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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O governo e a reforma administrativa

O primeiro-ministro até parece ser uma pessoa bem-intencionada, cordata e honestamente empenhada em contribuir para enfrentar a crise da maneira que melhor sirva o futuro dos portugueses.
O governo integra algumas pessoas certamente competentes e confiáveis (mas que não devem abusar disso como resposta aos argumentos críticos) e tem um programa de reforma do Estado em sentido liberal que é provavelmente o único possível nas condições, internas e externas, a que o país chegou.
Até a alienação do Banco Português de Negócios (onde a incapacidade da Justiça para castigar os culpados constitui uma vergonha nacional) e que foi um verdadeiro brinde aos angolanos e ao “compadre” Mira Amaral (mais um do grupo cavaquista que dirigiu o país há vinte anos e se passou para os “negócios”, de resto como alguns de esquerda), provavelmente terá sido agora um mal menor para o Estado e os contribuintes.
Mas será que este governo poderá realizar as reformas de fundo que se exigem, em particular no âmbito da administração pública?
Deixemos as questões do funcionalismo, dos serviços públicos e das despesas sociais para outra oportunidade. No que toca às estruturas do Estado – centrais, regionais e locais –, pressionados pelos credores externos para reduzir despesas, esta seria talvez uma oportunidade única para que pudessem ser feitas pacificamente algumas mudanças impopulares mas necessárias, ou pelo menos convenientes.
Para além da redução do número de ministros, a lei orgânica do governo inovou ao colocar vários grandes serviços estatais (por exemplo, o IEFP, o Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu ou o Instituto de Informática do Ministério das Finanças) sob a tutela (dupla ou tripla) de mais de um ministro. Veremos se resulta em “trapalhada” ou se, além da redução de gastos, se obtêm ganhos de eficiência e abatimentos de barreiras burocráticas e informáticas (entre ministérios) que tantos embaraços parecem causar.
Os cortes de despesa nos cargos de chefia da administração pública, nos gabinetes ministeriais e nos automóveis do Estado, certamente louváveis e necessários, são porém coisas pequenas, pois o grande sorvedouro do orçamento vai para a saúde, a educação e a segurança social (além das PPP em obras públicas), e aí haverá milhões de cidadãos a serem atingidos naquilo que todos lhes disseram ser os seus direitos.
Quanto à não nomeação dos governadores civis, espera-se que ela seja o primeiro passo para uma rápida extinção dessas estruturas, a qual deveria ser compensada por uma coerente reorganização administrativa ao nível das cinco regiões-plano, com a necessária revisão constitucional. De facto, uma eleição de órgãos regionais de “segundo grau”, feita a partir das instituições municipais, seria muito mais adequada do que a criação de novos poderes com legitimidade eleitoral directa.
A questão da redução do número de concelhos e freguesias vai ser, porém, uma das “pedras de toque” da capacidade reformadora da actual coligação de poder.
Julgamos que o primeiro-ministro encetou mal esta campanha ao não dizer dramaticamente aos autarcas reunidos em congresso da ANM o que deverá ser feito. Ao que parece (pelos jornais), terá sido cauteloso e vago, mas deixou que o conclave servisse para testar a união dos autarcas para se oporem a quaisquer fusões que não tenham o seu acordo (isto é, praticamente nenhumas).
É certo que um processo de consultas top-down deverá ser activado, no âmbito de uma mobilização da opinião pública que mostre a necessidade e as vantagens desta operação de reorganização administrativa territorial (contra o “paroquialismo” e os interesses das “forças vivas” locais). Mas a última palavra terá de ser da capital, sob pena de nada resultar daqui. E há gestos simbólicos ou concretos que o bom-senso deveria impor, tais como a designação resultante de uma fusão de municípios dever conter os nomes das entidades fundidas, os órgãos eleitos cumprirem os seus mandatos ao fim, serem revistas as competências de concelhos e freguesias bem como o modo de organização do governo municipal e a sua lei-de-finanças, acabar-se com a simultaneidade das eleições autárquicas (dentro de limites máximos e mínimos que a lei fixaria) para retirar leitura política nacional a processos que devem ter a sua própria dinâmica, etc.
Finalmente, no que toca à travagem do despesismo nas regiões autónomas, só quando Alberto João Jardim começar a vociferar contra os “colonialistas” de Lisboa é que teremos um sinal de que os sacrifícios chegaram também ao Atlântico…
Eis um processo a seguir com atenção nos próximos tempos.
JF / 6.Ago.201

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