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sábado, 8 de outubro de 2011

Obesidade e subnutrição

Ambas são patologias médicas, mas quase sempre com causas sociais por trás.
Para além dos fenómenos de carência psico-afectiva, a obesidade é uma doença de (países) ricos, associada a excessos alimentares vários e à sedentariedade e falta de exercício físico, provocando por sua vez maiores incidências de hipertensão, cardiopatias, diabetes, gota, etc.
Para além do efeito da gula por parte das cozinhas e confeitarias tradicionais – sempre muito apetecíveis –, esta tendência é hoje particularmente estimulada junto de crianças e jovens por uma publicidade e uma oferta omnipresente e “agressiva”/sedutora de produtos tais como: açucares e chocolates doces, carnes e batatas fritas, pastilhas de mascar, refrigerantes e alcoóis. As respectivas indústrias agro-alimentares têm óbvios interesses neste crescimento do consumo mas são sobretudo as técnicas comerciais do marketing e da publicidade que directamente impulsionam formas de experimentação, de consumo, habituação, excesso e mesmo de compulsão ou dependência pessoal de tais ingredientes. Neste ponto, a função informativa dessas práticas comerciais e a concorrência que leva à diversificação estão aqui muito esmagadas pela pressão do lucro e a manutenção/disputa de posições nos mercados. No final da cadeia, os múltiplos agentes da restauração e venda-a-retalho (que constituem sempre um segmento importante para a vida social) não dispõem geralmente dos conhecimentos profissionais suficientes para articular o compreensível interesse da venda com o desejável cuidado relativo à qualidade do produto. E os pais – cada vez mais oriundos de estratos sociais carenciados – são levados intuitivamente a “compensar” nos regimes alimentares dos filhos (para além de brinquedos, artigos de vestuário e outros artefactos) as suas próprias frustrações de infância, descurando informar-se devidamente sobre aquilo que melhor lhes conviria.
Por seu lado, a subnutrição é um flagelo antigo que todavia persiste no planeta, agora de uma maneira mais chocante, tendo em conta as potencialidades económicas e técnicas existentes, que já deveriam ter conseguido a sua erradicação. Concentra-se hoje quase exclusivamente em grandes zonas de África e, muito mais limitadamente, na Ásia, Próximo-Oriente ou América latina, associada à pobreza e, de modo mais conjuntural, a fenómenos de perturbações climáticas (secas, cheias, etc.), depressão económica ou exclusão social, situações de isolamento ou migrações urgentes provocadas por guerras, genocídios ou outros actos humanos.
No entanto, a fronteira entre pobreza e “fome” não é fácil de estabelecer e a interdependência circular de vários factores (recursos naturais, estrutura social e tradições, infraestruturas materiais, tecnologias e fundos financeiros disponíveis, educação, estado sanitário, meios de intervenção, poder político, segurança, etc.) dificulta muito a tipificação de estratégias de acção eficazes e de efeitos duráveis.
Mas, de entre os processos mais pertinazes das situações não-catastróficas da fome e subnutrição que atingem esses povos, há talvez dois que mereçam uma especial referência. O primeiro é o da rarefacção da base económica natural que garantiu a sua sobrevivência ao longo de séculos: terrenos aráveis capazes de permitir alguma agricultura de subsistência (ou pastagens suficientes, para povos vivendo dos seus rebanhos; ou ainda condições viáveis de pesca local/costeira) e comunidades bem integradas do ponto de vista sócio-cultural – que agora poderiam ser apoiadas por políticas sócio-económicas adequadas promovidas pelos seus governos centrais, com ajudas recebidas do mundo desenvolvido, no sentido de se poderem progressivamente modernizar sem ter que abandonar os seus espaços de ocupação territorial tradicionais, ou já suficientemente estabilizados, na paisagem rural. Na realidade, não parece que esta tenha sido uma preocupação dos decisores, locais, nacionais ou extra-nacionais. E quando a terra se lhes mingua ou propõem trabalhos-a-salário que implicam deslocações, é quase certo que se rompem equilíbrios essenciais. (Nesse aspecto, as migrações são quase sempre um drama.)
O segundo processo de criação de condições propícias à miséria e à subnutrição (e de aculturação mais ou menos violenta) é justamente o do êxodo dessas populações rurais que vão “suburbanizar-se” para as periferias das gigantescas cidades do “3º mundo”. Cairo, Lagos, Kinshasa, Joannesburg, Maputo ou Luanda (para não sairmos de África) tornaram-se metrópoles pobres onde a sobrevivência passa, para a maioria da população, por lutas diárias interpessoais para angariar sustento, a evitação de perigos vários, desarticulação social e desprotecção contra as novas patologias insidiosas (sida e outras) ou os apelos para caminhos de marginalização e violência (droga, banditismo, etc.).
São, de facto, dois programas grandiosos para os homens e mulheres do século XXI: redescobrir uma economia rural sustentável para estes povos; e tornar efectivamente urbanas as populações hoje amontoadas nos subúrbios das suas metrópoles. O equilíbrio numérico mundial hoje atingido entre estes dois meios de vida contrastantes – o rural e o urbano – deveria dar lugar a uma relação mais equitativa da riqueza e do bem-estar produzidos num e noutro (e necessariamente no interior da cidade).
JF / 8.Out.2011

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