que teve de “ir buscá-lo”), mas também sofreu no último século uma guerra de ocupação militar alemã, sendo contudo capaz de associar a isto uma postura externa “pacifista” (a despeito da sua participação na NATO) e as vantagens do modelo nórdico de social-democracia (escassa população, educação prolongada, impostos elevados, previdência social e liberdades cívicas).
Pois nada pôde impedir que um “monstro”, adepto de visões nacionalistas-extremistas e xenófobas, preparasse e executasse um massacre com o intuito de activar uma nova cruzada anti-árabe. Que relações poderão existir entre um conglomerado de crenças políticas como as ditas, a familiaridade com o uso de meios de destruição e a disposição psíquica de um comportamento de “lobo solitário? Que responsabilidades poderão caber às teorias ou às políticas do “multiculturalismo” que, se calhar, se adiantam demasiado em relação ao que podem suportar os processos de mudança social? É inevitável este reforço político da extrema-direita populista na Europa e a apropriação que faz do tema da imigração dos pobres? Será a evocação dos fantasmas do nazismo a melhor maneira de lhe fazer oposição? Como assegurar a segurança pública nos meios urbano-comunicativos actuais garantindo ao mesmo tempo as condições de liberdade que o mundo ocidental construiu ao longo dos últimos séculos?
A milhares de quilómetros daqui, nos territórios pobres do “corno de África”, agudiza-se a situação de sobrevivência de populações paupérrimas. O país foi colonizado por europeus (italianos e outros), sofreu a ditadura de Siad Barre, venceu uma intervenção militar americana e, desde então, fragmentou-se às mãos de diversos “senhores da guerra” cujos bandos armados praticam a rapina, a pirataria (marítima), e onde o fundamentalismo islâmico actua à vontade. E os povos rurais, essencialmente pastores, lá vão tentando adaptar-se àquelas parcas condições económicas de vida, aos quadrilheiros que os ameaçam ou à condição de sustentados nos campos de refugiados pagos pela ONU e os voluntários das ONG’s.
Como deverá a comunidade internacional lidar com um problema regional como este? Ao contrário do que, sincera mas algo ingenuamente, acreditavam os anarquistas de há um século, o apagamento desordenado das estruturas e da autoridade estatal não se tem traduzido na ascensão de uma sociedade mais equitativa, solidária e livre – ao menos no contexto internacional vigente. Em que condições pode aceitar-se uma intervenção militar internacional (inevitavelmente realizada pelos mais ricos e poderosos), mesmo com mandato da ONU, seja para travar genocídios ou crimes de guerra de regimes opressivos, seja para “impor a paz” em situações de “estados falhados”, sem lei nem ordem?
Eis questões para as quais confessamos não ter respostas.
JF / 29.Jul.2011

1 comentário:

  1. Pois dizes bem João. Que critérios para a intervenção? Eu proponho uma intervenção voluntária e casuística. Como já não podemos contar com idealistas para brigadas internacionais (e houve-as de cada um dos três lados, na Guerra Civil de Espanha), pois não seriam mais que carne para canhão na Guerra actual, devem-se estimular intervenções profissionais (e criação de carreiras nas Forças Armadas para intervenções humanitárias, com Polícia, Juízes, médicos, diplomatas e social engineers à mistura) que se arriscarão a morrer, como, hoje, alguns jornalistas o fazem, sózinhos. Agora, intervenções de mecanismos como a ONU que representam uma Ordem dos vencedores de há setenta anos e que não conseguiu arranjar forças próprias, ou, pior, de coligações, arriscam a tornarem-se indústrias de Guerra que fazem pior do que se não interviessem. Critério para tal? Pois a proximidade e a determinação de um near-abroad que não é só o das superpotências. Há que ajudar a União Africana e não fazer nada em África sem o seu apoio. Na América Latina, o caso do Panamá, ano passado, e liderado pelo Brasil, foi um exemplo. No caso do Pacífico, há que co-responsabilizar a China e não apenas tomá-la como o emergente «Império do Mal» (a China nunca foi comunista e, por isso, não o é -- o Maoísmo tem raízes directas no Imperador Hualong e só um desinformado julga que a China é monolítica). E garantias? Uma luta muito activa nos países ricos para que a política externa dos mesmos não seja contributiva da miséria e do domínio de alguns, mas sim de uma ordem diferente (e isso não se faz com demagogia e políticas de imigração perfeitamente criminosas, com um desprezo cínico e direi mesmo caológico da nacionalidade). O caso do Mussolini é exemplificativo: depois de lutar duramente contra a Guerra, percebeu que a política socialista em Itália era egoísta e entendia «luta de classes» (um conceito que, nem de longe era maioritário na Sociologia da altura) como promoção de classe através da Política. Foi-se alistar como soldado raso pela «Nação proletária», a Itália. Veio de lá ferido e fascista e, se foi brilhante na política interna, foi uma anedota, para prejuízo da Itália, na política externa. Não adianta explicações gramscianas de pequeno-burgueses radicalizados (quando a pequena-burguesia italiana se tinha feito por trabalho e esforço), nem a de que Mussolini era espião (ora dos franceses ora dos ingleses), nem a do Mefistófeles do Poder. Com Mussolini foi a esmagadora da Itália inteira, a monárquica e a republicana, a proletária e a burguesa, atrás dele, até à Abissínia. E tratar de Mussolini como um ícone do cinema mudo, é esquecer que Mussolinis se fazem de qualquer um, como ele próprio disse »Duce non si nasce. Duce si diventa» (é essa a «atracção escura» que ele ainda exerce).

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