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quinta-feira, 17 de março de 2016

JMT versus BSS

João Miguel Tavares (JMT) e Boaventura de Sousa Santos (BSS) já têm “terçado armas” no espaço público e ambos têm vastos números de leitores assegurados.
O Professor Boaventura de Sousa Santos (BSS) é um sociólogo sénior de Coimbra com reputação internacional bem firmada e há muito interveniente activo nos debates sociais e políticos. Respeito-o pela sua superior bagagem teórica e admiro-lhe a frontalidade e acutilância das suas tomadas de posição como cidadão, embora muitas vezes discorde delas.
João Miguel Tavares (JMT) é um talentoso cronista da nossa praça que eu também aprecio (mas não tanto como a bagagem cultural e a inteligência-bem-humorada de que dão mostras, respectivamente, os seus companheiros de painel televisivo Pedro Mexia e Ricardo Araújo Pereira). Faz gala em afirmar-se “de direita” e toma geralmente posições de um verdadeiro liberal, desconfiado das intromissões do Estado e irritado contra a reivindicada superioridade intelectual das esquerdas.
Num texto publicado há pouco tempo (Público, 11.Jan.2016), BSS veio mais uma vez a terreiro, agora com uma peça notável de concisão e clareza mas que eu tenderia a interpretar como um regresso à pré-sociologia (porque “quer transformar”, antes de “tentar perceber”). Não o é, de facto, porque a sua inteligência e o seu património acumulado não o consentem, e porque todos percebemos perfeitamente que se trata de um texto de combate político, não de um ensaio de análise sociológica.
De facto, sem uma falha ou solução de continuidade lógica, o texto “explica” todas as principais inquietações e perplexidades do nosso tempo (neste primeiro quartel do século XXI) como decorrências (exclusivas?) do modelo económico capitalista dominante nos últimos trinta anos: o glosado “neo-liberalismo”. (Ao que pressurosos epígonos não perderão tempo a sugerir ou afirmar novas versões das “teorias da conspiração”: por exemplo, que a conflitualidade anti-ocidental ateada pelo islamismo radical seria mais uma instigação do capital sem pátria.) E o quadro conceptual completa-se, em BSS, com as referências filosófico-atitudinais “do medo e da esperança”, com a referência-âncora à “Constituição” (num sentido não exclusivamente jurídico), uma redefinição da “hegemonia” (que parece, tal qual, o que a linguagem partidária mais antiga chamava de “combate ideológico”) e a redescoberta de uma “família da esquerda”, embora quase sempre desavinda como acontece em tantas famílias, consanguíneas ou afinitárias. Não está em causa a perspectiva crítica e autónoma que deve enformar toda a sociologia – e nesse aspecto só pode parecer pleonástica a adjectivação de “crítica” com que gosta de se apresentar a sociologia da Escola de Coimbra (aliás, uma das mais importantes e influentes no país). Mas é problemática a implícita caução científica que parece estar “por detrás” e em que se fundamentariam estas tomadas de posição política. Embora não seja líquida nem inocente a separação “ontológica” entre conhecimento científico e acção política (da forma como Max Weber magistralmente a definiu), continuamos a sustentar a utilidade dessa distinção, com vantagens para ambas as partes, pelo menos quando estamos a falar entre pessoas comuns e cidadãs, e não num debate exclusivo entre especialistas.
Por seu lado, JMT (creio que com uma formação inicial em ciências da comunicação) pratica uma actividade jornalística essencialmente baseada no comentário e na crónica da actualidade geral (política e social, sobretudo). Embora esteja longe de me reconhecer nas suas simpatias partidárias e me canse já a estratégia (inaugurada por Pacheco Pereira e replicada por vários outros comentadores) de sempre procurar ser mais contundente nas críticas às “posições actuais” do seu partido de eleição do que qualquer dos seus adversários oficiais – a que JMT também recorre –, tenho alguma simpatia pela irreverência e iconoclastia de muitas das suas observações críticas sobre o “politicamente correcto” e muitas das políticas oficialmente praticadas, tanto no governo como na oposição. Quando não exagera, aprecio que refira o caso particular dos seus filhos (e da sua família) quando se trata de ilustrar um “disparate” (termo que afeiçoa) como, por exemplo, o fez há pouco tempo acerca das sucessivas alterações nos programas e das provas escolares. Acho ainda graça à maneira desenvolta – nem arrogante, nem contundente – com que não se inibe de mostrar a sua ignorância em muitas matérias, como é inevitável numa pessoa de 40 anos, mas que só nesta geração actual pode ser assumida da forma “descomplexada” como ele o faz.
O jornalismo actual só tem a ganhar com este género de profissionais mas, de passagem, interrogo-me sobre o vendaval que estará a grassar sobre as redacções dos órgãos noticiosos e as colunas de opinião de melhor qualidade da nossa imprensa. É a concorrência que aperta, o investimento que escasseia, os directores que privilegiam as audiências fáceis ou uma luta surda no meio profissional dos jornalistas à volta de questões deontológicas e de orientação nem sempre explicitadas? Percebe-se a maior polivalência a que alguns “nomes feitos” se sujeitam agora, mas a aparente saída de cena de jovens jornalistas talentosas ou já maduros dá que pensar, tal como a alteração do modelo e quebra de qualidade dos textos de opinião como aqueles a que o Público nos havia habituado, em favor de um noticiário cultural mais desenvolvido (para já não falar da massificação futebolística nas televisões, que ninguém ousa pôr em causa). Sinal do enfraquecimento geral da “coisa política” na consideração social? Também participado pela geração mais jovem dos profissionais da comunicação? (Talvez tema para o provedor do citado jornal tomar a seu cargo?)
Esta é, de facto, a geração que já está a comandar muitas das instituições-chave das sociedades modernas e é a ela, com todos os seus “defeitos” e “virtudes”, que competirá encontrar as soluções possíveis para os problemas que os antecessores lhes deixaram em herança.
JF / 18.Mar.2016       

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Dúvidas e interrogações

Dois dos meus amigos mais próximos discutiam há dias acerca da predominância na comunicação social das “gordas” e dos comentadores “neo-liberais” versus “à esquerda” – isto, a propósito de uma das habituais colunas que um outro amigo comum escrevera, na sua função de provedor-do-leitor de um dos nossos jornais diários. Não intervim neste diálogo “electrónico”. Em parte, porque me sentia dividido. Acessoriamente também porque, a usar esse media, gastaria porventura várias páginas para explicar em que pontos concordava com um e discordava do outro, onde me revia nas palavras deste último e me afastava do primeiro. E o debate fechou-se (ou adiou-se) rapidamente.
Pensando um pouco mais no caso, sobreveio-me a lembrança de que ainda há dias me sentira na mesma hesitação perante a instante questão da saída ou não do Reino Unido da nossa União Europeia ou, com muito mais acutilância, sobre o problema da eutanásia, ou ainda sobre o drama dos refugiados e migrantes islâmicos que acorrem à Europa, ou ainda sobre o combate ao terrorismo no Próximo-Oriente, ou ainda… Enfim, é quase toda a actualidade que me coloca questões cruciais e urgentes para as quais não tenho resposta clara. Não sendo religioso, não tenho nenhum catecismo ou director espiritual que me guie. Não sendo apaniguado de nenhum partido político (ou mesmo associado de um sindicato), não tenho qualquer posição colectiva à qual que me encostar. Não sendo actualmente membro de qualquer clube ou círculo de discussão onde possa argumentar ou colher bons argumentos, está-me vedada essa ajuda para construir opiniões mais bem fundamentadas. Dos colegas de minha actividade e dos intelectuais, já eu conheço o bastante para saber que em nada me deverão elucidar sobre estes novos problemas. Resta-me o que vejo, ouço e leio na comunicação social, confrontado com o saldo do capital de conhecimentos que acumulei, dos livros e da vida. Mas esse manancial informativo levanta-me tantos problemas pela matéria substantiva que divulga como pelo modo e tratamento mediático com que nos é servido.
Não me causa qualquer angústia esta solidão interpretativa, já que há muito lido com ela e julgo ser o preço a pagar pela liberdade de consciência que o nosso mundo moderno nos proporcionou e que, por exemplo, não estava ao alcance dos meus tetra-avós. Mas também sei que isto é um “privilégio” de que só uma minoria pode beneficiar. A grande maioria das pessoas “normais” não se pode dar ao luxo de tais cogitações: não lho consentem as ingentes tarefas da sobrevivência diária; a educação que lhes moldou o carácter não permitiu que rompessem com a rede de constrangimentos afectivos e emocionais do “meio” onde, por acaso, nasceram; e a dinâmica das sociedades actuais é fortemente condicionadora dos comportamentos “de massas” das populações urbanizadas, mesmo quando lhes sugere e proporciona alternativas de afirmação da sua individualidade. (O caso das actuais “redes sociais” é bem ilustrativo disto mesmo.)
Situar-se sozinho “dentro do sistema” mas não dele “prisioneiro” não é cómodo nem fácil. Há duas ou três gerações atrás, os utopistas de então tinham a percepção de que os seus projectos de transformação social tinham alguma probabilidade de serem realizados, ainda que mínima. Competia-lhes a eles tentarem alargar essa margem de incerteza. Os seus imediatos sucessores fixaram-se talvez no imperativo moral de não traírem os sacrifícios de tantos, no passado; mais do que verem triunfar os seus ideais, aspiravam resistir e dar testemunho desse espírito de rebeldia contra as inevitabilidades do presente.
Mas hoje? Nos países-quadro desta “história ocidental”, os pobres  e os trabalhadores explorados praticamente desapareceram para dar lugar a uma classe-média algo pelintra que viu satisfeitos todos os seus anseios de consumo desafogado e alguma parte dos sonhos de ascensão e reconhecimento sociais. Mas o seu anterior lugar não ficou vazio: foi sendo ocupado por aquela fracção dos “damnés da la terre” que conseguiu migrar fisicamente para as metrópoles, safando-se do destino maioritário dos seus iguais que apenas puderam amontoar-se nos muceques, favelas e bidonvilles das suas regiões de origem, agora sob (quase sempre) o desatendimento e o desprezo dos seus novos governantes nacionais. Acresce ainda o seguinte: num mundo todo ele muito mais integrado – sobretudo pela intercomunicação e o valor económico –, é nos diferenciais existentes entre a “produtividade” dos investimentos capitalistas que se funda hoje o essencial do ganho económico. Que se cuidem os países, as regiões, as cidades, os sectores de actividade, as empresas, as profissões ou as categorias de trabalhadores menos competitivos! Os próprios “blocos continentais” (vide a União Europeia) ficam ameaçados quando não conseguem gerir eficazmente as suas diferenças internas.
Nestas circunstâncias, a esquerda conseguiu forçar o Estado a assumir um papel de redistribuidor do rendimento nacional, impondo (quando, onde e enquanto lhe foi possível) os seus princípios de universalidade nos benefícios distribuídos e com isso arriscando sempre os equilíbrios das finanças públicas. Hoje, em Portugal, é curioso que sejam o Bloco de Esquerda e o PCP a defenderem este “programa social-democrata” com a singularidade de o fazerem com os modos e o discurso típico dos protestatários do poder (que eles sempre foram), enquanto o PS o  faz com a moderação e a sinceridade de um partido (e uma corrente política) há muitas décadas adquirido às vantagens e servidões do exercício do poder em democracia e que foi evoluindo de uma posição de crítica à economia capitalista para apenas a de uma correcção dos seus efeitos socialmente mais negativos, por força da acção do Estado.                     
Por seu lado, os partidos moderados de direita, conservadores ou de influência democrata-cristã ou liberal, defendem de forma mais descomplexada a iniciativa privada e a economia de mercado, ao mesmo tempo que assumem sem reservas o modelo de alternância democrática, deixando isoladas as forças ultra-nacionalistas e autoritárias que no passado falavam em seu nome. Pode então dizer-se que partilham com a esquerda social-democrata a aceitação da economia de mercado com alguma intervenção correctora ou regulatória dos poderes públicos, mas são menos estatistas do que as esquerdas. Porém, são também tradicionalmente colocadas no campo das direitas outras variedades: forças que pareciam talvez desaparecidas mas que têm vindo a reemergir na cena política de certos países (embora não em Portugal), geralmente qualificadas de populistas,  xenófobas ou violentas; alguns nacionalismos que em certas situações podem equivaler-se aos anteriores mas, noutras, podem antes corporizar sentimentos autonomistas genuínos de nações historicamente reprimidas por poderes estatais mais vastos; e o chamado “neo-liberalismo”, filosofia económica que tem presidido à integração financeira, empresarial e dos mercados das últimas décadas, criando novas oportunidades de negócio e inovação em áreas até então à margem da economia mas também reagindo contra o excessivo estatismo que amordaça muitas sociedades, sendo que, em ambos os casos, uma parte dos actuais fenómenos de corrupção lhes está ligada. Tudo isto são muitas coisas diferentes entre si, embora com alguns fios de ligação mútua.
É um facto facilmente observável que a política portuguesa anda “crispada” e a sociedade ainda está magoada pelas restrições dos últimos anos. Mas, enquanto esta vai encontrando por si própria algumas vias “de saída” (uns saindo mesmo para o estrangeiro, outros mais empreendedores criando empresas em novos ou velhos sectores de actividade, outros ainda vacinando-se contra o discurso demagógico dos partidos…), a generalidade das formações partidárias insiste em abespinhar-se com as querelas e passa-culpas de sempre, sem quererem perceber que estão porventura a esgotar as últimas reservas de paciência e da complacência que o eleitorado lhes tem demonstrado. Veremos o que o novo Presidente da República conseguirá fazer com a sua inteligência, popularidade e capacidade de influência, a este respeito. Mas é difícil imaginar que os actuais partidos governantes (que agora são todos) cedam algo de significativo dos interesses que criaram à sombra dos poderes do Estado. E, por outro lado, da Europa só há a esperar a continuação da atitude rígida que tem tido para com “os do Sul” – não essencialmente por preconceito ou espírito de perseguição, mas porque assim lhe ditam as regras da sua sobrevivência –, a não ser que os próximos anos ainda nos tragam algo de pior, por causa de uma saída do Reino Unido, incapacidade em lidar com o afluxo maciço de populações muçulmanas, uma nova crise financeira “em grande” ou a chegada ao poder de forças anti-europeias num país central. Isto, numa época em que não se sabe como evoluirá a política externa norte-americana, mas sabe-se que os problemas no “arco islâmico” não irão solucionar-se facilmente e que a Rússia se tornará ainda mais intratável logo que a sua situação económica o permita.   
Não se nega que, nestas condições, haja, apesar de tudo, diferenças entre uma governação “de esquerda” e uma mais “amiga do capital” ou das forças socialmente mais conservadoras. Mas são apenas duas formas de gestão da “economia social de mercado” e do uso das prerrogativas governamentais. No centro da questão está a “lei de bronze” da luta pela poder – pelo desafio fascinante que, em si mesma, essa conflitualidade representa, e pelas oportunidades de ganhos que tal ocupação traz consigo (no presente ou no futuro). Isto pode não ser (ou não se chamar) corrupção mas é um fenómeno tão antigo como a ambição, a competição, a guerra ou o crime. Mas se nestas diversas áreas as sociedades humanas conseguiram já “disciplinar os instintos” e encontrar mecanismos e instituições capazes de minimamente os controlar, porquê esta dificuldade maior para com os actores que entre si disputam o poder político? Decerto que a constitucionalização deste “jogo” trouxe progresso e alguns benefícios: por isso todos achamos “bárbaro” o comportamento dos fanáticos do Daesh. Mas, mesmo não ostensivo, o antagonismo partidário traz sempre desperdício e esbanjamento de recursos; enquanto a tolerância, a negociação, a trégua e o acordo limitado conduzem geralmente a melhores resultados, transmitem mais serenidade e confiança à sociedade, e encorajam por todo o lado a procura do “bem comum”.     
Porque sociologicamente tende a haver (sobretudo em Portugal) mais proximidade entre as elites partidárias de direita e as elites económicas, o aproveitamento temporário das benesses do exercício do poder pelos políticos é talvez menos sôfrego do que acontece com o pessoal das esquerdas: limitam-se a chamar para a sua órbita político-administrativa  aqueles que conhecem e em quem depositam confiança (muitas vezes recrutados por via das redes familiares). Até porque as suas possibilidades de escolha são em menor número.
À esquerda, o campo de recrutamento de gente com boas qualificações técnicas é hoje vastíssimo e a pressão para alargar o emprego público é, por isso, bastante maior. A fundamentação das decisões políticas tende a ser aqui mais completa e rigorosa, mas também os argumentos para alargar sempre mais a esfera do intervencionismo público – porventura até ao ponto de ficar “à beira da bancarrota” (ou à mercê de uns novos adeptos do estatismo económico). Porém, com o notório enfraquecimento da “ética republicana”, também neste campo a tentação do lucro levou a melhor sobre o “espírito de serviço público” no que toca às mais elevadas esferas de decisão estatal por parte dos dirigentes partidários. As grandes câmaras municipais, os governos regionais e os ministérios são hoje decisores económicos de primeira grandeza, que lidam de igual para igual com os gestores de grandes empresas multinacionais ou os responsáveis de enormes instituições financeiras. O simples cidadão pode ser alertado para tal ou tal “caso” sinalizado pelos mass media mas não tem qualquer hipótese de entender se se trata de uma honrosa defesa do “interesse público” ou de mais uma mera “negociata”.
No tocante à constituição e fidelização de clientelas, são provavelmente equivalentes os efeitos dos dois modos de exercício da governação, pois são elas que constituem os “activos” mais dinâmicos e valiosos com que se garantem e ganham os votos dos eleitores, por definição mais voláteis e susceptíveis de variação com os impactos emocionais, planeados ou apenas melhor aproveitados quando correm inopinadamente.
Por tudo isto, vemos que a descrença e o cepticismo ganham força entre os cidadãos e compreendemos as suas razões. Compreendemos mesmo porque eles continuam a confiar o seu voto nestes protagonistas políticos. Por prudência ou sabedoria ancestral, preferem actores já bem conhecidos, à incerteza e risco de novos aventureiros (pelo menos até ver em que dá o imbróglio dos nossos vizinhos espanhóis).
JF / 24.Fev.2016

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Uma política nova e de cara lavada

Repito e confirmo as ideias que já há tempos declarei acerca deste assunto.
O sistema político é hoje o principal responsável pelos males de que padece a sociedade portuguesa, pois as condicionantes externas – muitíssimo fortes, como sabemos – são dados que temos de ter em conta mas, no essencial, fora do alcance do que possamos fazer.
O nosso sistema político – regras e protagonistas – é irreformável a partir dos actuais partidos políticos. E a maior parte das formações que surgiram nos últimos anos não conseguiram convencer os cidadãos de que queriam fazer diferente, fosse pela trajectória anterior dos seus líderes, por não se demarcaram suficientemente do existente ou por não acautelarem os perigos da inexperiência e do “arrivismo”. Mas, do funcionamento democrático actual, muito há a preservar, sobretudo o clima de liberdade pessoal e colectiva, e também inúmeras pessoas sérias e de boa-vontade mas que são impotentes para “vencer a maré” dominante. Trata-se de conseguir uma reforma política – da lógica e da dinâmica do exercício da cidadania e do poder nacional –, não de o subverter ou substituir por algo incerto. As utopias manterão sempre o seu papel simbólico. Não as queiramos destruir tentando um arremedo coxo da sua concretização.
Em duas áreas deverá incidir esta reforma política: na emergência de um novo movimento (ou partido) saído da sociedade civil; e num plano de mudança constitucional e das principais leis que regem a nossa vida política.
Quanto ao primeiro ponto, enunciemos as fundamentais bases ideológicas e estatutárias que poderiam ter esse partido-movimento:
1-Absoluta conformidade de adesão aos princípios democráticos de liberdade, pluralismo, legalidade e transparência que guiam a nossa modernidade.
2-Rejeição de todos os regimes ditatoriais, autoritários e autocráticos, qualquer que seja a justificação doutrinária com que se apresentem.
3-Reconhecimento da soberania popular expressa em escrutínios válidos e, o mais possível, claros e inequívocos (o que, em boa parte, depende do quadro legal que os organiza). Porém, com um compromisso sério de não alimentar as tendências “eleitoralistas” que as campanhas sempre proporcionam.
4-Repúdio das formas de acção política violenta, seja armada, vanguardista ou de massas.
5-Reconhecimento doutrinário dos princípios da igualdade e dignidade humanas, da ideia de individualidade forjada pela época moderna, da supremacia do interesse colectivo sobre os interesses particulares, da mais justa distribuição e fruição dos bens económicos, sociais e culturais, e do respeito pela natureza de que fazemos parte.  
6-Assunção do vínculo sociocultural que nos liga à nação portuguesa, sem laivos de nacionalismo e estando abertos a futuros prudentes passos no processo histórico de identidade europeia, defendendo os seus valores fundamentais mas desejando a paz e um progresso justo para todos os povos do mundo.
7-Construção progressiva de uma estrutura de acção política saída da sociedade civil, inicialmente animada por pessoas de fora das “carreiras partidárias” mas sinceramente empenhadas em melhorar o destino colectivo da sociedade de que fazem parte.
8-Como compete a um partido das classes médias (nem populista, nem elitista), colocação “ao centro” do espectro partidário-ideológico, com reconhecimento e apreço pelos valores libertários e solidaristas geralmente reivindicados pelas esquerdas, mas igualmente pela prudência e moderação nos processos de mudança social que têm tido geralmente a assinatura das forças mais conservadoras – porém com clara rejeição das práticas políticas que uns e outros instituíram em Portugal das últimas quatro décadas, que acabaram por frustrar as melhores expectativas abertas pela revolução de 25 de Abril de 1974 e corromper o regime constitucional em vigor.
9-Recusa de qualquer aliança, coligação ou acordo negociado, pré ou pós-eleitoral, de governo ou de oposição, com os actuais partidos do espectro político nacional – independentemente de, com o seu voto, poder viabilizar ou chumbar um executivo ou uma qualquer medida legislativa, o que seria analisado caso a caso, conforme a situação concreta e o melhor interesse da colectividade.
10-No plano autárquico (e regional), disponibilidade para considerar a eventualidade de participação em órgãos executivos, se isso fosse de evidente interesse para as populações.
11-Concordância com o uso do referendo como modo de participação mais directa dos cidadãos na vida política, porém com muita ponderação e parcimónia, para que não se transforme em mais um campo de manipulação dos partidos.
12-Entre os pontos estatutários indeclináveis dessa nova formação “partidária” (aceitemos o ónus que hoje carrega esta designação) teriam de figurar os seguintes: a) a renúncia a todo o acréscimo em relação ao rendimento auferido anteriormente, por virtude da eleição ou nomeação para qualquer cargo público de pessoas sob a sua “etiqueta”, apenas com a manutenção dos direitos adquiridos (devendo aqueles remanescentes serem atribuídos ao sistema de segurança social); b) o compromisso de, enquanto representante eleito para qualquer assembleia deliberativa pública (parlamento, município, etc.), só votar contra propostas de terceiros em caso de discordância essencial e fundamentada (para a qual tivesse melhores alternativas), votando favoravelmente as medidas que parecessem ir no bom sentido e abstendo-se em todos os demais casos; c) recusa de, em momentos de discussão pública, fixar-se na crítica das promessas ou das razões (e ainda menos na pessoa) dos adversários, sem prejuízo do debate de ideias esclarecedor de terceiros, mas privilegiando sempre a explicação e fundamentação das propostas próprias; d) aceitação de medidas disciplinares rigorosas e rápidas contra quaisquer abusos de poder, tentativas de corrupção ou comportamentos delituosos por parte dos membros.
13-Prática exemplar de um funcionamento democrático e transparente, com formas de controlo dos representantes pelos membros de base, mandatos temporários e revogáveis em certas circunstâncias, definição clara de incompatibilidades e meios de financiamento verificáveis por qualquer cidadão, com os estatutos a regularem os modos de escrutínio para a designação dos responsáveis e a adopção das decisões e orientações programáticas, tendo em atenção os recursos actualmente disponibilizados pela ciência e pela tecnologia em matéria de conhecimento, informação e comunicação.
14-Promessa de, cinco ou seis anos depois da fundação, realizar um congresso (tipo “estados gerais”) de verificação do cumprimento do seu projecto motivador, com a possibilidade franca de dissolução do partido em caso de avaliação globalmente negativa.
Os principais riscos que sempre ameaçariam o surgimento de um movimento regenerador deste tipo seriam: a) a desconfiança da população perante o surgimento de mais um actor político; b) a deliberada assimilação desta iniciativa a movimentos populistas (com intuitos de descredibilização e confusionismo), que não deixaria de ser feita por alguns comentadores e pelos partidos instalados, sobretudo os de esquerda; c) a “invasão” por gente oportunista ou “submarinos” de outros partidos; d) a rápida consolidação de uma clique de dirigentes ou de um líder carismático que desviasse o movimento dos seus propósitos iniciais; e) a falta de experiência e “profissionalismo” dos seus representantes e dirigentes perante adversários políticos e especialistas dos mass media há muito rotinados nos papéis que desempenham; f) o “preço do sucesso”, após os primeiros resultados positivos e surpreendentes, em termos de opinião pública e eleitorado.

Quanto às mudanças das regras do sistema político e dada a motivação original para o lançamento deste movimento, será compreensível que, nesta fase inicial, as propostas preparadas pelo novo partido neste domínio constituíssem a parte principal do seu programa de acção, relegando para segunda prioridade as matérias de natureza económica e social, de política internacional, de segurança e defesa, de justiça, de educação e ciência, de protecção ambiental, etc. – as quais, naturalmente, teriam que ser mais ponderadamente estudadas, debatidas e adoptadas como “programa”, de forma participada e com o envolvimento de bons especialistas em cada uma destas áreas.
Eis então um conjunto de objectivos de reforma do actual sistema constitucional-legal que vem regulando a nossa vida política, por parte do novo partido-movimento:
1-Redução substancial do número de deputados da Assembleia da República, para cerca de 120/130, com regras de dedicação exclusiva e parcimónia das suas remunerações.
2-Alteração do dispositivo constitucional e legal da eleição e funcionamento da Assembleia da República e de formação do governo: a) numa primeira volta eleitoral, todos os lugares da AR ficariam preenchidos: pelo método proporcional, com um único círculo nacional para os partidos concorrentes (cerca de metade dos mandatos); e pelo método maioritário para a eleição dos restantes mandatos, em círculos geográficos uninominais abertos a independentes; b) numa segunda volta eleitoral, a que só acorreriam os dois partidos mais votados (caso o mais votado não fosse já maioritário na assembleia), apurar-se-ia o partido chamado a constituir o governo (que poderia, porventura, concluir depois acordos ou coligações com outros); c) salvo por demissão própria ou voto de moção de censura por maioria qualificada, o governo cumpriria a legislatura, tal como acontece nos regimes presidenciais; d) o orçamento e certas leis decisivas bem especificadas no programa eleitoral só poderiam ser “chumbados” na AR por maioria qualificada.
3-Acabaria a eleição do Presidente da República. Estas funções seriam desempenhadas, nos aspectos de promulgação das leis e protocolares, pelo Presidente da Assembleia da República.
4-O Tribunal Constitucional e o Conselho de Estado seriam extintos: a) o primeiro, na sua essencial função de verificação da constitucionalidade da legislação ordinária (que não como 4ª instância de recurso para certos crimes), seria substituído por uma secção especial do Supremo Tribunal de Justiça; b) em lugar do segundo, seria criado um Conselho da República, uma espécie de “conseil de sages” constituído por vinte a trinta personalidades, por inerência de altas funções anteriormente desempenhadas (no Estado, nas Magistraturas, Tribunal de Contas, Banco de Portugal, Conselho Económico e Social, Forças Armadas, etc.), por designação dos pares (pelas universidades, Comissão da Liberdade Religiosa, etc.) ou cooptados pelo próprio Conselho, em mandatos únicos de 5 anos, com o poder moderador de, eventualmente, fazer votar em segunda leitura certas leis da Assembleia da República e dirigir-lhe mensagens, bem como ao Governo ou ao país.  
5-Revisão do mapa, das competências e do modo de governação dos municípios, no sentido da sua simplificação, seguindo basicamente o modelo indicado para o governo.
6-Criação de um modelo de regionalização (no continente) de democracia delegada (a partir dos municípios) e não por eleição directa de novos órgãos de poder.
7-Abertura para a prática de algumas modalidades de democracia participativa já experimentadas (como o direito de iniciativa legislativa popular, o referendo, as “primárias” abertas, os orçamentos participativos, etc.), ou as possibilitadas pelas modernas tecnologias (consultas on line, voto electrónico, etc.), que estimulem o envolvimento e participação responsável dos cidadãos na resolução de problemas colectivos, mais do que a acção concertada de grupos de interesses ou de irmandades ideológicas.
8-Caducidade da legalização dos partidos sem representação parlamentar ao fim de duas ou três legislaturas e redução dos benefícios financeiros de que gozam todos os partidos.
9-Fixação de limites de mandatos sucessivos para todos os cargos públicos e períodos “de nojo” após o seu exercício, com responsabilização agravada em caso de certos crimes contra o interesse público.   
10-Inscrição constitucional de princípios de rigor orçamental e de responsabilidade pessoal dos decisores políticos em matéria económica e de prevenção da corrupção.
11-Garantia e reforço dos dispositivos da Justiça para a sua melhor eficácia e isenção, mas cuidando também da responsabilização dos magistrados face aos aliciamentos de que podem ser alvo.
12-Inspecção técnico-jurídica especial para enfrentar com eficácia as más-práticas e eventual criminalidade no sector financeiro. 
13-A redefinição de funções e áreas de actuação da PSP e da GNR, com melhor articulação com a Protecção Civil, as Forças Armadas e os serviços de informações.
14-Reavaliação realista da política de Defesa Nacional com mais plena consideração dos dados da posição geoestratégica do país, da política de alianças externas e dos condicionalismos económicos existentes, com provável redução do peso relativo das forças terrestres.
Neste campo – objectivado sobretudo por preocupações de simplificação e e rigor republicano na gestão da coisa pública, existem também riscos e problemas, de que enunciamos os principais: a) dificuldades na reaprendizagem da nova divisão de funções da Assembleia da República e do Governo: com oposição sistemática daquela sempre que a maioria não fosse favorável ao Governo; ou com menosprezo pelas oposições quando houvesse sintonia entre maioria e Governo; b) “chicana política” à volta da eleição parlamentar para a Presidência (também do Estado) e do desempenho desta função; c) acusações (interesseiras) de “ilegitimidade democrática” quando da aprovação do orçamento e de certas leis principais sem a maioria aritmética dos 50%+1; d) pressão dos partidos actuais, dos “grupos de opinião” e das “forças vivas” regionais para disporem de parlamentos e executivos eleitos directamente, com maior autonomia financeira, à semelhança do que acontece hoje nas Regiões Autónomas; e) incompreensão da natureza do papel moderador desta espécie de senado não-eleito.
Os interessados por uma solução política deste tipo têm uma missão óbvia a realizar: corrigi-la, completá-la, arranjar antídotos para os seus “pontos fracos” e pô-la em execução.

JF / 28.Jan.2016

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Imaginemos um pouco o que poderá ser o ano de 2035

Os nossos netos serão adultos, haverá transporte público pesado até Loures e o aeroporto estará em Alcochete. Por seu lado, funcionará rotineiramente o comboio TGV para Madrid e a Europa… mas não para o Porto, por desentendimentos internos e por um governo de Lisboa ter acabado por substituir os velhos comboios Corail e os Pendolino por tecnologia chinesa.
A indústria aero-espacial continuou a estar “na ponta” do progresso técnico (e na posse de apenas meia-dúzia de grandes potências mundiais) mas as bio-tecnologias mantiveram o seu imparável desenvolvimento, com grandes impactos na vida social e acesos debates nos planos filosófico, ético e religioso. 
Um novo salto tecnológico chegou com a invenção de “baterias sem peso” que permitiram a utilização de motores eléctricos em grande número de novas aplicações, incluindo os veículos automóveis, mas necessitando de um aumento considerável da capacidade de produção eléctrica instalada, o que só foi possível com um retorno em força à energia nuclear, com dispositivos de segurança melhorados.
A IPIS (International Police for Informatic Security) continua a recrutar agentes em todo o mundo e avançou a proposta de criação de uma instância judicial supra-nacional para julgar este tipo de crimes.
Em Portugal operou-se finalmente uma profunda reforma constitucional, de cariz presidencialista, o que levou certos analistas a falarem numa “4ª República”, e o PCP ainda conseguiu eleger 2 deputados nas últimas “legislativas”. Enquanto isto, recorda-se o tempo em que uma tal Hillary Clinton foi a primeira mulher eleita para a Casa Branca e a França teve o seu primeiro presidente negro retinto. Grande novidade, com poucas consequências foi a queda da monarquia inglesa, mais por falta de intérpretes com qualidade do que por convicções republicanas: o speaker da Câmara dos Comuns faz agora esse papel protocolar e a visita ao palácio de Bukingham figura em todos os roteiros turísticos.
Prenhe de consequências foi contudo a perturbação que percorreu a Espanha quando se declararam independências unilaterais de algumas das suas nacionalidades, acabando porém por a situação se estabilizar sob uma híbrida fórmula federal, com a qual Portugal tem conseguido manter boas relações e sempre intensas trocas económicas.
Já Angola entrou em nova fase de crise e desagregação, agora pela chegada de influências políticas islamitas radicais que nunca tinham aproximado o território mas que foram ultimamente progredindo para sul desde a África central e a bacia do Níger.
E a China viveu igualmente uma fase de grande convulsão, que afectou a economia mundial, mas que acabou por permitir o reconhecimento no país do pluripartidarismo e das liberdades civis, mas com o pragmático e “confucionista” partido comunista (com este ou outro nome) a deter sempre as rédeas do poder, embora cedendo quanto a ambições territoriais na sua periferia e tendo sido obrigado a reconhecer e aplicar normas internacionais de protecção climática e ambiental.
Também as regras internacionais da OIT e da OMC acabaram por fundir-se entre si, daqui resultando o que alguns chamaram o “toque de finados do direito do trabalho” mas também novas exigências quando à qualidade da produção de bens, combatendo a espionagem industrial e o dumping social. Como “mínimos” universais, as grandes potências e a ONU acabaram por adoptar, depois de farta discussão, uma “tábua de garantias” contra a exploração económica e a exclusão social, e protegendo a diversidade cultural. O que se mantém em aceso debate nestes areópagos é a forma de tornar eficazes estes novos princípios.   
Finalmente, a União Europeia conseguiu superar as suas crises, concentrou as suas instituições políticas em Bruxelas (ficando Estrasburgo como “sede cultural”) e adoptou um figurino de “confederação de estados” com um governo saído do parlamento europeu. O “sonho europeu” recuou em certos aspectos (com Portugal, por exemplo, a conseguir tirar melhor proveito negocial e estratégico da sua “área atlântica”), mas preservaram-se algumas políticas comuns e as liberdades de circulação interna, unificando-se todas as representações diplomáticas exteriores e existindo agora uma segurança-e-defesa mais integrada. Mantém, com dificuldade, o estatuto de grande potência (sempre com problemas de identidades sócio-culturais muito diversas no seu seio), a par dos Estados Unidos, da China, da Rússia, da Índia, da África-do-Sul e do Brasil – os “sete mais” da época –, o que fornece aos portugueses o motivo de orgulho de terem “um lusófono” colocado em tal galeria. O perigo do radicalismo islâmico foi esconjurado, mas a influência cultural desta grande mancha civilizacional mantém-se e talvez esteja em crescimento, o que constitui tema central das discussões internacionais, nomeadamente nas Nações Unidas, cuja reforma mais profunda continua à espera de melhores dias.
JF / 30.Dez.2015

domingo, 20 de dezembro de 2015

A Ibéria numa encruzilhada, a Europa numa embrulhada

Teresa de Sousa procura muitas vezes enfatizar o défice de liderança que tem afectado os últimos anos da União Europeia para explicar as suas dificuldades. Temo que, por vezes, a analista exagere a importância deste factor, embora ele não seja despiciendo. Mas, tal como Jorge Almeida Fernandes e muitos outros celebraram a reconversão realista do primeiro ministro grego Tsipras, também aquela é das que têm chamado a atenção para a evolução positiva do pensamento da Srª. Merkel em matéria de política externa (Público, de 2.Nov.2015).
A hipótese de integração da Turquia na EU já levantava fundadas dúvidas: estávamos a integrar nos padrões de liberdade e democracia ocidentais um país-charneira (antigo império que chegou a dominar por séculos uma boa terça-parte do continente europeu), crucial para influenciar positivamente todo o Médio-Oriente? Ou estaríamos a abrir a porta a uma doce subversão dos nossos valores por via de uma bomba demográfica irreprimível, face a uma sócio-cultura identitariamente bem diferenciada, para mais quando o estado turco é desde há anos dirigido por um partido islâmico que, embora moderado e até agora respeitador do pluralismo político interno, não hesita em empregar a “maneira dura” para com a sua minoria curda e outros opositores? É provável que a pertença à NATO (ditada por evidentes razões geoestratégicas, face à URSS) tenha inibido durante décadas este país de se lançar em aventuras na região (salvo um pontual desentendimento militar com os gregos) e, com a sua estabilidade, não ter lançado alguma acha adicional na fogueira árabo-israelita-ocidental. Mas o tempo da Turquia militarizada e não-confessional dirigida pelos herdeiros de Ataturk já lá vai e dela só sobrou a sua potente força bélica, enquanto a sociedade se tornava mais dividida, em particular entre as camadas laicas-urbanas aspirando ao clima de liberdade do Ocidente (como os promotores das “primaveras árabes”) e as imensas massas de povo sequiosas de alguma segurança e mais consumo, mas tradicionais nos seus modos de vida (civil e religiosa), e por isso susceptíveis de serem arrastadas por grupos políticos radicais para projectos pouco consentâneos com os que vigoram no espaço europeu.   
A União Europeia adiou sine diae essa possibilidade. Mas agora defronta-se com o facto iniludível de a Turquia ser o principal guarda-fronteira da entrada na Europa de centenas de milhar de refugiados e migrantes islâmicos (exigindo um preço por este serviço) ou, à boca pequena, de lhes indicar as rotas da Grécia e dos Balcãs para a miragem da Europa rica e que “pode pagar”. As eleições gerais de 1 de Novembro permitiram a Erdogan recuperar a maioria absoluta no parlamento mas não evitaram a permanência ali de uma representação da minoria curda, enquanto no terreno o Curdistão turco (e a bordadura adjacente sírio-iraquiana) voltou a ser palco de confrontos militares entre o exército e os guerrilheiros independentistas (do PKK ou outros), mesmo ao lado da frente de guerra muito complexa que se trava no espaço ocupado pelo Daesh (o chamado “Estado Islâmico do Iraque e do Levante”), abrangendo grande parte da Síria e o noroeste do Iraque.
A Rússia de Putin, que parece jogar forte na sua fronteira sudoeste, tem vindo a acusar Ankara de complacência ou mesmo de cumplicidade com estes facínoras sunitas pelo combate que fazem aos curdos (sempre a bête noire do poder turco) sobretudo porque não quer perder o ponto-de-apoio aeronaval que os Assad lhes permitiram ter directamente no Mediterrâneo, além de recear a efectiva constituição de um estado islâmico radical em toda esta região que talvez viesse a encurralar o Irão xiita (por via de uns talibãs triunfantes no Afeganistão e de uma queda do Paquistão em maior caos) contando com o apoio dos países produtores de petróleo da Arábia e do Golfo e o incentivo espiritual do seu wahhabismo. E neste tabuleiro instável que, vistas as lições do passado recente, os Estados Unidos do presidente Obama mostram cada vez menos vontade em empenhar peças fortes (sempre caras, financeiramente e em termos de opinião pública interna), sem deixarem de acautelar os seus interesses energéticos e de vigiar as ambições e avanços efectivos das maiores potências da região, incluindo naturalmente a Rússia.
Depois da sabotagem do avião de turistas vindo de Sharm-El-Sheik, dos atentados terroristas em Paris de 13 de Novembro e da tomada de reféns de Bamako, a França, a União Europeia, os Estados Unidos e a Rússia terão decidido elevar o nível do seu combate a estes radicais islâmicos e melhorar a coordenação das respectivas acções, não pondo em causa a perspectiva de acolhimento das centenas de milhar de pessoas que estão afluindo à Europa, entre refugiados de situações de guerra aberta e emigrantes de zonas paupérrimas ou instáveis de África e do Médio-Oriente. Mas é uma coligação frágil, dados os interesses contraditórios existentes no seu seio.
Estes dois fenómenos constituem, juntamente com o estado da economia financeira mundial, as questões mais graves e desafiantes do nosso futuro imediato e a médio prazo – enquanto no longo-prazo se mantêm indecisos os problemas climáticos e ambientais, o controlo das situações conflituais internacionais e a necessidade de um mais rápido e justo desenvolvimento para a metade mais pobre das populações do planeta, concentrada na América Latina, na Ásia e em África.
Para o nosso velho continente (e ao contrário do que alguns defendem), não se trata de fazer escolhas dicotómicas entre a “fortaleza Europa” e a “solidariedade”; ou entre “a austeridade” e “os países do Sul”. Vai ser preciso fazer ambas as coisas: incrementar a segurança (externa e interna) e, simultaneamente, reforçar o bom acolhimento dos forasteiros, aceitando a diversidade mas impondo a integração; controlar melhor os equilíbrios económicos, a despesa e o crédito e, ao mesmo tempo, unificar certas políticas em todo o espaço da UE – mas assegurando mecanismos de informação pública e de legitimação e escolha democrática para as grandes opções de política internacional e para a sua mais eficiente aplicação prática. Por exemplo: um “imposto europeu” pago directamente pelos cidadãos e empresas para alimentar um orçamento comunitário com algum significado económico; um intelligence e uma força militar conjunta permanente; alguma unificação de sanções penais; e maiores poderes para a Comissão Europeia, responsável pelo “governo da União” perante o Parlamento e o Conselho (europeus), deixando a este último órgão um papel mais parecido com o de uma “câmara alta” ou, melhor, de um “conselho de nações”. Mas como será isto possível com opiniões públicas desorientadas e lideranças políticas nacionais divididas e cada vez mais desafiadas por forças extremistas de direita?   
Concordo com Clara Ferreira Alves quando diz que o mundo mudou com o 11 de Setembro de 2001(suplemento ao Público, 11.Dez.2015). Apesar de, por vezes, me irritar a petulância e ligeireza com aborda oralmente certos assuntos, louvo-lhe a coragem de uma afirmação deste tipo, sem cair em outros alinhamentos automáticos de “recuo” ou fuga-para-diante. Confesso que só li superficialmente O Choque de Civilizações de Huntington mas parece-me que alguns comentadores ainda o leram menos e, apesar disso, o recusam porque… “cai bem” dizê-lo. Pela minha parte, acho que muito há ainda a fazer no que toca à cidadania e ao controlo social de certos poderes (novos ou herdados do passado); que a noção de Ocidente ganhou nova pertinência no século XXI; que a abertura ao mundo e à diferença é uma das suas marcas distintivas; que esse património cultural ocidental deve ser defendido de maneira adequada; e, por fim, que a construção de uma Europa-de-nações é um projecto pioneiro e interessante que justifica redobrados esforços para seguir adiante e não soçobrar perante as dificuldades actuais.      
Os esquemas de representação mental a que estávamos habituados na análise dos conflitos e relações internacionais (do género “simetria” ou “assimetria”, “mundial, regional ou local”, “segurança versus defesa”, etc.) encontram-se hoje baralhados pela diversidade de agentes, motivações e objectivos perseguidos, e pela compressão do tempo e do espaço – podendo este último ser simultânea ou conjugadamente “pontual” e ubíquo. Por isso, perderam eficácia compreensiva (e ainda menos explicativa) categorias como imperialismo (na versão mais recente de um Negri) e outras imbuídas de marxismo, ou ainda a polémica noção de “fim da história”.
Em todo o caso, para pessoas com a nossa memória histórica, causa impressão ver soldados de camuflado e béret rouge armados patrulhando as ruas de Paris, como se fosse a Argel das bombas em 1957 sob as ordens do general Massu. Afinal, para que mundo estamos nós a encaminhar-nos?
O Egipto só travou (por agora) o avanço do islamismo radical com o regresso em força do exército ao poder, cujo armamento e benesses são pagos pelos americanos. Virá o Ocidente a fazer o mesmo com a Turquia (para o que parece ser já tarde demais)?

O acordo climático agora obtido em Paris dá-nos alguma esperança de que um novo caminho possa ser trilhado ao longo das próximas décadas nos modelos de exploração energética, de produção industrial, de concentração urbana, de veículos de transporte e de consumo social. Mas será um processo difícil, cheio de contradições, em que uma consciência mundialista e de longo prazo (mas com sentido prático e sem fundamentalismos) terá de ser capaz de vencer inúmeras etapas e conjunturas conflituais. Em todo o caso, saudemos a unanimidade agora alcançada que, mesmo com as ambiguidades que encerra, constituirá a melhor forma de pressão contra os desvios e justificações de incumprimento, que não hão-de faltar. Em especial, esperemos de sejam travadas as tentativas de “mercantilização das poluições”, em que se vende aos países mais pobres os “dejectos” da nossa civilização material, bem como as tecnologias depredadoras do ambiente que as regulamentações protectoras já não consentem nos países ricos. Mas, além das transferências em investimentos e ajudas às zonas mais carenciadas do planeta, vai ser necessário despender muito dinheiro em investigação e desenvolvimento (em vez de consumo) para lograr essa desejável mudança de paradigma económico. E que os “capitais à solta” não baralhem tais esforços nem governantes corruptos e irresponsáveis se permitam aventuras com trágicos desfechos.

Espanha, 20 de Dezembro. Como se vinha anunciando, os “partidos do sistema” resistiram ao assalto dos “alternativos” e o voto regional/nacional de catalães e bascos nada trouxe de novo. Mas o xadrez parlamentar ficou muito alterado, sendo agora múltiplas as combinações e arranjos para encontrar uma solução mínima de governabilidade. É provável que o Podemos!, liderado por um esquerdismo parecido com o Siriza ou o nosso BE, fique por agora arredado do poder – a não ser que o exemplo português consiga suscitar em Madrid uma milagrosa união de esquerda. Mas o Ciudadanos, com postura mais centrista e desideologizada, pode também – tal como já aconteceu no passado (e talvez se repita) com as representações bascas e catalães – determinar muito os futuros governos. Simplesmente, cada um destes actores políticos visa objectivos de médio-prazo de natureza muito diversa: acossados, PP e PSOE tentam guardar a sua influência na sociedade, na opinião pública e nas instâncias descentralizadas do Estado; os nacionalistas querem avançar no processo autonómico ou mesmo alcançar a independência política; os “esquerdistas” querem o que sempre quis o radicalismo socialista (aguilhoar a luta-de-classes e alargar o Estado social); e só do Ciudadanos se pode esperar alguma novidade (incluindo o seu rápido esgotamento, por falta de suporte doutrinário). Como não há hoje indícios de disposição para acções violentas (as da ETA terão bastado), tudo deve jogar-se no campo da manobra política parlamentar e comunicativa, e talvez também das grandes manifestações de rua – pelo que o terreno constitucional (e o papel do rei: uma grande incógnita) poderá vir a constituir um espaço de afrontamento muito focado e crucial.
Nestas condições, dificilmente a Espanha exercerá no tabuleiro europeu uma acção de primeira grandeza (a não ser pela negativa). Por isto, o binómio franco-alemão terá, não só de fazer face, sozinho, à coorte dos “países periféricos” (cada um puxando para seu lado), como terá fundamentalmente de negociar com o Reino Unido a permanência deste na UE. Um grande e desafiante “bico de obra”! 
Por último, em Portugal as perspectivas eleitorais para escolher o novo inquilino de Belém parecem já “jogos feitos”. Depois de um contabilista, teremos provavelmente um florentino a reger esta orquestra mal afinada do sistema político português. Oxalá desta vez sem “banhadas” e não obstaculizando as mudanças que serão cada vez mais indispensáveis. 
Tudo isto está ligado, embora seja conveniente conhecer minimamente cada um destes processos de per si para se ter um entendimento mais aproximado e menos fantasioso do que vai determinando a vida das sociedades e, em alguma medida, as nossas próprias vidas.
JF / 20.Dez.2015

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Avanços e controvérsias culturais


Apesar de todos os defeitos e deficiências que se possam apontar ao nosso viver actual, é talvez na esfera da cultura que melhor se podem constatar os progressos feitos pelas sociedades modernas ocidentais – sem falar, é claro, do aumento do rendimento económico e da disponibilidade de bens e serviços para a maioria da população.
Desde logo, a maior escolarização induz, se não hábitos, pelo menos possibilidades de leitura e de ajuizamento próprio entre variáveis, que são ingredientes básicos do conhecimento e do apuramento de sensibilidades menos evidentes.
Em segundo lugar, em cerca de um século, criaram-se poderosas máquinas de difusão estética e cultural aptas a estimular nas classes médias e populares uns padrões determinados de públicos adeptos, bem diversificados entre si, mas acedendo pela primeira vez em massa a certas fruições. Um exemplo: se a música tinha no campesinato uma tradição secular, baseada no trabalho e em vivências comunitárias, as músicas urbanas suplantaram e destruíram tal cultura, pela via de identidades bairristas, primeiro, e maciça difusão sonora pela rádio e indústria discográfica, depois, e finalmente pela televisão e outros meios mais recentes de registo e reprodução áudio. Mas alargaram porém enormemente o universo dos ouvintes apreciadores e também o número e a variedade dos artistas e dos géneros musicais, passando a haver canções que se internacionalizaram e foram cantaroladas por gente de muitos e diversos países.
Neste sentido, um salto maior foi dado nos anos de 1950-60 quando chegou a moda do rock e da pop, e das “bandas” de quatro ou cinco executantes, que se agitavam em gestos frenéticos. Não por acaso, estamos a citar palavras inglesas sincopadas que, respectivamente, fazem referência à “pedra rolada” (e aos instintos mais genuínos dos homens-das-cavernas) e a uma música “popular”, que quereria significar “urbana” e “não-erudita”. Isto é: estávamos perante a irrupção de uma expressão de cultura juvenil (necessariamente irreverente) e de gente habitando os subúrbios das cidades, que queria justamente demarcar-se dos núcleos onde se concentravam os poderes (político, financeiro e de gosto requintado). Como essa era a situação comum em quase todos os países do mundo já medianamente desenvolvidos, gerou-se um fenómeno de contágio e identificação semelhante àquele que, um século antes, tinha querido apelar a “proletários de todos os países, uni-vos!”, agora transformado em: “jovens de todas as condições, gozemos!”. E foi por isso que o eco chegou, com poucas décadas de atraso e com as naturais adaptações e sincretismos locais, mesmo aos países do “terceiro mundo”, tornando o fenómeno verdadeiramente universal, numa comunhão emocional que nenhuma religião houvera conseguido ao longo da história.
No caso português, é um facto que o período de liberdade e democracia que vivemos desde os anos 70 permitiu um enorme desenvolvimento de toda a sorte de música popular, sem qualquer medida comum com o “pirosismo nacional” das décadas anteriores. Têm emergido compositores, poetas e intérpretes, vocais e instrumentais, de enorme qualidade, configurando uma “música pop portuguesa”, estreitando laços com o passado mais longínquo ou com os ritmos africanos, ensaiando novos arranjos e sonoridades e até resgatando o fado dos piores vícios em que estava metido.
A música dita clássica ou a ópera também alargaram as fronteiras dos seus públicos (eruditos ou elitistas), mas sempre em clara perda relativamente à supracitada música popular urbana, e ainda que o tivessem feito com recurso a formas musicais híbridas e de transição como a opereta, o “musical” ou a ópera-rock e embrenhando-se na transgressão cénica das convenções tradicionais (transfigurando os cenários e o guarda-roupa, banalizando a indumentária dos músicos, transportando-se para novos espaços, permitindo as transmissões televisíveis, etc.).
O teatro, que teve épocas de glória entre meados do século XIX e meados do século XX, estagnou depois e entrou em declínio perante as novas formas de arte de massas, refugiando-se no intimismo e no experimentalismo das interacções humanas, tão do agrado de certas minorias vanguardistas e de psicólogos (que, como os padres-confessores, gostam de nos espreitar a alma), mas alienando os grandes públicos urbanos (de classe média e populares) que haviam feito o seu sucesso.
Há raríssimas excepções, mas os artistas sofrem em geral do mal de um ego incontrolado. Entre os escritores, ainda podemos encontrar gente como os poetas António Ramos Rosa ou Herberto Helder, completamente avessos à publicidade pessoal. E há decerto bons criadores cujos textos nunca saíram da sua gaveta e por isso nunca chegaram a ser obras – para já não lembrar o inacreditável caso de Fernando Pessoa, que escreveu o que escreveu… “para o baú”. Este será talvez o mais extraordinário exemplo do anti-artista.  
Mas nunca como no nosso tempo estes criadores foram tão explorados publicitária e mediaticamente, através da idealização da sua “imagem”. O star system, que se iniciou na América do cinema, estendeu-se rapidamente à canção, ao espectáculo desportivo, aos “modelos” (vestimentários), aos artistas plásticos, aos entertainers, mesmo aos escritores, etc., e nele ocupam os políticos também um lugar indispensável. Todos devem hoje ser considerados como integrando, em alguma medida, o chamado show buzz. 
Se a função de exemplo e imitação mostra eficácia na multiplicação da descoberta de talentos que de outra forma permaneceriam apenas potenciais, também se torna por vezes insuportável o endeusamento que actualmente é feito, insistentemente, de muitas destas personalidades. Decerto que elas revelam capacidades fora do comum para terem atingido tal estatuto, mas essa focagem dos holofotes da fama obscurece o esforço persistente que o ajudou a construir (esse, sim, digno de ser louvado), e também quase sempre o trabalho colectivo (das equipas de apoio à produção e responsáveis pela “promoção”) que permitiu a emergência da obra.
Naturalmente, aos artistas assim projectados no imaginário de milhões de fans (que é, não o esqueçamos, a abreviatura inglesa de fanáticos), cai maravilhosamente bem este engrandecimento do seu ego (quando têm estrutura psicológica para tal, quando não quebram como o Fernando Mamede, ou acabam como a Cândida Branca Flor ou a Maryleen Monroe). E são então chamados, com o microfone à frente a boca, a pronunciarem-se sobre qualquer coisa, desde o que dominam mas é irrelevante até ao que desconhecem em absoluto. Mas quando o exagero ultrapassa certos limites, apetece dizer: “Óh homem (ou senhora), cante! (ou pinte!, ou faça o que sabe fazer excelentemente). Mas, por favor, poupe-nos às suas opiniões...”
No século XX, a liberdade e as novas tecnologias permitiram a criação e o desenvolvimento exponencial de novas formas de arte e cultura. De certo modo, a fotografia veio concorrenciar a pintura, e a escultura teve que se desdobrar em novos objectos, multiformes e de “perenidade variável” que vão hoje desde as “instalações”, ao uso de materiais pobres ou à própria arquitectura (enquanto grande esforço de “esculpir no tecido urbano”). Mas o cinema foi sem dúvida a arte que mais revolucionou o panorama cultural audiovisual contemporâneo, com os seus “sub-produtos” que foram as “séries” e as novelas televisíveis. Como em tudo o resto (mas com efeitos sociais multiplicados), existem em todos estes campos artísticos e de produção cultural obras-primas geniais, sucessos-de-bilheteira, ensaios arrojados (incompreendidos no seu tempo) e fancaria sem qualidade, só para exemplificar o mau-gosto ou servir projectos inconfessáveis. A educação dos públicos é então um factor importante para se perceberem melhor estas destrinças.  
Com a literatura, estamos, apesar de tudo, num outro patamar. A invenção técnica da imprensa, a difusão moderna do jornal e do livro, a escolarização e a burocratização das administrações públicas constituíram passos decisivos a nossa actual civilização do escrito, onde a criação literária ficcionista e mesmo a poesia puderam medrar, suscitar autores e alargados públicos leitores amadores de arte. É este “império da escrita” que talvez se encontre hoje ameaçado perante a concorrência avassaladora do audiovisual. A beleza da linguagem escrita – mesmo considerando apenas os nossos melhores escritores e poetas modernos –, para depois ser lida pausadamente e com ponderação, transmite ao leitor momentos de fruição inigualável, algures entre o sentimento e a imaginação. Até na discursiva parlamentar havia elegância quando, com voz apropriada, alguém exclamava, virado para a bancada oposta: “Vossa Excelência é uma refinadíssima besta!”. Mas esse tempo parece ter acabado.
A aventura humana irá continuar, mesmo porventura para além da “era do papel”. Mas como não podemos imaginar como será – e não há qualquer garantia que seja melhor – cumpre-nos a nós, supostos prosélitos da criação e da descoberta, o ingrato papel de velhos do Restelo, chamando a atenção para o que de maravilhoso e excelente tem sido produzido nestes últimos séculos no domínio da cultura e que pode jamais se repetir.
A erudição é uma qualidade pessoal excepcional que só alguns alcançam. Quando esse saber não fica fechado apenas entre pares e é difundido sem discriminações a quem é capaz de o acompanhar – como é, por exemplo, o caso dos artigos na imprensa que António Valdemar nos vai oferecendo, sobre acontecimentos ou personalidades da história e da cultura –, então somos todos nós, simples mortais, que ascendemos momentaneamente a patamares mais altos, lastimando embora que não possamos ser acompanhados pela maioria. Mas não há dúvida que o “progresso” existe, no sentido em que os horizontes culturais do grosso da população se tem vindo sempre a alargar, com a alfabetização, primeiro, a escolarização, depois, e na nossa contemporaneidade com a espantosa difusão dos meios audiovisuais, embora aqui de maneira mais complexa ou contraditória.
JF / 10.Dez.2015

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Acerca da situação política

“Bagdad em Paris!” – era a sensação que podia viver-se naquela noite de sexta-feira 13 de Novembro dos inacreditáveis atentados terroristas perpetrados pelos fanáticos do islamismo político. Até há algumas décadas atrás, havia as guerras que se passavam nas “frentes” e a vida que continuava a viver-se nas “retaguardas”, com os seus conflitos, roubos, amores e desamores, mais os aplausos ou os apupos dirigidos aos combatentes ou aos seus mandantes. Hoje, essa distância espacial e psicológica desapareceu. A guerra, agora intermitente, é “aqui”, quando as vítimas e os estragos podem ser nossos, e todos podem seguir “em directo” a representação animada, com escassa montagem, de várias carnificinas.
Além destes factos horríveis, a situação político-social na Europa, em geral,  vai muito complicada, mas disso nos ocuparemos em breve.
Agora, sobre Portugal: mais uma vez me enganei nas previsões políticas que ousei fazer no dia seguinte às eleições de 4 de Outubro. Manifestamente, a minha racionalidade não é a mesma dos actores partidários. O PS e António Costa conseguiram, numa cambalhota difícil de prever para um observador de-fora-do-sistema, “unir a esquerda”, ainda que este governo fique, de certa maneira, a prazo, à espera de uma crise interna ou de um abanão vindo do exterior; que não da nova oposição parlamentar, que vai ficar numa espera atenta, que até pode passar por um processo de integração do CDS e do PSD se a tanto levarem as ambições pessoais das suas lideranças. Há medidas socialmente interessantes neste programa de esquerda mas o risco é grande de que acabe por deixar o país financeiramente mais encravado e politicamente numa situação ainda mais difícil ou bloqueada, favorecendo uma próxima nova maioria absoluta do centro-direita, sobretudo se o Presidente da República der uma ajudinha.
Mas não há dúvida que tal reviravolta foi uma novidade em quatro décadas de vida partidária democrática. A prazo, poderá vir a ter o efeito útil de amarrar o velho abencerragem comunista e o “esquerdismo organizado” às responsabilidades políticas de uma governação nacional e, por essa via, introduzir mais alguma racionalidade nos seus comportamentos. Porém, simultaneamente, é o papel tribunício destes partidos-de-protesto que começará a ser posto em causa e, assim, a abrir a porta ao aparecimento de novos pólos de atracção para os seus partidários e simpatizantes, seja à esquerda ou à direita, com idênticas características de seguidismo comunitário e afirmação vindicativa. É lícito pensar que, por exemplo, o forte PC francês (parecido com o nosso em muitos aspectos) começou a sua débacle após a experiência governativa do Programa Comum gizado por Mitterrand: a sua força eleitoral eclipsou-se e em boa parte foi inchar o outro nacionalismo disponível: o da extrema-direita. Por isso mesmo se viram agora todas as reticências a um tal comprometimento com as políticas estatais por parte do partido ainda liderado por Jerónimo de Sousa (e os “p’tanto’ das suas bengalas de expressão oral) mas já animado por gente de outra geração embora com a mesma vinculação mental aos procedimentos férreos do “centralismo democrático”. E se o Bloco de Esquerda (a quem alguns profetizavam uma inevitável re-grupusculização mas que inaugurou a moda de começar a falar para “as pessoas” criando assim uma nova categoria política) – se o Bloco, dizíamos, continuar a crescer, enfraquecendo o PC e a ala esquerda do PS, será sob a forma de um neo-populismo canhoto onde, com bandeiras vermelhas e punhos brandidos, se acolhem os militantes de todos os vanguardismos sociais e culturais, os meros protestantes de sempre e os desiludidos de muitas crenças ou expectativas, em clima de depressão económica.
É certo que a manobra política de António Costa revelou coragem, assunção do risco e inteligência táctica, sendo certamente um exercício interessante de observar, se se tratasse apenas de uma experimentação de laboratório “ao vivo”. Mas acontece que é sobretudo o destino a médio prazo de uma comunidade nacional que está em jogo, o que dificilmente autoriza que ele se decida sem a assunção de todas as pesadas responsabilidade que isso acarreta. No caso do dr. António Costa, que acabara de registar um claro insucesso eleitoral e sentia já “a corda no pescoço” face aos seus partidários e eleitores, ser-lhe-ia sempre difícil convencer muita gente de que esta “saída” não era sobretudo ditada por um instinto de sobrevivência. Agora, fica obrigado a “ter sucesso”.
Esta governação de esquerda durará talvez meses, talvez anos, mas (se lá chegar) deverá viver a sua situação mais crítica entre o ano 1 e o ano 2 do seu mandato, quando os efeitos económicos da nova linha política começarem a fazer-se sentir em toda a sua extensão e ainda não for o caso de tentar planear eleitoralmente um final de legislatura satisfatório para todas as partes envolvidas (o que será sempre dificílimo porque concorrem todos sem piedade na mesma área eleitoral, e o PS em duas).  Além disso, se houver então um Presidente do centro-direita, o governo de esquerda terá de contar aí com um opositor inteligente e mefistofélico.  
Quando se concluir um dia este processo, os juízos avaliativos da actuação do líder Costa poderão variar entre a “genial” manobra para finalmente encalacrar os partidos à sua esquerda, culpando-os (sobretudo ao PC) por esta operação abortada ou interrompida e travando o esvaziamento do eleitorado do PS mais sensível ao discurso “unionista”, e a crítica de que aquilo que mais aproximou a esquerda nesta conjuntura foi o rancor à direita e às medidas de necessidade por ela implementadas, sendo que, neste caso, se poderá dizer que a decisão ideológica e estratégica do PS agora tomada deveria ter exigido sempre (politicamente) uma decisão tomada em congresso, e não sob a forma de negociações secretas de que ouvimos falar durante um mês – aliás em evidente contraste com a “transparência” e a “participação aberta” dos procedimentos que tinham sido postos em marcha aquando da ofensiva de 2014 de “costistas” contra “seguristas”. Como tal não foi feito, ou já o será tarde demais, o risco é, uma vez mais mas talvez mais do que nunca, o fraccionamento do PS.    
Mesmo entre as pessoas-que-pensam na área do centro-esquerda, as divisões e desconfianças perante este caminho seguido pela direcção do PS manifestaram-se publicamente: lembre-se as claras tomadas de posição contrária de António Barreto (em entrevista à RTP-Informação a 21.Out.2015), Francisco Assis (Público, 22.Out.) ou Miguel Sousa Tavares (em várias intervenções, incluindo no Expresso de 24.Out.), contrastando com as diferenças de tom, mas sempre apoiante, percebidas nos artigos de Maria de Lurdes Rodrigues e Paulo Trigo Pereira (saídos no Público, respectivamente a 17 e 19 do mesmo mês). Falta-nos saber o que terá andado a segredar aos seus amigos o dr. Mário Soares.
Porém, aquilo a que até agora, e mais uma vez, assistimos não foi bonito nem edificante. Todas as jogadas negociais e sucessivas declarações públicas dos diversos actores (mais as respectivas explorações editoriais) mostraram também a pior faceta do negocismo político, sempre a jogar em vários tabuleiros simultaneamente e a tentar seduzir hoje um, para o pressionar amanhã, a esconder aqui o que se revela acolá. Enfim, a mostrar competências aprendidas em Maquiavel (com excepção do assassinato físico) na sua luta sem quartel pela ocupação do poder de Estado. Estamos num jogo em que só há adversários e antagonismo, as colaborações ou alianças são apenas temporárias, a lealdade é inexistente e os perdedores totais (a população) estão fora deste tabuleiro. Esta apreciação aplica-se à coligação PSD-CDS e aos outros partidos mas, pela especificidade da situação criada, foi a direcção do PS que mais se evidenciou no à-vontade com que se exibiu neste domínio. Por onde andou o “superior interesse nacional” reclamado pelo Presidente Cavaco Silva? 
Agora, veremos o que vai passar-se. O acordo de esquerda sobre o programa de governo do PS cingiu-se essencialmente à matéria económica e a alguns actos simbólicos muito celebrados pela “nova esquerda” ou garantidores do poder do PC em algumas áreas específicas. Contempla certas medidas de indiscutível relevância social mas aposta sobretudo no aumento do rendimento disponível das classes médias e populares para alargar o mercado interno, baixar o desemprego e animar o crescimento. Veremos se essa animação não irá desequilibrar de novo a balança comercial, aumentar o endividamento e, sobretudo, se o acréscimo da despesa pública não vai acabar por furar o tecto de 3% para o défice orçamental sem que se tenha conseguido baixar de forma significativa o nível da dívida pública. Como é uma questão de crença e expectativa, acreditem os crentes e deixem os incrédulos apenas desejar que corra bem! Mas é muito duvidoso que, politicamente, Costa consiga fazer sobreviver um governo com este programa deixando os seus parceiros de mãos livres para fazerem todo o chinfrim que lhes aprouver.
Além disto, os constrangimentos externos e estruturais da economia e da sociedade portuguesas são muito fortes e baralham as etiquetagens políticas tradicionais. Quem é “liberal” nos dias de hoje? A coligação de direita que governou nos últimos quatro anos privatizando certas actividades públicas, mas que realizou um “brutal aumento de impostos”? Ou a política de ciência do tempo dos governos PS apostando que a concorrência geraria a capacidade de crescimento dos melhores centros de investigação, em vez de seleccionar os sectores mais capazes de modernizar da economia? Um George Orwell deveria saber encontrar novas fórmulas de entendimento destes desajustamentos conceptuais!
A “crispação” esquerda-direita parece de facto estar a transmitir-se dos topos da política mediática para as bases militantes e uma parte dos eleitorados. É uma situação desagradável, que faz lembrar o que se passou em Portugal no início de 1915 com pretextos no cumprimento, ou não, dos preceitos constitucionais, quando a envolvente internacional se tornava mais premente, e que acabou então numa sangrenta insurreição político-militar no mês de Maio seguinte, o das flores. Oxalá nunca mais voltem esses tempos! Mas, então como agora, o desempenho do Presidente da República deixou muito a desejar – por inabilidade, no primeiro caso; por incompetência e auto-suficiência mesquinha, no segundo – sendo lícito interrogarmo-nos sobre a bondade da actual arquitectura constitucional, também neste particular. 
Os actores partidários e comentadores estão sempre a interpretar os resultados eleitorais quando afirmam sem pestanejar que ganharam estes e perderam aqueles. De facto, só com a AD em 1980, o PSD em 1987 e 1991, e o PS em 2005, uma afirmação de vitória poderia ser admitida, perante as maiorias absolutas então alcançadas. Desta vez, só podemos constatar que foi a aliança PSD-CDS que obteve, não uma vitória, mas apenas o maior número de votos e de deputados; e os outros partidos, ainda menos. Se daqui decorre uma inextricável situação política donde não é consensual quem deve governar – com pesadíssimas consequências para todo o país –, dever-se-ia logicamente questionar de novo o tipo de regras constitucionais e legais que permitem e geram tais situações. E mudá-las de modo a que isso não possa voltar a acontecer. De quem é a responsabilidade de tal quadro legal, se não dos partidos que há quarenta anos ocupam todo o espaço do poder?
Acresce que estas dificuldades de entendimento parecem hoje ser menos determinadas por convicções ideológicas inconciliáveis do que sobretudo por dois tipos de lógicas, ambas internas ao sistema de partidos e excludentes de um maior interesse e participação dos cidadãos na vida pública: por um lado, a especialização e profissionalização das elites partidárias neste tipo de “saberes”, golpes e armadilhas; por outro lado, o apetite pelos lugares de poder, de onde alguns (muitos?) podem vislumbrar oportunidades de ganhos económicos pessoais, à boleia dos grandes contratos públicos, de decisões que afectem as muito grandes empresas ou de futura disponibilização (em privado) de conhecimentos adquiridos – seja em termos quase-imediatos ou a mais longo prazo, após a cessação dos respectivos mandatos (e não estamos a falar aqui necessariamente de corrupção ou de situações ilegais). Lembremo-nos de Valentim Loureiro, Carlos Melancia, Ângelo Correia, Cardoso e Cunha, Miguel Cadilhe, Joaquim Ferreira do Amaral, Álvaro Barreto, Fernando Nogueira, Mira Amaral, Oliveira Costa, Dias Loureiro, João Cravinho, Pina Moura, Murteira Nabo, Faria de Oliveira, Duarte Lima, Jorge Coelho, Fernando Gomes, Armando Vara, Luís Amado, Isaltino Morais, Nogueira Leite, Vítor Ramalho, Celeste Cardona, Nobre Guedes, Miguel Relvas, Marques Mendes, José Luís Arnaut, Luís Filipe Pereira, António Mexia, Bagão Félix, Mário Lino, Manuel Pinho, José Sócrates, Miguel Macedo – eis uma colecção de figuras da nossa plêiade governativa que, entre outras, correspondem a esta perigosa simbiose entre elites políticas e económico-financeiras, existindo provavelmente na opinião pública arreigadas desconfianças de que nem sempre todos tenham agido em prol do bem comum nacional.
Que diabo! Dada a situação periclitante do país, se este “bem comum” estivesse minimamente presente nas preocupações dos dirigentes, não seria possível um acordo entre as principais forças políticas, não para governar em coligação ou dar “carta branca” ao executivo, mas para se entenderem por espaço de duas legislaturas no que toca às grandes linhas da política externa, ao progressivo reequilíbrio das contas públicas, à sustentabilidade da segurança social e numa reforma do sistema político (que tão carecido está dela)? E que em matérias mais controversas ou divergentes (como o modo de relançar a economia e o emprego, melhorar a educação e a saúde pública, ajudar os mais desprotegidos ou apoiar a cultura) se pudesse beneficiar da abstenção do partido oposicionista, e não fazerem tudo ao contrário logo que chegam ao poder!? Com tantos outros temas onde os partidos poderiam contrapor-se, aplicando-se a posição maioritária e alterando-a logo que fosse possível… – seria isto pedir demasiado? 
Deste tipo de observações críticas dirigidas ao sistema político-partidário que temos, pode imaginar-se que estaríamos a justificar ou a “abrir a porta” a uma qualquer intervenção não-democrática (autoritária e liberticida) na esfera do poder político. Pelo contrário, é porque detestaríamos qualquer desenlace deste género que tomamos posição (ineficaz, porque sem qualquer eco na “opinião publicada”) em favor de alterações profundas do constitucionalismo em que vamos vivendo. Do que não temos grandes dúvidas é que, se existissem forças anímicas profundas – nas instituições armadas do Estado ou num movimento de cariz político fascizante –, o trânsito actual da 3ª República acabaria a prazo mais ou menos breve num golpe-de-Estado. Felizmente, não existem essas forças (graças à “vacina” do salazarismo) e a tão decantada União Europeia ainda é para nós um “cinto de segurança” contra tais aventuras. Mas, a médio prazo, não estamos imunes ao surgimento de um populismo-de-direita “justicialista” que, com fundadas acusações à degradação interna e às ameaças externas, tome medidas gravosas para o convívio pacífico e a liberdade dos cidadãos. É ver, como anúncio, o que se passa em países como a Hungria ou a Polónia, ainda marcados pelos regimes ditatoriais-de-partido a que estiveram sujeitos.  
Com a tendência imparável para a personificação e espectacularização mediática que atinge hoje a vida política (como a música, o cinema, o desporto, a cultura, etc.), torna-se ainda mais difícil para o cidadão comum entender, discutir e opinar sobre o presente e o futuro da sociedade a que pertence. Tudo o empurra para ser ferrenho do Passos ou do Costa, do Ronaldo ou do Messi, ser acérrimo defensor do Papa ou crítico do Obama. Enquanto este “pão e circo” entretém as massas, são centenas de milhares de estranhos que rumam à Europa em terríveis condições sem que os dirigentes desta se mostrem capazes de pôr em marcha uma resposta à altura das circunstâncias, tendo em conta a urgência, mas também acautelando o futuro. E não bastam, neste caso, os esforços da sociedade civil, que são todavia benfazejos e indispensáveis. Veja-se o caso da Amnistia Internacional (que me orgulho de ter ajudado a fundar em Portugal, e de cuja alteração de mandato discordei há duas décadas atrás), que foi quase a única entidade a mobilizar vontades em apoio aos presos de consciência em Angola.
A nossa condição de cidadãos portugueses e, com menor força, da União Europeia autoriza-nos – melhor diria, obriga-nos – a exigir a existência de mecanismos de controlo da representação política eficazes e ajustados ao nosso tempo, e dos representantes eleitos contas claras das decisões que tomam em nosso nome. É tudo isso que vai faltando bastante.
JF / 25.Nov.2015

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