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domingo, 29 de janeiro de 2017

Voltamos à política

Com o sr. Trump dono da Casa Branca, intensificaram-se as previsões e os cenários, quase todos marcados pela advertência de “elevada incerteza”. Entre o muito que vem sendo publicado chamou-me particularmente a atenção um texto divulgado no dia 23 de Janeiro na Internet por Miguel Mattos Chaves intitulado “O novo Presidente dos USA” (http://mattoschaves.blogspot.com). O autor (doutorado em estudos europeus e actual director d’O Diabo, um jornal com história singular que na altura do PREC foi dirigido pela aguerrida Vera Lagoa) considera que, analisando o seu Programa Político, «[…] e apesar de isso poder “prejudicar” a União Europeia, Donald Trump tem o meu respeito e apoio» e, «como Português», espera «que nos aproximemos novamente dos EUA e do Reino Unido», aproximação em que vê vantagens e pela qual «evitaremos ser dominados pela Alemanha [e] aliviaremos o domínio excessivo e esmagador da UE sobre o nosso país, que tenho vindo a denunciar».
Detalhando a sua apreciação sobre o referido programa, ele enfatiza a questão da segurança da fronteira sul e do controlo/expulsão dos imigrantes ilegais, a baixa de impostos e as novas obras públicas, o repatriamento de indústrias (como?), a revogação/reestruturação do Obamacare «que está a arruinar o orçamento dos EUA» (estará?), a redução das despesas com a NATO, o restabelecimento das negociações com a Rússia (aceitando a anexação da Crimeia e de parte da Ucrânia?), a anulação ou renegociação de vários tratados internacionais, a taxação dos produtos asiáticos em dumping e a nomeação de um novo juiz do Supremo com posições anti-aborto. Se fosse apenas um programa conservador, nenhum mal especial viria ao mundo (a não ser a exasperação de muitos “vanguardistas”). O pior é que se teme que, com a justificação de um maior equilíbrio no financiamento da NATO, exista, de facto, o desígnio de enfraquecer esta Aliança militar, “largar” a Europa (já tão desconjuntada) e estabelecer relações amistosas com a Rússia de Putin, para a afastar da China e concentrar nesta (e, por tabela, em outros países produtores emergentes) o essencial das pressões americanas de natureza económica, e também estratégico-militares – sem se perceber ainda bem como Washington irá lidar com o terrorismo internacional e o mundo islâmico. Isto seria um jogo de xadrez de alta política, se não se tratasse de uma personagem que não parece ter capacidades para mais do que para uma partida de poker
Pelo que escreve, Mattos Chaves compreende e defende o proteccionismo, o nacionalismo económico e político do novo presidente americano. Eu prevejo e aceito sem dificuldade que, em geral, o controlo das fronteiras deva ser aumentado nos próximos anos mas já apontei para este blogue, a sair em breve, que, com esta política americana, «[…] haveremos de ver se isso acabará por se traduzir numa globalização económico-financeira um pouco mais regulada ou, ao invés, se tais dinâmicas não desencadeiam uma guerra comercial entre as grandes potências de efeitos devastadores». Aquele autor diz esperar 1 a 2 anos para ver como se efectivará o programa de Trump. Talvez não seja necessário tanto tempo para constatar os seus efeitos na ordem internacional e nos assuntos domésticos. Eu aceito, naturalmente, que cada comunidade nacional (de história e de cultura) disponha das suas próprias instituições de representação e que elas velem pelo interesse geral dessa comunidade. Mas o nacionalismo é muito mais (e pior) do que isso: funda a identidade nacional na aversão (quando não no ódio) ao estrangeiro ou, mais particularmente, a uma nacionalidade rival.
O autor devia saber que o espírito nacionalista conduziu à maioria das guerras que ensanguentaram a Modernidade, as quais não foram genuinamente piores que as do passado, mas fizeram-no numa escala multiplicada. Julgo não estarmos com isso de volta (mesmo quando nos acenam com o “perigo alemão”). Mas uma “guerra económica” de proteccionismos e redução das trocas comerciais irá frenar brutalmente o crescimento económico mundial, com consequências de empobrecimento terríveis para muitos países, sobretudo os mais frágeis. Hoje, já não é possível falar estritamente em “políticas nacionais”. Tal como para os equilíbrios ambientais ou para a (in)segurança nuclear, a mundialização é um facto e todos os responsáveis (políticos, económicos, líderes espirituais ou pessoas de superior notoriedade cultural) têm de ter isso muito em conta. É certo que há fundamentalistas ecologistas e religiosos, de quem o bom senso já desconfia. Mas os políticos nacionalistas agressivos devem ser apontados como igualmente perigosos, ou provavelmente ainda mais. 
O autor carrega a sua crítica sobre os jornalistas, os comentadores encartados e os meios de comunicação social que, com Trump, deixarão «de ter o monopólio de “dominar” e influenciar as mentes dos cidadãos menos informados». É uma verdade conhecida que este “4º poder” age frequentemente como um verdadeiro actor político, pela forma como selecciona e redige as notícias, os comentadores que escolhe, etc. Mas, num ambiente de concorrência, tem de se contar com a credibilidade que a opinião pública concede a cada jornal ou TV, fruto da experiência vivida. E, por outro lado, existem regras deontológicas que balizam o exercício da profissão de jornalista, as quais, apesar de muito violadas, sempre constituem um quadro normativo de referência para o sector. Esta função de mediação ou interposição dos media pode deturpar a informação que chega ao público mas também constitui um filtro racionalizador do caos factual e da opinião sem qualquer rigor ou controlo, que se desbundaria na sua ausência. Veja-se o que, precisamente, está acontecendo no ciber-espaço com as chamadas “redes sociais”, onde não existe qualquer critério de verdade nem noção de responsabilidade, mas apenas o “escarrador” daquilo que vem à cabeça de qualquer um, sob anonimato.   
Por outro lado, repete o autor que «foi sobretudo através do Facebook, Twiter e Instagram que Donald Trump conseguiu fazer chegar às pessoas as suas mensagens e Programa Político». Mas quem, como ele, proclama mentiras, provocações ou incongruências em cada intervenção mediática, para excitar as massas apoiantes, é mais digno de crédito do que os “monopolizados” meios de comunicação social?
Idêntica crítica posso fazer a Mattos Chaves quando este afirma que «Trump é multimilionário, não precisa dos “lobbys” para nada, nem dos partidos políticos e prescindiu do seu ordenado de Presidente» como garantia da sua autenticidade. Quanto aos lobbies e à riqueza do homem, estamos conversados! Mas, de facto, eu também sou daqueles que vêm com o maior criticismo o autismo e a monopolização que os partidos instalados vêm fazendo da representação popular, nos regimes democráticos. E não ligo grande coisa às indignações anti-Trump de que o establishment dá mostras, sejam as formações tradicionais da esquerda, seja a inteligenstia bem-pensante que acede aos media ou outras figuras actuais da cultura pop. Porém, julgo saber que essa função de representação colectiva e institucional seja fundamental para que a desordem social não se instale (porventura com o caos e a guerra que alguns sempre tentarão aproveitar) ou prevenir que apareça um “multimilionário” (do dinheiro, como Trump; ou da palavra hipnotizante, como Hitler ou Mussolini) desses que tentam conduzir as gentes como um bando de carneiros, ao mesmo tempo que atiçam contra estes os lobos por si ordenados.
Tudo isto é perigoso, mas há mais. Com a sua figura grotesca, apalhaçada (como Beppe Grillo?); com os seus gestos, postura e modo de falar “à povo” – o senhor Trump desprestigia e desacredita em cada sua intervenção pública as instituições republicanas e, em geral, toda a esfera do “político”. Como querem que as pessoas vulgares velem mais pelo interesse de todos? Que dias chatos, estes que vivemos!

JF / 28.Jan.2017

1 comentário:

  1. Li, com o habitual agrado, o texto que JF nos deu a conhecer. Fica provado que é possível discutir ideias/politica sem, desnecessárias, agressões. Tb (re)li o texto de M. Mattos Chaves, constatando [que me perdoe o JF, que muito estimo] que, aqui e ali, não houve total rigor nas transcrições reproduzidas. Mas, é bom que surjam contributos [como estes dois exemplos] com o desiderato de nos obrigar a pensar ou repensar os direitos [e os deveres] humanos de cada um e de cada sociedade/país, sem preconceitos e com mente aberta.
    António Nabais Caldeira

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