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sábado, 12 de dezembro de 2009

Barack Obama e a não-violência

Barack Obama foi a Oslo receber o prémio Nobel da paz. Do seu longo discurso, que mais pareceu um programa político que um agradecimento de circunstância, retenho antes de mais as passagens dedicadas à não-violência. Disse ele, no essencial, que a não-violência de Gandhi ou de Luther King não é realista nem pragmática e que um movimento não-violento não serve para derrotar inimigos poderosos. Nenhum movimento não-violento teria sido capaz de derrotar Hitler, acrescentou.
Estas afirmações são porventura as mais significativas do seu longo discurso, já que, classificando de inútil a não-violência, Obama acabou por justificar a violência como a única estratégia possível no actual contexto de conflito. Por isso se apresentou em Oslo como o político que acaba de enviar trinta mil jovens estadunidenses para matar (e morrer) no Afeganistão.
A forma como o presidente dos Estados Unidos tratou a não-violência é apenas uma. Há outras e aparentemente tão verdadeiras e convincentes quanto a dele. A não-violência já provou ser capaz de derrotar inimigos tão poderosos como o exército britânico ou o poder branco dos Estados Unidos. E podemos pensar com boas razões que teria sido capaz de parar os exércitos de Hitler caso a desobediência civil das populações europeias tivesse tomado as proporções que tomou na Índia de Gandhi.
Barack Obama mereceria decerto o Nobel da paz caso partilhasse de convicções semelhantes e usasse o seu poder para lhes insuflar vida e realidade prática, dando um alto e novo exemplo moral ao mundo, capaz de o equiparar às grandes figuras da não-violência do século XX. Assim, tal como se apresentou em Oslo, defendendo a ideia da guerra justa (tão velha afinal como Agostinho de Hipona ou o cristianismo ao serviço do Império romano do Ocidente), Obama é só na História actual uma oportunidade perdida. Não mereceu receber o Nobel e melhor lhe ia deixar o prémio nas mãos dos jurados.
Jerónimo Leal / 12 Dezembro de 2009

1 comentário:

  1. Aqui vai uma nota crítica sobre este escrito, apesar do atraso.
    Vale a pena ler o discurso de Obama na sua integralidade (espero que a revista ‘A Ideia’ o faça numa próxima oportunidade). E acho desajustado colocar Obama no mesmo plano de Gandhi ou Luther King, isto é, no terreno de uma acção de desobediência civil possível contra a organização estatal estabelecida, como aquelas referidas. Parece-me que Obama reconhece e presta homenagem aos inspiradores dos movimentos de contestação populares não-violentos mas assume bem a sua condição de “commander-in-chief” e presidente eleito de um grande estado nacional, com responsabilidades planetárias. Quem o elegeu ou exaltou como se ele pudesse liderar uma revolução – que seria contra os interesses e desejos da sua nação – é que se terá enganado redondamente ou apenas o fez por jogo táctico.
    Dito isto, não creio que se possa negar duas coisas importantes: primeiro, a enorme força moral e política dos movimentos não-violentos historicamente acontecidos no Séc. XX, ainda que seja discutível se as condições actuais permitiriam a sua repetição, em particular, com o sistema mediático hoje existente; segundo, tendo em conta o sistema económico vigente (e não é crível a sua alteração radical, salvo em termos catastróficos), é de relevar a mudança que vem ocorrendo no uso dos instrumentos de força, sujeitos ao escrutínio público, cada vez mais empregues com o intuito de controlar situações de violência (e não para as criar) e com exigência de assunção de responsabilidades por parte dos decisores políticos.
    (JF / 15.Fevereiro.2010)

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