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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Os custos da desconformidade

É a pior e mais injusta das coisas más que nos podem acontecer, a mal-formação de um filho à nascença, ou a sua incapacidade permanente por virtude de doença ou acidente. Bem entendido, o grau dessa deficiência conta muito nesta privação, e ela não afecta o amor dos pais por esse ser, antes pelo contrário. Mas não deixa nunca de ser uma “punição” imerecida, para a qual os pais têm certamente que encontrar dentro de si mesmos inimagináveis reservas de força psicológica para lhe fazer face.
Num quadro destes, quase tudo o resto parece perder valor e interesse: os prazeres sensuais, os sonhos de grandeza, a vida em sociedade, talvez até a própria vontade de saber. E, no entanto, é enternecedor e fantástica a forma como certas famílias encaram e superam tal provação, proporcionando aos seus deficientes, uma vida feliz, tanto quanto é possível nestas circunstâncias. Eis os ignorados heróis do nosso tempo! (um tempo em que o Homem tanto se orgulha de dominar a Natureza).
Mas o próprio deficiente ou acidentado é também uma vítima, quase sempre involuntária, da sua circunstância, tendo disso tanta melhor consciência quanto lho permite o grau de afectação de que padece. Neste sentido, os imobilizados motores, ou outros dependentes dos cuidados de terceiras pessoas ou de máquinas, enfrentarão situações psicológicas de extrema pressão, agravadas eventualmente pela sua recordação do passado ex-ante ou pela noção que possam ter das responsabilidades envolvidas na ocorrência que os levou à situação presente.
É em todos estes casos, na sua imensa variabilidade individual, que a solidariedade social deve funcionar, hoje de forma orgânica e plenamente assumida. Nada reparará a amargura das pessoas e das famílias nestas condições. Mas, a começar pela redistribuição dos fundos económicos para ajudar gente assim, necessitada, a fazer face às suas despesas especiais; passando pelos cuidados médicos para que possam viver melhor; e incluindo a assunção plena dos encargos quando os progenitores já não o podem fazer – aí está uma das áreas em que o chamado “Estado social” não deve desertar das suas funções.    
Mas não são só as pessoas com deficiência física ou mental os que sofrem da “agressividade” do meio social envolvente, dito normal (também decerto porque, estatística e sociologicamente, assim é, impondo-se aqui a lei do número). Por muito que os padrões de beleza e fealdade sejam modistas e conjunturais, há sempre pessoas cujo aspecto físico desagrada ou mesmo provoca repulsa na maioria dos circunstantes. É outra injustiça da natureza de que os humanos não conseguem livrar-se.
Todos passamos pela idade adolescente quando nos assaltam todas as dúvidas acerca das nossas capacidades, e talvez sobretudo a de interessar, afectiva e sexualmente, um outro ser da nossa coorte. As borbulhas na face, a forma do nariz, os pelos acolá, a gordura ou a magreza, etc., são capazes de mobilizar a atenção de rapazes e raparigas quase em modo de obsessão, até ao momento em que, após as necessárias experiências, as angústias se desvanecem e o amadurecimento nos ajuda a aceitar o corpo que nos calhou. Não impede que, para alguns menos bafejados pela sorte (não tão poucos como isso), esse seja um trauma que por vezes arrastam ao longo da vida, apenas (no melhor dos casos) minorado por outras compensações mais prosaicas ou por afectividades mais da ordem da amizade ou do respeito.
Neste domínio não entra a sociedade: somos todos e cada um de nós que devemos ser capazes de, ao menos episodicamente, estarmos disponíveis para pensar na felicidade da “normalidade”, do “equilíbrio estável” e da “saúde”, e para dar “uma mãozinha” de compaixão ou encorajamento aos que dela possam carecer.
JF /  9.Nov.2012

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