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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Alguns aspectos positivos da crise

Com mais de meio milhão de desempregados e muitos mal-empregados, o começo dos cortes nos salários e pensões (porque hão-de vir mais e mais fortes), incluindo (pasme-se!) um pequeno aperto nos altos rendimentos públicos e privados – a crise financeira e económica, do Estado e das empresas, começa agora verdadeiramente a ser sentida pela generalidade dos portugueses. E os 18% de pobres anteriormente recenseados terão de se acomodar como for possível.
Mas vejamos o lado bom da crise:
- Em primeiro lugar, ela vai obrigar o Estado a “emagrecer” e a fazer reformas efectivas para melhorar a eficiência do seu desempenho. Toda a questão está em saber como os partidos de governo (PS, PSD e CDS) vão ser capazes de ir em sentido contrário ao seu “populismo” congénito. A actual agudização da luta partidária tem muito a ver com isto;
- Para sobreviver, as empresas vão ter que ser mais inovadoras e sérias nos mercados locais, e mais produtivas e concorrenciais nos mercados externos. Veremos se a sua imaginação e o consagrado desenrascanso nacional serão usados da melhor maneira, com benefício geral, ou se se aplicam na descoberta de formas mais sofisticadas de vigarizar;
- As famílias e os indivíduos das “classes médias” vão ter que rever os seus planos de consumo, ser mais prudentes e contidos no usufruto dos bens e na compra de serviços, ter uma atitude de maior poupança e de menor endividamento e desperdício. Um corte de 20 a 30% no rendimento disponível (como alguns prevêem) tornará os orçamentos familiares muito mais razoáveis e morais (olhando para o mundo);
- É admissível que a escassez e as maiores necessidades de muita gente facilitem a emergência de um sector de economia social – sem objectivos de lucro mas antes de estrita satisfação dessas necessidades – que contribua para alterar um pouco as dinâmicas económicas actuais, no sentido de maior sustentabilidade (económico-financeira e ambiental) e atenção aos mais fracos;
- Se, nestas condições, o tal “terceiro sector” (social) souber desenvolver-se menos dependente dos subsídios do Estado, será uma óptima coisa, que lhe garantirá maior solidez e autonomia;
- Se tal for viável, é de saudar algum “regresso aos campos”, para ajudar populações carenciadas, com base no recrudescimento de economias locais.
- Os comportamentos colectivos “gratuitos”, como certas greves ou a exploração de alguns direitos sociais (baixas por doença injustificadas, preferência do subsídio de desemprego a uma oferta de trabalho compatível, etc.) vão tornar-se mais difíceis, não apenas por um maior aperto da administração pública, mas também pelas atitudes menos complacentes e mais “individualistas” dos cidadãos próximos;
- Não vai ser possível levar avante a regionalização, nos moldes em que é encarada pelos políticos, com cinco novos poderes com legitimidade democrática própria. E talvez finalmente se ponha cobro aos maiores desmandos praticados pelos governos das regiões autónomas atlânticas;
- O poder local dos municípios talvez seja tentado a corrigir a sua filosofia eleitoralista da “obra feita” (no licenciamento urbano) e possa dar mais atenção e consistência ao bem-estar mínimo e solidário das suas populações (como em muitos casos já está a ser levado a fazer).
Por isto, num certo sentido, quase se poderia dizer: “Viva a crise!”
JF/5.Nov.2010

1 comentário:

  1. Este trabalho ajudou-me imenso, e gostei muito (especialmente da última frase). E, nós Portugueses, somos tão pessimistas! Porque não olhar para os benefícios?! E... Viva a crise :)

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