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quinta-feira, 5 de abril de 2012

Economia de mercado e regulação pelo Estado

Nos tempos que correm, ouve-se constantemente falar, seja das virtudes do mercado e da concorrência, seja na indispensável intervenção do Estado para introduzir justiça na economia.
Quando os intervenientes nos debates são mais cuidadosos, dizem, os primeiros, que “naturalmente” é preciso que o Estado faça o seu papel de cuidar da observância da lei e da ordem nas ruas, que não faltem aos indigentes os socorros sociais indispensáveis, que os tribunais funcionem com eficácia e que a defesa e a diplomacia sejam asseguradas convenientemente – pois que a propriedade privada, a livre iniciativa e o mercado produziriam uma economia eficiente e progressivamente enriquecedora para todos.
Os seus opositores contestam quase todos estes pontos de vista: que o mercado é injusto (polarizando riqueza e pobreza em grupos sociais diferentes e muitas vezes em grau insuportável para estes últimos), ineficiente (pela tendência à monopolização e distorções várias) e predador dos recursos (naturais e outros); que a concorrência é, no fundo, a luta selvática “hobbesiana” de todos-contra-todos; e que a justiça social não é uma questão de caridade ou benemerência. E, passado o tempo da “luta-de-classes” e da “exploração capitalista”, falam hoje sobretudo em Estado social, igualdade de oportunidades, equidade, regulação e políticas públicas.
O sistema de mercado terá todos esses defeitos mas, para além do seu dinamismo, tem a grande vantagem de ser um mecanismo auto-regulado, descentralizado e sem um centro que o comande, para o qual todos contribuem um pouco: empresários, investidores, trabalhadores e consumidores. Quando exista um poder central que decida o fundamental da vida económica, é quase certo que ele seja parcial e discricionário (para evitar falar em despotismos). E todas as experiências históricas que pretenderam “administrativizar” o funcionamento da economia redundaram em gigantescas burocracias, corrupção e governos autocráticos.
O que propõem aquelas visões críticas do mercado quando falam da “subordinação do poder económico ao poder político”? Evidentemente, já não pensam nas monarquias absolutas e hereditárias que ainda há dois séculos dominavam o mundo. Pensam num governo democrático, saído de eleições e com a legitimidade de representar a vontade da maioria do povo (num quadro nacional, que é muitas vezes problemático).
O que, porém, esquecem é que, nestes sistemas políticos, estamos perante um outro tipo de mercado (aliás, mal regulado): o dos votos, das promessas eleitorais e da oligarquização do espaço político pelos partidos-de-poder, o qual, aparentemente, estaria à disposição dos cidadãos. (E as modernas ciências sociais e humanas têm dado o seu contributo para mostrar como se faz essa marosca.)
Assim, os críticos do mercado deveriam talvez pensar em exercer o seu criticismo também sobre este modo de “representação” e de organização do poder político – a menos que sejam eles-mesmos beneficiários e pessoalmente interessados na sua existência.
Se querem regular o mercado pelo Estado, não será bom também imaginar formas mais eficazes de “regular” a actividade dos ocupantes do poder do Estado que não seja meramente pela sanção eleitoral, que chega quase sempre tarde e é apenas transitória?
Realmente, a democracia, assim praticada, pode ser vista do modo racional e relativo como Churchill magistralmente a definiu, ou, ainda assim, como aquele espaço de liberdade e abertura de que falava o filósofo Popper.
JF / 5.Abr.2012
(PS – A este propósito, merece ser lido o artigo de opinião que Pedro Lomba publicou sob o título “A economia” no Público de 6 de Março p.p.)

1 comentário:

  1. Falas na Democracia pela necessidade de um Bom-senso, de uma coisa com que estejamos todos de acordo. É certo que, talvez a Democracia, com a sua inevitável carga de «Kratia», de força, a mesma que matou Sócrates, seja o modo de fundir os desacordos. Mas Churchill não foi um Santo -- mandou provavelmente matar Mussolini (e até os dirigentes nazis, logo à primeira vista) bem como comandou duas expedições para eliminar a correspondência de admiração que manteve com ele, a qual estará talvez nas mãos da Igreja. Mas a sua definição, primeiro, não é dele e, depois não é definição. Bom, talvez não precisemos de uma definição, mas sim de uma prática. Só que a prática não é uma «Kratia». Por isso se inventou An-arquia ou A-cracia. A impossibilidade de um modelo definitório, de força, para a sociedade contemporânea talvez fosse melhor com «Liberdade». Como Nozick nos provou, a Democracia pode ser uma Tirania. Mas são tudo palavras e definições, tantas quanto as Uniões, as Federações e as Globalizações. Em vez das palavras, talvez seja melhor aceitar a impossibilidade de um modelo, e preferir a da tolerância entre modelos, de acordo com costumes e práticas humanitárias, sim, com uma nova «Humanitas» e um novo Humanismo, nunca completo, mas sempre bem-humorado (e não será o Humor o contrário da Lógica dos modelos?!). Mas ah!, o relativismo sem ideias de Churchill, nunca! Sob ele se esconde o pragmatismo anglo-saxónico, a gestão dos interesses e a barbárie contra a quala civilização romana se universalizou. E também tanta hipocrisia, a mesma que teve tanta culpa na origem da Longa Guerra começada em 1914 e terminada em 1945.Efectivamente, os alemães lutaram, não por uma forma deturpada de Socialismo, nem pelo Socialismo versão nacional. Eles lutaram também por uma esperança de Justiça que Churchill desprezava. Os nazis eram profundamente racistas, mas os interesses britânicos, provaelmente, eram-no muito mais. Experimenta antes, pelo valor heurístico que têm nas ideias: Demoarquia. Mas Democracia como uso da força das ideias maioritárias, não quadra à Liberdade e é contra a Liberdade essencial da condição humana, espiritualmente fundada, muito mais do que contra a ideia retórica (e muitas vezes perniciosa) de direitos humanos. André

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