É inteiramente justa e compreensível esta oportunidade que os sindicatos deram aos trabalhadores de todo o país para expressarem na rua, por palavras vivas, o seu descontentamento pelo estado de crise a que o país chegou.
Protestar é saudável quando, como neste caso, os manifestantes não têm qualquer responsabilidade nos factos e também não prejudicam terceiras pessoas com essa sua acção de luta, uma vez que sejam assegurados os serviços mínimos indispensáveis em determinadas áreas. (Embora em certas actividades a greve até possa ser vantajosa para os empregadores, que assim poupam uns Euros em salários.)
Também é certo que, sem a acção sindical, os trabalhadores seriam muito mais vítimas dos abusos dos patrões, como acontece geralmente em países onde o sindicalismo é fraco ou inexistente.
Mas, no momento actual, os dirigentes sindicais e os sindicalistas em geral não deveriam iludir-se com o sucesso da greve geral, por quatro razões, pelo menos.
Primeiro, porque, ao defenderem da mesma maneira os bons e os maus trabalhadores e o nivelamento de salários e regalias (que encarecem o custo da mão-de-obra), têm alguma quota de responsabilidade na baixa produtividade do trabalho, que é um dos factores cruciais da falta de competitividade actual da nossa economia, além de que ajudaram a instalar em grandes massas de pessoas de fracos saberes (ao contrário dos seus pais, operários ou camponeses) a cultura do “sempre mais” e da igualdade com “os de cima”.
Em segundo lugar, porque, ao garantirem melhores condições contratuais de trabalho a determinadas corporações e grupos profissionais, estão porventura a desleixar a cada vez maior legião de precários, semi-empregados, jovens qualificados que saltitam de “programa” em “projecto”, de biscate em call-center, bem como as ex-trabalhadoras de meia-idade das indústrias taylorizadas que fecharam portas e ainda estão a viver à conta da indemnização ou do subsídio de desemprego.
Terceiro, os próprios dirigentes sindicais profissionalizaram-se nessa actividade, o que constitui um factor de separação e des-identificação entre os seus interesses próprios e os daqueles que pretendem defender. A base moral e psicológica da sua função de representação diminuiu. De certa maneira, eles também fazem parte da elite dirigente do país e têm algum grau de responsabilidade (pequeno, é certo) no descalabro financeiro em que nos encontramos.
Por último, as lideranças do sindicalismo estão quase todas nas mãos de militantes partidários e pautam grande parte das suas acções por razões políticas. Se Manuel Alegre fosse para Belém e patrocinasse um governo PS-PCP-BE, logo veríamos o doutor Carvalho da Silva a travar as greves e talvez a pedir “um dia de trabalho gratuito para a nação”. Portanto, as grandes centrais sindicais fazem parte do campo político e, nessa medida, não ficam imunes à crítica que responsabiliza esses actores pelos maus caminhos por onde tem andado a nossa democracia.
A conquista de uma verdadeira autonomia do sindicalismo e a procura de objectivos mais compatíveis com o interesse geral constituiriam decerto passos decisivos para uma sua melhor credibilização.
JF / 21.Nov.2010
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domingo, 21 de novembro de 2010
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