A publicação de um texto de João Freire sobre a evolução do “Estado social” no jornal Expresso suscitou da parte de Fernando Medeiros (FM) algumas observações críticas. Com a devida autorização, vamos aqui referir as principais.
Relativamente à ideia que de que o crescimento do “Estado social” na segunda metade do Século XX é um fenómeno geral que atinge a maior parte países industrializados e em vias de “terciarização”, comenta FM: “Formulação dúbia [pois] não dá conta do facto de se tratar de um duplo movimento, embora a décalage temporal entre os dois processos e a forma como eles se interconectam tenha as suas singularidades no caso português de industrialização tardia – a ‘descolagem’ clara e nítida só nos anos 50, com a % do Produto Industrial no PIB a crescer aceleradamente – criando-se assim simultaneamente os requisitos económicos e as ‘questões sociais’ que subjazem ao aparecimento do ‘Estado social’ de tipo beveridgiano.”
Quanto à subida acentuada dos custos unitários do funcionalismo ocupado na função social do Estado na fase do regime democrático pós-74, FM lembra judiciosamente “a emigração dos anos 1960/70, para o surto da qual contribuíram também as enormes vantagens dos ‘Estados sociais’ dos países receptores.”
Afirmava-se também no texto que, cerca de 1970, as relações aritméticas entre emprego público, despesa primária, serviço da dívida, dívida pública e PIB parecem ter sido ‘mais económicas’ do que alguma vez o foram após o recolhimento português às fronteiras europeias. FM acrescenta e aponta os efeitos “da ‘crise do petróleo’ de 1973/74, duplo terramoto nesses dois anos cruciais que deitaram por terra o essencial do edifício económico lançado quase de raiz nos anos 50! Uma mudança que abre um período excepcional que não se enquadra na periodização adoptada. Temos ali uma fronteira que marca um ‘antes’ e um ‘depois’ - aliás assinalado nos dados coligidos pela passagem ao primeiro plano do peso do ‘Estado social’ -, um marco central da periodização 1950-2008 e para este tipo de estudos longitudinais.”
E relativamente à pergunta final sobre o destino do ‘Estado social’ actual, FM comenta: “Por um lado, há a crise económica que empurra para o débito do ‘welfare’ quantidades crescentes de camadas sociais; por outro lado, temos a ‘crise da divida’ que retira ao Estado capacidade financeira para cobrir os défices acrescidos do welfare, e tudo isto com o «político » a dizer «amen» aos planos de austeridade de uma só bitola impostos pelo Euro/Mark. O grande desafio que se coloca ao ‘Estado social’ - aos agentes políticos strictu e lato sensu - é o do seu re-desdobramento através de transformações estruturais profundas. No caso português, em presença de uma estreitíssima margem para essas inovações decisivas em prol de uma ‘Economia Social’ auto-sustentada e desse modo dinamizadora do conjunto de uma economia mais entreprenante e sem dúvida mais entreprenneuriale, na qual ela própria possa voltar a ser uma componente decisiva, tal como a antiga ‘economia social’ foi solidária da velha economia industrial «nacional» e conquistadora-exportadora daqueles tempos dos «trinta gloriosos» anos do pós-guerra.”
São observações pertinentes e agudas que nos ajudam a compreender melhor a actualidade.
JF / 29.Dez.2010
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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
A WikiLeaks perturba os sistemas e divide opiniões
Há tempos, foi a revelação de uns milhares de relatórios militares classificados do “Pentógono” acerca das actuais guerras no Médio-Oriente. Depois, outros milhares de mensagens reservadas da diplomacia norte-americana. Assim se criou a expectativa de ver quais as próximas novidades escondidas que estes arautos do “jornalismo científico” irão pôr a descoberto, para desespero de alguns grandes poderes mundiais.
E a contorvérsia está estabelecida, a nível planetário. Entre nós, todos estão já a tomar posições, face ao embrulho de questões que isto levanta. Entre os mais independentes e avisados comentadores – por exemplo, Pacheco Pereira, Sousa Tavares, José Cutileiro, Miguel Monjardino, Gustavo Cardoso ou Miguel Gaspar – parece predominar a cautela e o receio da “caixa de Pandora”, mais do que o elogio da liberdade de expressão e da “transparência”.
Também é essa a minha reacção. Mas as questãos são fundas e contraditórias, imprevisíveis mesmo, quanto às consequências futuras.
Uma primeira questão remete para a insólita proeza de um punhado de jornalistas-detectives-tipo-Robin-dos-Bosques ser capaz “furar” sistemas de segurança que se suporiam dos mais sofisticados, não para obter um ou meia-dúzia de documentos classificados, mas para sacar milhares deles!? Será apenas o acaso de um jovem soldado indiscreto que se cruzou com o senhor Assange, ou uma “garganta funda” que sempre pode aparecer nos corredores do poder? Isto, nem nos ‘anais de ouro’ da espionagem internacional alguma vez deve ter sido contado! Mas, se o objectivo era introduzir alguma visibilidade e transparência na gestão dos grandes poderes, pode prever-se que que a reacção destes vai ser a de se blindarem ainda mais contra novas aventuras deste tipo.
O segundo tipo de questões remete para o conteúdo mais espalhafatoso do que tem sido revelado pela imprensa. No caso das guerras, é mais que sabido que o segredo militar não serve só para proteger “os nossos rapazes” das manobras do inimigo, mas igualmente para furtar a este o conhecimento de “podres” e das fraquezas próprias, e para tentar manter tão elevado quanto possível o moral das NT e das populações de onde elas provêm. Já na esfera da diplomacia se está perante a evidência da dupla linguagem inerente a estes negócios de estado: cortês e habilidosa na forma protocolar; por vezes, acutilante e sem meneios, no relatório lacrado. Mas é claro que, durante algum tempo, os actores ressentir-se-ão da devassa, tal como a seguir ao “por que no te callas”. Em todo o caso, releva de alguma hipocrisia pública o escandalizar-se com o teor destes discursos privados quando, de facto, a intimidade ou o segredo servem para isso mesmo: para dizer o que não se pode (deve) dizer em público. É certo que é desejável limitar convenientemente esta reserva do poder, para que os seus titulares de ocasião dela se não aproveitem para fins ilícitos ou não excedam o necessário: os governantes e poderosos não são anjos; são homens mais bem informados mas com os defeitos de qualquer de nós e muito mais oportunidades para prevaricar. Mas parece de um infantilismo anarquizante pensar que esses ‘grandes segredos’ devessem vir todos para o meio da rua.
E como os Assange não são crianças nem anarquistas, logo se põe a terceira questão, que abarca: os critérios de selecção dos materiais acedidos e que vão sendo divulgados; as escolhas dos momentos de divulgação e os seus destinatários preferenciais; os governos (ou empresas multinacionais ou outras pessoas ou instituições mundialmente conhecidas) que são alvo deste ‘jornalismo’ e quais os que saem branqueados, pelo silêncio; e, finalmente, a pergunta sobre que ‘máquina’ tão segura é esta que consegue trabalhar internacionalmente (possuindo um número de colaboradores decerto elevado) com um grau de segurança tal que, aparentemente, consegue manter-se imune às reacções dos serviços especializados dos estados tecnologicamente mais poderosos do planeta?
Por tudo isto, colocar os problemas levantados pela WikiLeaks como se fosse apenas um combate entre a liberdade (do uso da Internet e do direito à informação) e as obscuras manobras do poder político-económico (sobretudo o norte-americano, para não variar…), como tantos opinadores afirmam nas páginas dos jornais e no ciberespeço, seria de uma ingenuidade impossível de reconhecer em quem tem argumentos e capacidades técnicas para formular semelhantes discursos.
JF / 24.Dez.2010
E a contorvérsia está estabelecida, a nível planetário. Entre nós, todos estão já a tomar posições, face ao embrulho de questões que isto levanta. Entre os mais independentes e avisados comentadores – por exemplo, Pacheco Pereira, Sousa Tavares, José Cutileiro, Miguel Monjardino, Gustavo Cardoso ou Miguel Gaspar – parece predominar a cautela e o receio da “caixa de Pandora”, mais do que o elogio da liberdade de expressão e da “transparência”.
Também é essa a minha reacção. Mas as questãos são fundas e contraditórias, imprevisíveis mesmo, quanto às consequências futuras.
Uma primeira questão remete para a insólita proeza de um punhado de jornalistas-detectives-tipo-Robin-dos-Bosques ser capaz “furar” sistemas de segurança que se suporiam dos mais sofisticados, não para obter um ou meia-dúzia de documentos classificados, mas para sacar milhares deles!? Será apenas o acaso de um jovem soldado indiscreto que se cruzou com o senhor Assange, ou uma “garganta funda” que sempre pode aparecer nos corredores do poder? Isto, nem nos ‘anais de ouro’ da espionagem internacional alguma vez deve ter sido contado! Mas, se o objectivo era introduzir alguma visibilidade e transparência na gestão dos grandes poderes, pode prever-se que que a reacção destes vai ser a de se blindarem ainda mais contra novas aventuras deste tipo.
O segundo tipo de questões remete para o conteúdo mais espalhafatoso do que tem sido revelado pela imprensa. No caso das guerras, é mais que sabido que o segredo militar não serve só para proteger “os nossos rapazes” das manobras do inimigo, mas igualmente para furtar a este o conhecimento de “podres” e das fraquezas próprias, e para tentar manter tão elevado quanto possível o moral das NT e das populações de onde elas provêm. Já na esfera da diplomacia se está perante a evidência da dupla linguagem inerente a estes negócios de estado: cortês e habilidosa na forma protocolar; por vezes, acutilante e sem meneios, no relatório lacrado. Mas é claro que, durante algum tempo, os actores ressentir-se-ão da devassa, tal como a seguir ao “por que no te callas”. Em todo o caso, releva de alguma hipocrisia pública o escandalizar-se com o teor destes discursos privados quando, de facto, a intimidade ou o segredo servem para isso mesmo: para dizer o que não se pode (deve) dizer em público. É certo que é desejável limitar convenientemente esta reserva do poder, para que os seus titulares de ocasião dela se não aproveitem para fins ilícitos ou não excedam o necessário: os governantes e poderosos não são anjos; são homens mais bem informados mas com os defeitos de qualquer de nós e muito mais oportunidades para prevaricar. Mas parece de um infantilismo anarquizante pensar que esses ‘grandes segredos’ devessem vir todos para o meio da rua.
E como os Assange não são crianças nem anarquistas, logo se põe a terceira questão, que abarca: os critérios de selecção dos materiais acedidos e que vão sendo divulgados; as escolhas dos momentos de divulgação e os seus destinatários preferenciais; os governos (ou empresas multinacionais ou outras pessoas ou instituições mundialmente conhecidas) que são alvo deste ‘jornalismo’ e quais os que saem branqueados, pelo silêncio; e, finalmente, a pergunta sobre que ‘máquina’ tão segura é esta que consegue trabalhar internacionalmente (possuindo um número de colaboradores decerto elevado) com um grau de segurança tal que, aparentemente, consegue manter-se imune às reacções dos serviços especializados dos estados tecnologicamente mais poderosos do planeta?
Por tudo isto, colocar os problemas levantados pela WikiLeaks como se fosse apenas um combate entre a liberdade (do uso da Internet e do direito à informação) e as obscuras manobras do poder político-económico (sobretudo o norte-americano, para não variar…), como tantos opinadores afirmam nas páginas dos jornais e no ciberespeço, seria de uma ingenuidade impossível de reconhecer em quem tem argumentos e capacidades técnicas para formular semelhantes discursos.
JF / 24.Dez.2010
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Liu Xiao-bo
É o nome deste cidadão chinês galardoado com o Prémio Nobel da Paz deste ano. Em Oslo, a sua cadeira de homenagem ficou hoje vazia, porque ele cumpre pena de prisão na República Popular da China e a sua mulher encontra-se detida na residência.
Quais as razões das autoridades chineses para esta perseguição? As denúncias, por meios pacíficos e civilizados, que este homem vem fazendo da ausência de liberdade e direitos humanos que caracterizam o regime político de Pequim.
É certo que, no dia em que se desmoronar este “milagre oriental” de um capitalismo sem limites combinado com uma ditadura comunista implacável, o mundo irá tremer: quer pelo que poderá acontecer no interior do antigo império-do-meio, quer pelas consequências económicas que advirão para todos.
Mas, aos olhos daqueles que prezam a justiça e as liberdades, não é possível deixar isolados nem que se apague a voz daqueles que na China reclamam contra o destino que lhes impõem.
JF / 10.Dez.2010
Quais as razões das autoridades chineses para esta perseguição? As denúncias, por meios pacíficos e civilizados, que este homem vem fazendo da ausência de liberdade e direitos humanos que caracterizam o regime político de Pequim.
É certo que, no dia em que se desmoronar este “milagre oriental” de um capitalismo sem limites combinado com uma ditadura comunista implacável, o mundo irá tremer: quer pelo que poderá acontecer no interior do antigo império-do-meio, quer pelas consequências económicas que advirão para todos.
Mas, aos olhos daqueles que prezam a justiça e as liberdades, não é possível deixar isolados nem que se apague a voz daqueles que na China reclamam contra o destino que lhes impõem.
JF / 10.Dez.2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Sociedade civil
Afirma-se por vezes que a sociedade civil (ou o “terceiro sector” da economia) é muito débil em Portugal e que todos procuram demasiado a tutela protectora do Estado – o que, em geral, é verdade.
Mas, felizmente, existem excelentes casos que tendem a mostrar o contrário. O Banco Alimentar contra a Fome é uma encorajante demonstração da capacidade de mobilização solidária de milhares de pessoas, com uma liderança discreta e eficaz, pouca burocracia e resultados efectivos para ajudar um volume muito significativo dos mais pobres e marginalizados que habitam entre nós. Parece também que associações empresariais se estão movendo no sentido de, em vez do desperdício ou do destino do caixote do lixo para alguns dos seus produtos, poderem ainda ajudar a vestir ou a matar a fome a mais alguns necessitados.
Talvez que a crise económica actual possa vir a proporcionar o surgimento de respostas humanitárias e socialmente enriquecedoras, inimagináveis ainda há pouco tempo atrás!
JF / 29.Nov.2010
Mas, felizmente, existem excelentes casos que tendem a mostrar o contrário. O Banco Alimentar contra a Fome é uma encorajante demonstração da capacidade de mobilização solidária de milhares de pessoas, com uma liderança discreta e eficaz, pouca burocracia e resultados efectivos para ajudar um volume muito significativo dos mais pobres e marginalizados que habitam entre nós. Parece também que associações empresariais se estão movendo no sentido de, em vez do desperdício ou do destino do caixote do lixo para alguns dos seus produtos, poderem ainda ajudar a vestir ou a matar a fome a mais alguns necessitados.
Talvez que a crise económica actual possa vir a proporcionar o surgimento de respostas humanitárias e socialmente enriquecedoras, inimagináveis ainda há pouco tempo atrás!
JF / 29.Nov.2010
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Uma crónica da crise
José Manuel Rolo é um economista sénior, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, com obra publicada, em particular na área das trocas comerciais externas e da “economia das armas”.
Agora, acaba de publicar “Labirintos da Crise Financeira Internacional (2007-2010)”, que nos oferece uma crónica do dia-a-dia do desenrolar deste filme, que todavia prossegue.
As fontes são sobretudo a imprensa internacional especializada, com o seu reportório de informações públicas disponibilizadas pelas grandes instituições e empresas financeiras, pelos governos e suas cimeiras mundiais, e pelas organizações internacionais, aqui tratadas mediante um intenso e minucioso cruzamento de dados.
Pode-se discutir a intencionalidades atribuída pelo autor acerca da responsabilidade dos “banksters” (acrónimo formado das palavras banker e gangsters) no eclodir da crise – “aproveitar-se da oportunidade” não é mesma coisa do que “provocar deliberadamente” – ou mesmo o peso real dos especuladores em relação ao comportamento racional dos detentores de grandes massas financeiras actuando em situação de mercado. Porém, este é um escrito que nos ajuda a situar e a relativizar as informação com que somos quotidianamente bombardeados pelo sistema dos "mass media", ávidos de novidade e sensação.
É também muito interessante a parte final, em que o autor alinha argumentos e análises acerca do deslizamento do poder global do Ocidente para o Oriente, visando a China e os meados do Séx. XXI.
Eis, pois, um utilíssimo livro posto ao alcance de um público largo, em tempo oportuno.
Uma coisa é certa. Para quem tenha um mínimo de entendimento e atenção, hoje todos podemos saber muitíssimo mais acerca dos processos económicos em que estamos envolvidos (tal como de política ou de geografia mundial), do que, porventura, alguns economistas das gerações anteriores.
JF/24.Nov.2010
Agora, acaba de publicar “Labirintos da Crise Financeira Internacional (2007-2010)”, que nos oferece uma crónica do dia-a-dia do desenrolar deste filme, que todavia prossegue.
As fontes são sobretudo a imprensa internacional especializada, com o seu reportório de informações públicas disponibilizadas pelas grandes instituições e empresas financeiras, pelos governos e suas cimeiras mundiais, e pelas organizações internacionais, aqui tratadas mediante um intenso e minucioso cruzamento de dados.
Pode-se discutir a intencionalidades atribuída pelo autor acerca da responsabilidade dos “banksters” (acrónimo formado das palavras banker e gangsters) no eclodir da crise – “aproveitar-se da oportunidade” não é mesma coisa do que “provocar deliberadamente” – ou mesmo o peso real dos especuladores em relação ao comportamento racional dos detentores de grandes massas financeiras actuando em situação de mercado. Porém, este é um escrito que nos ajuda a situar e a relativizar as informação com que somos quotidianamente bombardeados pelo sistema dos "mass media", ávidos de novidade e sensação.
É também muito interessante a parte final, em que o autor alinha argumentos e análises acerca do deslizamento do poder global do Ocidente para o Oriente, visando a China e os meados do Séx. XXI.
Eis, pois, um utilíssimo livro posto ao alcance de um público largo, em tempo oportuno.
Uma coisa é certa. Para quem tenha um mínimo de entendimento e atenção, hoje todos podemos saber muitíssimo mais acerca dos processos económicos em que estamos envolvidos (tal como de política ou de geografia mundial), do que, porventura, alguns economistas das gerações anteriores.
JF/24.Nov.2010
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Islândia, Grécia, Irlanda…
Em 2009 a Islândia foi violentamente sacudida pela crise financeira dos “produtos tóxicos” de origem americana, uma parte da riqueza do país “evaporou-se”, houve eleições, um referendo, um pedido da adesão à EU e uma intervenção do FMI.
Há um ano, a Grécia desvelou-se como estando à beira do descalabro orçamental, voltaram os socialistas do PASOK ao poder para tentar aplicar um plano de grande austeridade, as ruas têm enchido de protestos, os alemães tardaram a lançar-lhes a bóia-de-salvação europeia e, com ela, a do FMI, mas, mesmo assim, os descontentes não se calam, sem nada terem para propor.
Agora, apesar de já ter cortado a sério nos rendimentos dos funcionários, é a Irlanda que vê o seu sector bancário à deriva e o Estado sem donheiro para o socorrer, lá vindo de novo a Europa e o FMI a tentar apagar o incêndio. Mas quem aceita as responsabilidades políticas da situação?
Pergunta-se: qual será o próximo país a entrar em maiores angústias? Será a culpa “dos mercados” na sua lógica própria; ou serão “os especuladores” a “atacarem” o Euro? É a Espanha o seu alvo principal, e os outros meros portos de passagem?
JF / 23.Mov.2010
Há um ano, a Grécia desvelou-se como estando à beira do descalabro orçamental, voltaram os socialistas do PASOK ao poder para tentar aplicar um plano de grande austeridade, as ruas têm enchido de protestos, os alemães tardaram a lançar-lhes a bóia-de-salvação europeia e, com ela, a do FMI, mas, mesmo assim, os descontentes não se calam, sem nada terem para propor.
Agora, apesar de já ter cortado a sério nos rendimentos dos funcionários, é a Irlanda que vê o seu sector bancário à deriva e o Estado sem donheiro para o socorrer, lá vindo de novo a Europa e o FMI a tentar apagar o incêndio. Mas quem aceita as responsabilidades políticas da situação?
Pergunta-se: qual será o próximo país a entrar em maiores angústias? Será a culpa “dos mercados” na sua lógica própria; ou serão “os especuladores” a “atacarem” o Euro? É a Espanha o seu alvo principal, e os outros meros portos de passagem?
JF / 23.Mov.2010
domingo, 21 de novembro de 2010
Greve geral
É inteiramente justa e compreensível esta oportunidade que os sindicatos deram aos trabalhadores de todo o país para expressarem na rua, por palavras vivas, o seu descontentamento pelo estado de crise a que o país chegou.
Protestar é saudável quando, como neste caso, os manifestantes não têm qualquer responsabilidade nos factos e também não prejudicam terceiras pessoas com essa sua acção de luta, uma vez que sejam assegurados os serviços mínimos indispensáveis em determinadas áreas. (Embora em certas actividades a greve até possa ser vantajosa para os empregadores, que assim poupam uns Euros em salários.)
Também é certo que, sem a acção sindical, os trabalhadores seriam muito mais vítimas dos abusos dos patrões, como acontece geralmente em países onde o sindicalismo é fraco ou inexistente.
Mas, no momento actual, os dirigentes sindicais e os sindicalistas em geral não deveriam iludir-se com o sucesso da greve geral, por quatro razões, pelo menos.
Primeiro, porque, ao defenderem da mesma maneira os bons e os maus trabalhadores e o nivelamento de salários e regalias (que encarecem o custo da mão-de-obra), têm alguma quota de responsabilidade na baixa produtividade do trabalho, que é um dos factores cruciais da falta de competitividade actual da nossa economia, além de que ajudaram a instalar em grandes massas de pessoas de fracos saberes (ao contrário dos seus pais, operários ou camponeses) a cultura do “sempre mais” e da igualdade com “os de cima”.
Em segundo lugar, porque, ao garantirem melhores condições contratuais de trabalho a determinadas corporações e grupos profissionais, estão porventura a desleixar a cada vez maior legião de precários, semi-empregados, jovens qualificados que saltitam de “programa” em “projecto”, de biscate em call-center, bem como as ex-trabalhadoras de meia-idade das indústrias taylorizadas que fecharam portas e ainda estão a viver à conta da indemnização ou do subsídio de desemprego.
Terceiro, os próprios dirigentes sindicais profissionalizaram-se nessa actividade, o que constitui um factor de separação e des-identificação entre os seus interesses próprios e os daqueles que pretendem defender. A base moral e psicológica da sua função de representação diminuiu. De certa maneira, eles também fazem parte da elite dirigente do país e têm algum grau de responsabilidade (pequeno, é certo) no descalabro financeiro em que nos encontramos.
Por último, as lideranças do sindicalismo estão quase todas nas mãos de militantes partidários e pautam grande parte das suas acções por razões políticas. Se Manuel Alegre fosse para Belém e patrocinasse um governo PS-PCP-BE, logo veríamos o doutor Carvalho da Silva a travar as greves e talvez a pedir “um dia de trabalho gratuito para a nação”. Portanto, as grandes centrais sindicais fazem parte do campo político e, nessa medida, não ficam imunes à crítica que responsabiliza esses actores pelos maus caminhos por onde tem andado a nossa democracia.
A conquista de uma verdadeira autonomia do sindicalismo e a procura de objectivos mais compatíveis com o interesse geral constituiriam decerto passos decisivos para uma sua melhor credibilização.
JF / 21.Nov.2010
Protestar é saudável quando, como neste caso, os manifestantes não têm qualquer responsabilidade nos factos e também não prejudicam terceiras pessoas com essa sua acção de luta, uma vez que sejam assegurados os serviços mínimos indispensáveis em determinadas áreas. (Embora em certas actividades a greve até possa ser vantajosa para os empregadores, que assim poupam uns Euros em salários.)
Também é certo que, sem a acção sindical, os trabalhadores seriam muito mais vítimas dos abusos dos patrões, como acontece geralmente em países onde o sindicalismo é fraco ou inexistente.
Mas, no momento actual, os dirigentes sindicais e os sindicalistas em geral não deveriam iludir-se com o sucesso da greve geral, por quatro razões, pelo menos.
Primeiro, porque, ao defenderem da mesma maneira os bons e os maus trabalhadores e o nivelamento de salários e regalias (que encarecem o custo da mão-de-obra), têm alguma quota de responsabilidade na baixa produtividade do trabalho, que é um dos factores cruciais da falta de competitividade actual da nossa economia, além de que ajudaram a instalar em grandes massas de pessoas de fracos saberes (ao contrário dos seus pais, operários ou camponeses) a cultura do “sempre mais” e da igualdade com “os de cima”.
Em segundo lugar, porque, ao garantirem melhores condições contratuais de trabalho a determinadas corporações e grupos profissionais, estão porventura a desleixar a cada vez maior legião de precários, semi-empregados, jovens qualificados que saltitam de “programa” em “projecto”, de biscate em call-center, bem como as ex-trabalhadoras de meia-idade das indústrias taylorizadas que fecharam portas e ainda estão a viver à conta da indemnização ou do subsídio de desemprego.
Terceiro, os próprios dirigentes sindicais profissionalizaram-se nessa actividade, o que constitui um factor de separação e des-identificação entre os seus interesses próprios e os daqueles que pretendem defender. A base moral e psicológica da sua função de representação diminuiu. De certa maneira, eles também fazem parte da elite dirigente do país e têm algum grau de responsabilidade (pequeno, é certo) no descalabro financeiro em que nos encontramos.
Por último, as lideranças do sindicalismo estão quase todas nas mãos de militantes partidários e pautam grande parte das suas acções por razões políticas. Se Manuel Alegre fosse para Belém e patrocinasse um governo PS-PCP-BE, logo veríamos o doutor Carvalho da Silva a travar as greves e talvez a pedir “um dia de trabalho gratuito para a nação”. Portanto, as grandes centrais sindicais fazem parte do campo político e, nessa medida, não ficam imunes à crítica que responsabiliza esses actores pelos maus caminhos por onde tem andado a nossa democracia.
A conquista de uma verdadeira autonomia do sindicalismo e a procura de objectivos mais compatíveis com o interesse geral constituiriam decerto passos decisivos para uma sua melhor credibilização.
JF / 21.Nov.2010
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
NATO, liberdade e opressão
A NATO sempre provocou divisões nas opiniões públicas europeias, sobretudo por causa do papel nela exercido pelos Estados Unidos. O sector comunista e o esquerdismo qualificaram-na como a “ponta de lança do imperialismo”, a esquerda moderada dividiu-se entre reticentes (como Manuel Alegre) e “atlantistas”, os primeiros fazendo companhia aos “gaulistas” e a outras variedades de nacionalismos, os segundos alinhando com democratas-cristãos, liberais e conservadores no reconhecimento de que era do interesse da Europa essa aliança com os norte-americanos, sobretudo quando uma ameaça político-militar soviética pendia sobre as suas cabeças.
Depois do fim da “guerra fria”, a NATO tem tergiversado acerca da sua função, meios e objectivos. A “ameaça islâmica radical” e o “terrorismo internacional” têm aparecido como dois inimigos das democracias liberais ocidentais, que poderiam exigir a sua existência e obrigar a certas reconversões. Mas, além de uma vaga percepção destas ameaças e dos choques emocionais causados por meia dúzia de grandes atentados, mantém-se fluida e pouco concreta a consciência colectiva acerca do grau de risco que isso representa para os povos do ocidente e do mundo. E, num planeta super-informado de meias-verdades e muitas mentiras, não basta os responsáveis afirmarem que a paz de que gozamos se deve à acção dos serviços secretos que lograram neutralizar muitas outras acções terroristas que, sem eles, teriam tido efeitos devastadores.
Cimeiras mundiais como esta que a NATO realiza em Lisboa suscitam sempre manifestações públicas por parte de discordantes e opositores, como é o caso da “PAGAN” (Plataforma Anti-Guerra, Anti-NATO), surgida há alguns meses. Até aqui, tudo bem, pois estamos no pleno uso da liberdade de expressão dos indivíduos e dos movimentos sociais ou políticos. Mas não é apenas “exagero policial” a constatação de que, desde Seattle em 1999, essas manifestações atraem quase sempre, para além de militantes pacíficos, uns tantos “desordeiros profissionais” que podem hoje deslocar-se de avião aonde existam “pontos quentes” (como os hooligans do futebol) e usam meios de comunicação modernos (Internet, telemóveis, etc.) para coordenaram as suas acções e provocarem alguns danos urbanos espectaculares capazes de serem retransmitidos pelos media para todo o planeta. Esta mistura de intenções e formas de expressão é sempre muito mais problemática.
Quanto à NATO e às guerras actuais, podem existir várias opiniões legítimas, com o lastro de uma esquerda tradicionalmente mais “pacifista” e uma direita mais “militarista”, mas onde o marxismo leninista veio introduzir a inovação, mais cínica, de “olhar o poder pela mira da espingarda”, o que veio baralhar muitas consciências. E até anarquistas históricos portugueses como Germinal de Sousa ou José de Brito, com fartos currículos pessoais de revolucionários, tiveram então a coragem de escrever que foi a NATO que impediu que todos nós, na Europa, tivéssemos sido “sovietizados”.
Serão dessa natureza (opressão versus liberdade) as ameaças que espreitam hoje as sociedades razoavelmente respeitadoras das liberdades individuais que tanto apreciamos?
JF / 12.Nov.2010
Depois do fim da “guerra fria”, a NATO tem tergiversado acerca da sua função, meios e objectivos. A “ameaça islâmica radical” e o “terrorismo internacional” têm aparecido como dois inimigos das democracias liberais ocidentais, que poderiam exigir a sua existência e obrigar a certas reconversões. Mas, além de uma vaga percepção destas ameaças e dos choques emocionais causados por meia dúzia de grandes atentados, mantém-se fluida e pouco concreta a consciência colectiva acerca do grau de risco que isso representa para os povos do ocidente e do mundo. E, num planeta super-informado de meias-verdades e muitas mentiras, não basta os responsáveis afirmarem que a paz de que gozamos se deve à acção dos serviços secretos que lograram neutralizar muitas outras acções terroristas que, sem eles, teriam tido efeitos devastadores.
Cimeiras mundiais como esta que a NATO realiza em Lisboa suscitam sempre manifestações públicas por parte de discordantes e opositores, como é o caso da “PAGAN” (Plataforma Anti-Guerra, Anti-NATO), surgida há alguns meses. Até aqui, tudo bem, pois estamos no pleno uso da liberdade de expressão dos indivíduos e dos movimentos sociais ou políticos. Mas não é apenas “exagero policial” a constatação de que, desde Seattle em 1999, essas manifestações atraem quase sempre, para além de militantes pacíficos, uns tantos “desordeiros profissionais” que podem hoje deslocar-se de avião aonde existam “pontos quentes” (como os hooligans do futebol) e usam meios de comunicação modernos (Internet, telemóveis, etc.) para coordenaram as suas acções e provocarem alguns danos urbanos espectaculares capazes de serem retransmitidos pelos media para todo o planeta. Esta mistura de intenções e formas de expressão é sempre muito mais problemática.
Quanto à NATO e às guerras actuais, podem existir várias opiniões legítimas, com o lastro de uma esquerda tradicionalmente mais “pacifista” e uma direita mais “militarista”, mas onde o marxismo leninista veio introduzir a inovação, mais cínica, de “olhar o poder pela mira da espingarda”, o que veio baralhar muitas consciências. E até anarquistas históricos portugueses como Germinal de Sousa ou José de Brito, com fartos currículos pessoais de revolucionários, tiveram então a coragem de escrever que foi a NATO que impediu que todos nós, na Europa, tivéssemos sido “sovietizados”.
Serão dessa natureza (opressão versus liberdade) as ameaças que espreitam hoje as sociedades razoavelmente respeitadoras das liberdades individuais que tanto apreciamos?
JF / 12.Nov.2010
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Tolstói e o anarquismo cristão
Tolstói é um artista mundialmente conhecido por obras que marcaram de forma decisiva a evolução do romance e da arte dramática. É o gigante que escreveu Guerra e Paz, uma das raras obras modernas que pode ser equiparada às epopeias de Homero, Ana Karenina, A Morte de Ivan Illich ou Ressurreição. Bastam as páginas destes quatro romances para Tolstói ser tomado como um escritor imortal, com um lugar de excepção na cultura literária e artística do século XIX, ao lado de Goethe, Hugo, Dickens ou Camilo.
A abordagem de Tolstói complexifica-se porém a partir do momento em que o criador russo pretendeu sair da estrita criação artística para passar a ocupar o espaço da reforma social. Dir-se-á que foi comum à literatura da segunda metade do século XIX uma forte preocupação social. Artistas como Courbet, Flaubert ou Zola procuraram fazer uma arte realista, de denúncia, capaz de ser um contributo sério para o aperfeiçoamento moral e social da humanidade e não apenas uma forma anódina de entretenimento.
O caso de Leão Tolstói, ainda assim, é diferente e porventura único entre os escritores e artistas do século XIX. Ele fez uma literatura realista, voltada para a denúncia das mazelas sociais, não hesitando diante de temas moralmente difíceis, como o adultério e a prostituição, mas pretendeu, ademais, ocupar um espaço de pensador social, que mais nenhum grande escritor do século XIX tocou. Muitos foram artistas empenhados nas reformas do tempo, quer pela denúncia da hipocrisia moral dos costumes burgueses, quer pela publicitação das grotescas condições em que as novas franjas proletárias viviam nas grandes aglomerações urbanas, mas nenhum, salvo Tolstói, foi criador dum sistema social próprio.
Aquilo que se designa por tolstoísmo é o resultado desta criação pessoal. Não há por exemplo flaubertismo, ou mesmo zolaísmo, fora das estremas próprias da criação literária. Quer o flaubertismo, quer o zolaísmo, se existem, não passam de escolas literárias. Não assim, o tolstoísmo. Este, existindo de feito, não diz sequer respeito à criação artística; é um conjunto individualizado de elementos sociais, que tira, como sucede com o marxismo, a designação do seu primeiro criador.
Mas que é afinal o tolstoísmo? De forma genérica é o impacto que a moral tem na sociedade; de forma particular é a recusa da lei do mais forte, do mais rico e do mais poderoso. O pensamento de Tolstoi operou assim uma ruptura social de grande dimensão. O tolstoísmo aconselhava a recusa do serviço militar, a recusa do trabalho fabril, a recusa em pagar impostos ao Estado; juntava a isto o regresso à vida aldeã, o trabalho manual para todos, a criação de comunas rurais e artesanais que pudessem gozar duma larga autonomia económica e administrativa, tecendo entre si laços de solidariedade.
Mas a verdadeira pedra-de-toque do pensamento social de Tolstói foi a teoria da resistência passiva ou da não-violência, em que procurou conciliar a necessidade de oposição à injustiça sem nunca ceder à violência. Neste propósito aferia Tolstói a necessária superioridade moral dos que lutavam contra os exércitos e os governos, a favor duma sociedade pacífica, em que a lei da força se encontrasse substituída pela lei do amor. Foi desta teoria que Mohandas K. Gandhi tirou depois os métodos de acção directa que o levaram com sucesso a lutar na Índia, durante décadas, contra a dominação inglesa.
O impacto do tolstoísmo, conhecido também por anarquismo cristão, foi imenso na Europa do tempo, talvez mesmo superior àquele que Tolstói conhecera enquanto autor de sucesso. Tolstói morreu aos oitenta e um anos de idade, na aldeia em que nasceu, Iasnaía Poliana, no dia 20 de Novembro de 1910, faz ora cem anos. Merece ser recordado como um dos que deram um contributo decisivo ao aperfeiçoamento moral e social do mundo em que vivemos.
António Cândido Franco / Novembro de 2010
A abordagem de Tolstói complexifica-se porém a partir do momento em que o criador russo pretendeu sair da estrita criação artística para passar a ocupar o espaço da reforma social. Dir-se-á que foi comum à literatura da segunda metade do século XIX uma forte preocupação social. Artistas como Courbet, Flaubert ou Zola procuraram fazer uma arte realista, de denúncia, capaz de ser um contributo sério para o aperfeiçoamento moral e social da humanidade e não apenas uma forma anódina de entretenimento.
O caso de Leão Tolstói, ainda assim, é diferente e porventura único entre os escritores e artistas do século XIX. Ele fez uma literatura realista, voltada para a denúncia das mazelas sociais, não hesitando diante de temas moralmente difíceis, como o adultério e a prostituição, mas pretendeu, ademais, ocupar um espaço de pensador social, que mais nenhum grande escritor do século XIX tocou. Muitos foram artistas empenhados nas reformas do tempo, quer pela denúncia da hipocrisia moral dos costumes burgueses, quer pela publicitação das grotescas condições em que as novas franjas proletárias viviam nas grandes aglomerações urbanas, mas nenhum, salvo Tolstói, foi criador dum sistema social próprio.
Aquilo que se designa por tolstoísmo é o resultado desta criação pessoal. Não há por exemplo flaubertismo, ou mesmo zolaísmo, fora das estremas próprias da criação literária. Quer o flaubertismo, quer o zolaísmo, se existem, não passam de escolas literárias. Não assim, o tolstoísmo. Este, existindo de feito, não diz sequer respeito à criação artística; é um conjunto individualizado de elementos sociais, que tira, como sucede com o marxismo, a designação do seu primeiro criador.
Mas que é afinal o tolstoísmo? De forma genérica é o impacto que a moral tem na sociedade; de forma particular é a recusa da lei do mais forte, do mais rico e do mais poderoso. O pensamento de Tolstoi operou assim uma ruptura social de grande dimensão. O tolstoísmo aconselhava a recusa do serviço militar, a recusa do trabalho fabril, a recusa em pagar impostos ao Estado; juntava a isto o regresso à vida aldeã, o trabalho manual para todos, a criação de comunas rurais e artesanais que pudessem gozar duma larga autonomia económica e administrativa, tecendo entre si laços de solidariedade.
Mas a verdadeira pedra-de-toque do pensamento social de Tolstói foi a teoria da resistência passiva ou da não-violência, em que procurou conciliar a necessidade de oposição à injustiça sem nunca ceder à violência. Neste propósito aferia Tolstói a necessária superioridade moral dos que lutavam contra os exércitos e os governos, a favor duma sociedade pacífica, em que a lei da força se encontrasse substituída pela lei do amor. Foi desta teoria que Mohandas K. Gandhi tirou depois os métodos de acção directa que o levaram com sucesso a lutar na Índia, durante décadas, contra a dominação inglesa.
O impacto do tolstoísmo, conhecido também por anarquismo cristão, foi imenso na Europa do tempo, talvez mesmo superior àquele que Tolstói conhecera enquanto autor de sucesso. Tolstói morreu aos oitenta e um anos de idade, na aldeia em que nasceu, Iasnaía Poliana, no dia 20 de Novembro de 1910, faz ora cem anos. Merece ser recordado como um dos que deram um contributo decisivo ao aperfeiçoamento moral e social do mundo em que vivemos.
António Cândido Franco / Novembro de 2010
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Tolstoi
7 de Novembro de 1910. Deixou de pulsar o coração e a mente de Leão Tolstoi, um dos maiores escritores da alma russa. Da sua origem aristocrática e militar soube guardar o mais profundo sentido do dever e da honra. Da observação do seu tempo e do espaço onde se inseria logrou tirar uma obra literária universal. E da sua reflexão mística e filosófica, dos seus sofrimentos íntimos, pôde lançar sementes de compaixão pelos mais simples e rudes, sem ter que atiçar o rancor pelos ricos e poderosos.
JF / 7.Novembro.2010
JF / 7.Novembro.2010
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Alguns aspectos positivos da crise
Com mais de meio milhão de desempregados e muitos mal-empregados, o começo dos cortes nos salários e pensões (porque hão-de vir mais e mais fortes), incluindo (pasme-se!) um pequeno aperto nos altos rendimentos públicos e privados – a crise financeira e económica, do Estado e das empresas, começa agora verdadeiramente a ser sentida pela generalidade dos portugueses. E os 18% de pobres anteriormente recenseados terão de se acomodar como for possível.
Mas vejamos o lado bom da crise:
- Em primeiro lugar, ela vai obrigar o Estado a “emagrecer” e a fazer reformas efectivas para melhorar a eficiência do seu desempenho. Toda a questão está em saber como os partidos de governo (PS, PSD e CDS) vão ser capazes de ir em sentido contrário ao seu “populismo” congénito. A actual agudização da luta partidária tem muito a ver com isto;
- Para sobreviver, as empresas vão ter que ser mais inovadoras e sérias nos mercados locais, e mais produtivas e concorrenciais nos mercados externos. Veremos se a sua imaginação e o consagrado desenrascanso nacional serão usados da melhor maneira, com benefício geral, ou se se aplicam na descoberta de formas mais sofisticadas de vigarizar;
- As famílias e os indivíduos das “classes médias” vão ter que rever os seus planos de consumo, ser mais prudentes e contidos no usufruto dos bens e na compra de serviços, ter uma atitude de maior poupança e de menor endividamento e desperdício. Um corte de 20 a 30% no rendimento disponível (como alguns prevêem) tornará os orçamentos familiares muito mais razoáveis e morais (olhando para o mundo);
- É admissível que a escassez e as maiores necessidades de muita gente facilitem a emergência de um sector de economia social – sem objectivos de lucro mas antes de estrita satisfação dessas necessidades – que contribua para alterar um pouco as dinâmicas económicas actuais, no sentido de maior sustentabilidade (económico-financeira e ambiental) e atenção aos mais fracos;
- Se, nestas condições, o tal “terceiro sector” (social) souber desenvolver-se menos dependente dos subsídios do Estado, será uma óptima coisa, que lhe garantirá maior solidez e autonomia;
- Se tal for viável, é de saudar algum “regresso aos campos”, para ajudar populações carenciadas, com base no recrudescimento de economias locais.
- Os comportamentos colectivos “gratuitos”, como certas greves ou a exploração de alguns direitos sociais (baixas por doença injustificadas, preferência do subsídio de desemprego a uma oferta de trabalho compatível, etc.) vão tornar-se mais difíceis, não apenas por um maior aperto da administração pública, mas também pelas atitudes menos complacentes e mais “individualistas” dos cidadãos próximos;
- Não vai ser possível levar avante a regionalização, nos moldes em que é encarada pelos políticos, com cinco novos poderes com legitimidade democrática própria. E talvez finalmente se ponha cobro aos maiores desmandos praticados pelos governos das regiões autónomas atlânticas;
- O poder local dos municípios talvez seja tentado a corrigir a sua filosofia eleitoralista da “obra feita” (no licenciamento urbano) e possa dar mais atenção e consistência ao bem-estar mínimo e solidário das suas populações (como em muitos casos já está a ser levado a fazer).
Por isto, num certo sentido, quase se poderia dizer: “Viva a crise!”
JF/5.Nov.2010
Mas vejamos o lado bom da crise:
- Em primeiro lugar, ela vai obrigar o Estado a “emagrecer” e a fazer reformas efectivas para melhorar a eficiência do seu desempenho. Toda a questão está em saber como os partidos de governo (PS, PSD e CDS) vão ser capazes de ir em sentido contrário ao seu “populismo” congénito. A actual agudização da luta partidária tem muito a ver com isto;
- Para sobreviver, as empresas vão ter que ser mais inovadoras e sérias nos mercados locais, e mais produtivas e concorrenciais nos mercados externos. Veremos se a sua imaginação e o consagrado desenrascanso nacional serão usados da melhor maneira, com benefício geral, ou se se aplicam na descoberta de formas mais sofisticadas de vigarizar;
- As famílias e os indivíduos das “classes médias” vão ter que rever os seus planos de consumo, ser mais prudentes e contidos no usufruto dos bens e na compra de serviços, ter uma atitude de maior poupança e de menor endividamento e desperdício. Um corte de 20 a 30% no rendimento disponível (como alguns prevêem) tornará os orçamentos familiares muito mais razoáveis e morais (olhando para o mundo);
- É admissível que a escassez e as maiores necessidades de muita gente facilitem a emergência de um sector de economia social – sem objectivos de lucro mas antes de estrita satisfação dessas necessidades – que contribua para alterar um pouco as dinâmicas económicas actuais, no sentido de maior sustentabilidade (económico-financeira e ambiental) e atenção aos mais fracos;
- Se, nestas condições, o tal “terceiro sector” (social) souber desenvolver-se menos dependente dos subsídios do Estado, será uma óptima coisa, que lhe garantirá maior solidez e autonomia;
- Se tal for viável, é de saudar algum “regresso aos campos”, para ajudar populações carenciadas, com base no recrudescimento de economias locais.
- Os comportamentos colectivos “gratuitos”, como certas greves ou a exploração de alguns direitos sociais (baixas por doença injustificadas, preferência do subsídio de desemprego a uma oferta de trabalho compatível, etc.) vão tornar-se mais difíceis, não apenas por um maior aperto da administração pública, mas também pelas atitudes menos complacentes e mais “individualistas” dos cidadãos próximos;
- Não vai ser possível levar avante a regionalização, nos moldes em que é encarada pelos políticos, com cinco novos poderes com legitimidade democrática própria. E talvez finalmente se ponha cobro aos maiores desmandos praticados pelos governos das regiões autónomas atlânticas;
- O poder local dos municípios talvez seja tentado a corrigir a sua filosofia eleitoralista da “obra feita” (no licenciamento urbano) e possa dar mais atenção e consistência ao bem-estar mínimo e solidário das suas populações (como em muitos casos já está a ser levado a fazer).
Por isto, num certo sentido, quase se poderia dizer: “Viva a crise!”
JF/5.Nov.2010
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Brasil democrático
Os brasileiros elegeram livremente uma mulher para presidente da sua república. É um sinal simbólico positivo, como foi a chegada de um negro à Casa Branca.
O Brasil beneficiou do consulado do ex-“boia fria” Luís Inácio da Silva, ‘Lula’, homem de grande carisma que jogou a fundo nessa popularidade para assentar um programa de retirada da pobreza de alguns milhões de pessoas, alargar o mercado interno (pois tem escala para isso) e impor-se no plano internacional. Surpreendentemente, até a direita quase desapareceu cena partidária brasileira.
Apesar disto e da singularidade do seu Partido dos Trabalhadores – com um pé no esquerdismo pós-soviético e outro num populismo mais tradicional da América Latina – a governação de Lula tem aspectos perigosos e condenáveis, como o seu “jogo” com parceiros como Chávez ou o regime do ayatollas, e as notícias de corrupções graves, de que sempre conseguiu livrar-se com habilidade de tribuno.
Veremos o desempenho de Dilma Roussef; se não vai desencantar muitos dos seus seguidores, como agora vai acontecendo na pátria do Tio Sam.
JF/1.Nov.2010
O Brasil beneficiou do consulado do ex-“boia fria” Luís Inácio da Silva, ‘Lula’, homem de grande carisma que jogou a fundo nessa popularidade para assentar um programa de retirada da pobreza de alguns milhões de pessoas, alargar o mercado interno (pois tem escala para isso) e impor-se no plano internacional. Surpreendentemente, até a direita quase desapareceu cena partidária brasileira.
Apesar disto e da singularidade do seu Partido dos Trabalhadores – com um pé no esquerdismo pós-soviético e outro num populismo mais tradicional da América Latina – a governação de Lula tem aspectos perigosos e condenáveis, como o seu “jogo” com parceiros como Chávez ou o regime do ayatollas, e as notícias de corrupções graves, de que sempre conseguiu livrar-se com habilidade de tribuno.
Veremos o desempenho de Dilma Roussef; se não vai desencantar muitos dos seus seguidores, como agora vai acontecendo na pátria do Tio Sam.
JF/1.Nov.2010
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Violências e liberdade
Depois do Afeganistão, o “WikiLeaks” voltou a abalar as opiniões públicas com revelações chocantes que pretendem comprometer os Estados Unidos, desta vez no teatro de guerra do Iraque. É certo que as guerras são um campo de violências máximas: por isso, tudo deve ser feito para as evitar; e nas últimas décadas deram-se passos sensíveis nesse sentido, baixando o volume da conflitualidade “convencional” e evitando-se o holocausto de uma guerra atómica. Porém, outras guerras prosseguiram, mais restritas a “segundas potências”, ou então usando meios “não-convencionais”: a “guerra subversiva” (combinando as velhas tácticas da guerrilha com a doutrinação marxista e a pulsão nacionalista), o terrorismo e, agora, a “guerra informática”.
É bom que haja liberdade de crítica e “contra-pesos” que mantenham em respeito os tecnocratas estatais. Sem isso, a tendência para os abusos do poder seria ainda muito maior. Mas os mandantes dos grandes interesses (que não são apenas económicos) também usam essa mesma liberdade para os seus interesses particulares.
Estes jornalistas-Robin-dos-bosques do “WikiLeaks” em que campo se situarão? Pretenderão realmente ser parte de um controlo público sobre os desmandos eventuais da administração americana ou, por uma ou outra razão, estarão antes do lado dos radicais islâmicos, dos sobreviventes do comunismo leninista ou dos nacionalismos autoritários que por aí persistem? A tanto levará a antipatia por uma economia liberal e um regime democrático que os sustenta e respeita?
JF / 24.Out.2010
É bom que haja liberdade de crítica e “contra-pesos” que mantenham em respeito os tecnocratas estatais. Sem isso, a tendência para os abusos do poder seria ainda muito maior. Mas os mandantes dos grandes interesses (que não são apenas económicos) também usam essa mesma liberdade para os seus interesses particulares.
Estes jornalistas-Robin-dos-bosques do “WikiLeaks” em que campo se situarão? Pretenderão realmente ser parte de um controlo público sobre os desmandos eventuais da administração americana ou, por uma ou outra razão, estarão antes do lado dos radicais islâmicos, dos sobreviventes do comunismo leninista ou dos nacionalismos autoritários que por aí persistem? A tanto levará a antipatia por uma economia liberal e um regime democrático que os sustenta e respeita?
JF / 24.Out.2010
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Lanza del Vasto
«Uma das coisas que mais me impressionou em Lanza del Vasto foi isto, de entre os vários ‘profetas’ do meu tempo, foi dos poucos – o único que conheci – que acompanhou o seu pensamento com a sua maneira de viver.»
Assim se refere António Alçada Baptista, no seu livro Pesca à Linha, algumas memórias, de 1998, ao autor de Peregrinação às Fontes, obra fundamental de Lanza del Vasto escrita entre 1936 e 1938, com primeira edição em França em 1943, e agora finalmente e pela primeira vez publicada em tradução portuguesa, que estará muito em breve disponível.
A pretexto do livro, embora não ainda sobre ele, um debate de pré-lançamento ocorre no Porto na terça 12 de outubro às 18:00 na Sala da Orquestra da Universidade Católica Portuguesa na Foz, Rua Diogo Botelho, nº 1.327. O debate, sobre Guerra, Paz e Não Violência, tem a participação de: Jorge Leandro Rosa e Jorge Teixeira da Cunha (professores universitários), Mário Brochado Coelho (advogado) e Pedro Jorge Pereira (animador da lista eletrónica Mahatma Gandhi).
Nessa obra, Lanza del Vasto, além de narrar de modo apaixonante todo um percurso pela Índia e a sua peregrinação às fontes do rio Ganges, situa no seu encontro com Gandhi os fundamentos de uma nova visão para um futuro do Ocidente liberto da guerra e baseado na não-violência.
Em apoio dessa edição portuguesa, foi lançada em Fevereiro de 2010 uma pequena campanha que consiste na compra antecipada, ou pré-compra, por parte de quem queira aderir e apoiar, de um ou vários exemplares. O editor compromete-se a entregar a obra aos pré-compradores, até 30 de Novembro salvo caso de força maior.
Todas as informações em:
http://www.sempreempe.pt/peregrinacao
Convidamos a aderir a esta campanha e a divulgá-la junto dos seus amigos.
Cordialmente, agradece a atenção
José Carlos Costa Marques
Assim se refere António Alçada Baptista, no seu livro Pesca à Linha, algumas memórias, de 1998, ao autor de Peregrinação às Fontes, obra fundamental de Lanza del Vasto escrita entre 1936 e 1938, com primeira edição em França em 1943, e agora finalmente e pela primeira vez publicada em tradução portuguesa, que estará muito em breve disponível.
A pretexto do livro, embora não ainda sobre ele, um debate de pré-lançamento ocorre no Porto na terça 12 de outubro às 18:00 na Sala da Orquestra da Universidade Católica Portuguesa na Foz, Rua Diogo Botelho, nº 1.327. O debate, sobre Guerra, Paz e Não Violência, tem a participação de: Jorge Leandro Rosa e Jorge Teixeira da Cunha (professores universitários), Mário Brochado Coelho (advogado) e Pedro Jorge Pereira (animador da lista eletrónica Mahatma Gandhi).
Nessa obra, Lanza del Vasto, além de narrar de modo apaixonante todo um percurso pela Índia e a sua peregrinação às fontes do rio Ganges, situa no seu encontro com Gandhi os fundamentos de uma nova visão para um futuro do Ocidente liberto da guerra e baseado na não-violência.
Em apoio dessa edição portuguesa, foi lançada em Fevereiro de 2010 uma pequena campanha que consiste na compra antecipada, ou pré-compra, por parte de quem queira aderir e apoiar, de um ou vários exemplares. O editor compromete-se a entregar a obra aos pré-compradores, até 30 de Novembro salvo caso de força maior.
Todas as informações em:
http://www.sempreempe.pt/peregrinacao
Convidamos a aderir a esta campanha e a divulgá-la junto dos seus amigos.
Cordialmente, agradece a atenção
José Carlos Costa Marques
terça-feira, 5 de outubro de 2010
República e democracia
É interessante comemorar o centenário da República em Portugal (na altura, apenas a 3ª existente na Europa) porque, apesar de todas as ilusões e disparates, foi ela que definitivamente acabou com essa ideia peregrina de um Povo ser visto como propriedade de uma Família, por muito ilustre que esta pudesse ser.
Mas os republicanos logo instalaram entre si uma luta sem tréguas pelo poder, permitiram a criação de um clima de violência nas ruas, agravaram a situação já péssima das finanças públicas e usaram de todos os meios repressivos do Estado para conter os movimentos operários e camponeses bem como as revoltas coloniais. E se foram relativamente tolerantes para com os monárquicos, foram-no menos para com os católicos e a Igreja. O resultado foi o retrocesso de 1926 e quase meio-século de ditadura branda.
O 25 de Abril de 1974 teve muitas parecenças com a revolução do 5 de Outubro. Temos de novo liberdade, mais democracia e Estado social, mas também uma verdadeira partidocracia e as contas públicas pelas ruas da amargura. Monárquicos, há-os por todo o lado, mas já deixaram de pensar na restauração. Felizmente, temos tido paz, além de um enriquecimento ilusório, que nos vai sair muito caro.
Mas, apesar de tudo: viva a República!
JF / 5.Out.2010
Mas os republicanos logo instalaram entre si uma luta sem tréguas pelo poder, permitiram a criação de um clima de violência nas ruas, agravaram a situação já péssima das finanças públicas e usaram de todos os meios repressivos do Estado para conter os movimentos operários e camponeses bem como as revoltas coloniais. E se foram relativamente tolerantes para com os monárquicos, foram-no menos para com os católicos e a Igreja. O resultado foi o retrocesso de 1926 e quase meio-século de ditadura branda.
O 25 de Abril de 1974 teve muitas parecenças com a revolução do 5 de Outubro. Temos de novo liberdade, mais democracia e Estado social, mas também uma verdadeira partidocracia e as contas públicas pelas ruas da amargura. Monárquicos, há-os por todo o lado, mas já deixaram de pensar na restauração. Felizmente, temos tido paz, além de um enriquecimento ilusório, que nos vai sair muito caro.
Mas, apesar de tudo: viva a República!
JF / 5.Out.2010
domingo, 3 de outubro de 2010
Efeitos da crise
Em Março, escrevia-se aqui que “é quase certo que haverá um PEC-II e talvez um PEC-III, com uma crise política pelo meio, para evitar que se chegue a algum ‘plano de falência’.” Estas fáceis previsões vão-se cumprindo, mais coisa menos coisa. Agora (dizem que tardiamente) vêm as primeiras medidas duras que atingem os rendimentos de que vivem grandes sectores da população; funcionários públicos, aposentados, beneficiários de apoios sociais, classe média. E não sabemos quais serão os efeitos dos cortes nos investimentos e nas despesas de funcionamento de muitos serviços públicos, nem os seus impactos numa economia (privada) que está anémica e já não vai recuperar a base industrial que perdeu.
Mas as grandes crises económicas, como esta que vivemos, têm sempre duas faces. A ‘face má’ incluirá certamente:
- situações aflitivas de pobreza e miséria para mais de um quinto da população;
- alto nível de desemprego, com enormes dificuldades de sobrevivência para as pessoas mais idosas e de baixa qualificação quando acaba o subsídio, e inserção ainda mais difícil dos jovens na vida activa;
- agudização da concorrência pelos postos de trabalho disponíveis, com depreciação dos salários, fuga fiscal, aumento do recurso à ‘economia subterrânea’ e eventuais reacções de xenofobia;
- incapacidade de muitos para pagarem os créditos contraídos, em particular para a aquisição de habitação própria;
- riscos de aproveitamento político no sentido de soluções nacionalistas/autoritárias.
A ‘face boa’ da crise pode apresentar aspectos como:
- saída do mercado de empresários incompetentes e empresas sem viabilidade, que só sobreviviam de expedientes ou apoios públicos;
- estimulação das empresas competitivas e inovadoras, em particular as capazes de actuar nos mercados externos;
- reforma obrigada da administração do Estado e dos serviços de interesse público, no sentido de melhor eficiência;
- redução das subsidiações, dependências e favores políticos, à custo do erário público, criando uma concorrência mais sã e com maior verdade dos preços;
- restrição dos níveis de ambição de consumo por parte das famílias, propiciando uma revisão de objectivos de vida mais modestos e realistas;
- maior pressão do criticismo geral contra as disparidades económicas exageradas entre ricos e pobres, levando as grandes fortunas e os altos gestores (em grande medida, responsáveis pela crise actual) a uma atitude mais cautelosa e atenta ao mundo em que todos estamos inseridos.
JF / 3.Out.2010
Mas as grandes crises económicas, como esta que vivemos, têm sempre duas faces. A ‘face má’ incluirá certamente:
- situações aflitivas de pobreza e miséria para mais de um quinto da população;
- alto nível de desemprego, com enormes dificuldades de sobrevivência para as pessoas mais idosas e de baixa qualificação quando acaba o subsídio, e inserção ainda mais difícil dos jovens na vida activa;
- agudização da concorrência pelos postos de trabalho disponíveis, com depreciação dos salários, fuga fiscal, aumento do recurso à ‘economia subterrânea’ e eventuais reacções de xenofobia;
- incapacidade de muitos para pagarem os créditos contraídos, em particular para a aquisição de habitação própria;
- riscos de aproveitamento político no sentido de soluções nacionalistas/autoritárias.
A ‘face boa’ da crise pode apresentar aspectos como:
- saída do mercado de empresários incompetentes e empresas sem viabilidade, que só sobreviviam de expedientes ou apoios públicos;
- estimulação das empresas competitivas e inovadoras, em particular as capazes de actuar nos mercados externos;
- reforma obrigada da administração do Estado e dos serviços de interesse público, no sentido de melhor eficiência;
- redução das subsidiações, dependências e favores políticos, à custo do erário público, criando uma concorrência mais sã e com maior verdade dos preços;
- restrição dos níveis de ambição de consumo por parte das famílias, propiciando uma revisão de objectivos de vida mais modestos e realistas;
- maior pressão do criticismo geral contra as disparidades económicas exageradas entre ricos e pobres, levando as grandes fortunas e os altos gestores (em grande medida, responsáveis pela crise actual) a uma atitude mais cautelosa e atenta ao mundo em que todos estamos inseridos.
JF / 3.Out.2010
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Quatro formas sucessivas de arrogância
Nos comportamentos humanos, há de tudo, já se sabe, incluindo a arrogância com que alguns se assumem na casualidade que os beneficiou e que os leva a votar um desprezo profundo por todos os outros que não compartilham dessa ventura.
Lembremos o caso, muito antigo, dos profetas e daqueles a quem Deus faz revelações. Como Deus não tem laringe, são eles o seu porta-voz, através de quem se prescrevem normas impositivas para todos os Homens, se define a Justiça e se sacralizam alguns, deitando outros às chamas do inferno. Haja ou não doença esquizofrénica, o certo é que o seu poder é apenas limitado pelo Além, o que lhes confere uma ascensão inaudita entre os seres humanos. Contudo, a arrogância que se poderia prever é aqui travada, logo à partida, por outras fortes exigências, geralmente ligadas ao amor e à natureza divina da bondade.
Muito mais próximo de nós, a arrogância aristocrática data apenas do último milénio e já pode ser encarada e compreendida pela história, seja no teatro europeu-mediterrânico, seja no panorama asiático, ou mesmo em África, embora de forma mais rústica. A aristocracia perdeu definitivamente o poder político no tempo dos nossos avós (ou bisavós), pelo que já não pode mandar banir ou decepar os seus adversários, nem ser misericordiosa para com os arrependidos. Vive hoje muitas vezes a crédito, tendo tido que se converter aos incómodos do trabalho e dos negócios, ou às “reservas” onde os paparazzi os cercam, o que – convenhamos – é um bem triste fim.
Os ricos da burguesia histórica ou produzidos pela mobilidade social e o capitalismo são, frequentemente, portadores daquele tipo de arrogância que as artes e a liberdade crítica desde há muito se treinaram em desmascarar ou ridicularizar. Já não é a arrogância do gesto pausado da varanda de Buckingham Palace, mas a arrogância do “quanto custa?” e do “I buy it”. Dá para muito, mas não para reconquistar a subtileza da corte ou a força das genealogias.
Finalmente, temos hoje uma última forma de arrogância (e correspondente desprezo pelos excluídos, a maioria) que está presente nos detentores do saber científico. Aqui, não contam as posses nem o nome da família, mas sim as capacidades próprias e as redes relacionais. Fascinados com a necessidade que o poder político (e quem o disputa), ou a própria sociedade, têm dos resultados da sua investigação, muitos cientistas tendem a esquecer como é pequenino o seu contributo no processo de acumulação do conhecimento e face à vastidão do que ainda não sabemos (para já não falar das descobertas que desembocam em lugar nenhum). E, assim, agregam à arrogância teórica, a vaidade e a inveja que já Camões glosava nos do seu tempo.
JF / 29.Set.2010
Lembremos o caso, muito antigo, dos profetas e daqueles a quem Deus faz revelações. Como Deus não tem laringe, são eles o seu porta-voz, através de quem se prescrevem normas impositivas para todos os Homens, se define a Justiça e se sacralizam alguns, deitando outros às chamas do inferno. Haja ou não doença esquizofrénica, o certo é que o seu poder é apenas limitado pelo Além, o que lhes confere uma ascensão inaudita entre os seres humanos. Contudo, a arrogância que se poderia prever é aqui travada, logo à partida, por outras fortes exigências, geralmente ligadas ao amor e à natureza divina da bondade.
Muito mais próximo de nós, a arrogância aristocrática data apenas do último milénio e já pode ser encarada e compreendida pela história, seja no teatro europeu-mediterrânico, seja no panorama asiático, ou mesmo em África, embora de forma mais rústica. A aristocracia perdeu definitivamente o poder político no tempo dos nossos avós (ou bisavós), pelo que já não pode mandar banir ou decepar os seus adversários, nem ser misericordiosa para com os arrependidos. Vive hoje muitas vezes a crédito, tendo tido que se converter aos incómodos do trabalho e dos negócios, ou às “reservas” onde os paparazzi os cercam, o que – convenhamos – é um bem triste fim.
Os ricos da burguesia histórica ou produzidos pela mobilidade social e o capitalismo são, frequentemente, portadores daquele tipo de arrogância que as artes e a liberdade crítica desde há muito se treinaram em desmascarar ou ridicularizar. Já não é a arrogância do gesto pausado da varanda de Buckingham Palace, mas a arrogância do “quanto custa?” e do “I buy it”. Dá para muito, mas não para reconquistar a subtileza da corte ou a força das genealogias.
Finalmente, temos hoje uma última forma de arrogância (e correspondente desprezo pelos excluídos, a maioria) que está presente nos detentores do saber científico. Aqui, não contam as posses nem o nome da família, mas sim as capacidades próprias e as redes relacionais. Fascinados com a necessidade que o poder político (e quem o disputa), ou a própria sociedade, têm dos resultados da sua investigação, muitos cientistas tendem a esquecer como é pequenino o seu contributo no processo de acumulação do conhecimento e face à vastidão do que ainda não sabemos (para já não falar das descobertas que desembocam em lugar nenhum). E, assim, agregam à arrogância teórica, a vaidade e a inveja que já Camões glosava nos do seu tempo.
JF / 29.Set.2010
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Guerra informática
A imprensa internacional de hoje relata um suposto ataque informático que já afectaria 30.000 computadores no Irão, que não seria obra de piratas mas o resultado de uma acção premeditada de entidades estatais, que várias vozes apontam como sendo os Estados Unidos ou Israel.
O “vírus” Stuxnet teria a particularidade de atacar prioritariamente os programas informáticos de gestão das indústrias. Seriam seus alvos predilectos as grandes instalações de tratamento de águas, de abastecimento de energia eléctrica, de regulação de tráfegos, oleodutos, centrais nucleares, etc.
É claro que as autoridades persas já afirmaram que se trata de “uma parte da cirber-guerra do Ocidente contra o Irão”, mas isso entra no campo da intoxicação informativa.
Como quer que seja, o certo é que os sistemas informáticos tomaram uma posição absolutamente nevrálgica em todos os países do mundo e, havendo conflitos abertos entre estados, é lógico que constituam (simultaneamente) mais um alvo e um instrumento, que pode ser usado com intuitos destrutivos, de forma discreta, com ou sem aspecto de pirataria.
A sofisticação tecnológica tem destas consequências. Pode produzir efeitos devastadores sobre a vida quotidiana de milhões de pessoas sem se dar a conhecer e sem a brutalidade da violência e do sangue. Mas não deixa de ser guerra.
JF/28.Set.2010
O “vírus” Stuxnet teria a particularidade de atacar prioritariamente os programas informáticos de gestão das indústrias. Seriam seus alvos predilectos as grandes instalações de tratamento de águas, de abastecimento de energia eléctrica, de regulação de tráfegos, oleodutos, centrais nucleares, etc.
É claro que as autoridades persas já afirmaram que se trata de “uma parte da cirber-guerra do Ocidente contra o Irão”, mas isso entra no campo da intoxicação informativa.
Como quer que seja, o certo é que os sistemas informáticos tomaram uma posição absolutamente nevrálgica em todos os países do mundo e, havendo conflitos abertos entre estados, é lógico que constituam (simultaneamente) mais um alvo e um instrumento, que pode ser usado com intuitos destrutivos, de forma discreta, com ou sem aspecto de pirataria.
A sofisticação tecnológica tem destas consequências. Pode produzir efeitos devastadores sobre a vida quotidiana de milhões de pessoas sem se dar a conhecer e sem a brutalidade da violência e do sangue. Mas não deixa de ser guerra.
JF/28.Set.2010
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Cuba despede 500 mil funcionários públicos
Notícia que se transcreve integralmente do jornal Público, de hoje (pág. 20). São desnecessários quaisquer comentários. Que cada um julgue:
“O Governo de Cuba vai avançar com o despedimento de “pelo menos” 500 mil funcionários dos quadros estatais durante os próximos seis meses e permitir que esses trabalhadores se dediquem a outras actividades no sector privado, anunciou ontem a Central de Trabalhadores de Cuba (CTC), a federação oficial de sindicatos do país.
A medida foi apresentada como “uma oportunidade para o exercício do empreendedorismo e da iniciativa própria” e não como uma resposta à difícil situação financeira da ilha. “O nosso estado não pode nem deve continuar a manter meios de produção e companhias da área dos serviços com quadros inflacionados e prejuízos na sua actividade”, referiu a central sindical, acrescentando que estão asseguradas alternativas para os trabalhadores despedidos, quer com o “alargamento das possibilidades de emprego não-estatal” como o aluguer de terrenos agrícolas ou a participação [em] cooperativas, quer com a emissão de 250 mil novas licenças para o “auto-emprego” até ao final de 2011. O Presidente Raúl Castro antecipara, no mês passado, a dispensa de um milhão de funcionários públicos mas garantira que o plano seria executado em cinco anos.”
14.Set.2010
“O Governo de Cuba vai avançar com o despedimento de “pelo menos” 500 mil funcionários dos quadros estatais durante os próximos seis meses e permitir que esses trabalhadores se dediquem a outras actividades no sector privado, anunciou ontem a Central de Trabalhadores de Cuba (CTC), a federação oficial de sindicatos do país.
A medida foi apresentada como “uma oportunidade para o exercício do empreendedorismo e da iniciativa própria” e não como uma resposta à difícil situação financeira da ilha. “O nosso estado não pode nem deve continuar a manter meios de produção e companhias da área dos serviços com quadros inflacionados e prejuízos na sua actividade”, referiu a central sindical, acrescentando que estão asseguradas alternativas para os trabalhadores despedidos, quer com o “alargamento das possibilidades de emprego não-estatal” como o aluguer de terrenos agrícolas ou a participação [em] cooperativas, quer com a emissão de 250 mil novas licenças para o “auto-emprego” até ao final de 2011. O Presidente Raúl Castro antecipara, no mês passado, a dispensa de um milhão de funcionários públicos mas garantira que o plano seria executado em cinco anos.”
14.Set.2010
domingo, 12 de setembro de 2010
Liberdade e sinais particulares
Há umas décadas atrás os Bilhetes de Identidade incluíam uma rubrica designada Sinais Particulares onde as autoridades inscreviam, quando era o caso, observações como: “estrábico”, “coxo da perna esquerda”, “sinal protuberante na testa”, “falta do dedo indicador da mão direita”, “tatuagem no ante-braço esquerdo com inscrição amor de mãe”, etc. Eram marcas corporais indisfarçáveis, às vezes marcas penalizantes da natureza, mas que sempre podiam servir para a identificação (e a acusação) de um suspeito de qualquer crime ou delito.
Porque todos procuramos fugir à estigmatização social, era sempre com alívio quando víamos que o burocrata de serviço tinha aposto em tal rubrica do nosso BI um “Nada” ou um mero rabisco a tinta vermelha. E considerávamos geralmente uma parvoíce ou estupidez aquelas figuras bizarras de marítimos ou de blobe-trotters que faziam gala em tatuar um pedaço da sua pele.
Hoje, milhares de jovens (e de menos jovens) bricam visualmente com a superfície do seu corpo como se fosse papel-cenário, que se pinta e deita fora. Nem lhes passa pela cabeça que se estejam a desrespeitar a si próprios! É apenas giro, nice. A mim, ocorrem-me as gravações de identificação que os nazis faziam nos braços dos seus detidos em campos de concentração, e sinto náuseas. Oferecer voluntariamente marcas corporais que nos identificam irrecusável e definitivamente perante uma qualquer polícia impiedosa, um ‘big brother’? Sem nos dar sequer a oportunidade de explicarmos que se trata de um equívoco, de uma troca de nomes? Só de loucos! É, contudo, a prova de que, para o melhor e para o pior, vivemos hoje num verdadeiro “reino da liberdade”, onde as pessoas já não temem ser identificadas nem se sentem estigmatizadas por alguma conspícua marca corporal.
Mas, se calhar, perante a avalancha do fenómeno, já nem hoje as polícias (criminais ou políticas) olham muito para os Sinais Particulares dos suspeitos. (A propósito, será que os comandos da PSP aceitam que os seus agentes se tatuem?)
JF / 12.Set.2010
Porque todos procuramos fugir à estigmatização social, era sempre com alívio quando víamos que o burocrata de serviço tinha aposto em tal rubrica do nosso BI um “Nada” ou um mero rabisco a tinta vermelha. E considerávamos geralmente uma parvoíce ou estupidez aquelas figuras bizarras de marítimos ou de blobe-trotters que faziam gala em tatuar um pedaço da sua pele.
Hoje, milhares de jovens (e de menos jovens) bricam visualmente com a superfície do seu corpo como se fosse papel-cenário, que se pinta e deita fora. Nem lhes passa pela cabeça que se estejam a desrespeitar a si próprios! É apenas giro, nice. A mim, ocorrem-me as gravações de identificação que os nazis faziam nos braços dos seus detidos em campos de concentração, e sinto náuseas. Oferecer voluntariamente marcas corporais que nos identificam irrecusável e definitivamente perante uma qualquer polícia impiedosa, um ‘big brother’? Sem nos dar sequer a oportunidade de explicarmos que se trata de um equívoco, de uma troca de nomes? Só de loucos! É, contudo, a prova de que, para o melhor e para o pior, vivemos hoje num verdadeiro “reino da liberdade”, onde as pessoas já não temem ser identificadas nem se sentem estigmatizadas por alguma conspícua marca corporal.
Mas, se calhar, perante a avalancha do fenómeno, já nem hoje as polícias (criminais ou políticas) olham muito para os Sinais Particulares dos suspeitos. (A propósito, será que os comandos da PSP aceitam que os seus agentes se tatuem?)
JF / 12.Set.2010
domingo, 5 de setembro de 2010
Três temas diferentes
É absolutamente dramática a situação que vivem os trinta e tal mineiros no Chile, encurralados a 700 metros de profundidade e que terão ainda de esperar longas semanas até um possível salvamento.
Como em outros trabalhos de elevadíssimo risco físico, tudo deve ser feito para reduzir ao mínimo a possibilidade de ocorrência de acidentes destes. É essa uma preocupação maior dos dirigentes e responsáveis de tais empreendimentos? Será essa uma orientação decisiva que guia as autoridades oficiais que licenciam e fiscalizam estas actividades? E não haverá maneira de substituir estas acções humanas por robôs mecânicos tele-comandados?
Durante dois dias Maputo foi de novo palco de uma “revolta da fome”, que também se estendeu à cidade da Beira. As autoridades governamentais de Moçambique terão dito às suas forças de segurança para “repor a ordem” e estas actuaram da única maneira como provavelmente o sabem fazer: varrendo as multidões das ruas com balas e deixando uma dezena de mortos e muitos mais feridos no terreno, pelo menos.
Pode ser que haja também maquinações políticas, agitação de antigos militares com os bolsos vazios dos meticais que lhes teriam prometido ou formas modernas de mobilização através de telemóveis e das redes de contacto horizontais que estas possibilitam.
Mas o que é certo é que estas populações proletarizadas dos subúrbios vivem em condições económicas de grande escassez ao mesmo tempo que, a dois passos delas, se exibem os “grandes da terra”, nacionais e estrangeiros, dourando ao sol nas praias do Xai-Xai ou do Bilene ou bebendo wisky na esplanado do Polana. E a um passo, ao alcance do botão da televisão, elas “vêem” a riqueza e a ostentação das nossas sociedades ocidentais. Não é isto, por vezes, insuportável?
Finalmente, em Lisboa, um tribunal criminal de 1ª instância condenou seis dos acusados no caso de pedofilia da Casa Pia, entre os quais os senhores Cruz, Ritto, Dinis, Abrantes e Silvino, este o mais desgraçado de toda esta história, porque vítima dos mesmos abusos desde criança na instituição, incluindo por parte de um padre-capelão.
Fala-se nos jornais de outros nomes (sobretudo de Pedroso), cuja inserção no mundo da política lhes teria valido o facto de se não sentarem também no banco dos réus.
Nunca se saberá ao certo o que de facto se passou. A Justiça portuguesa – tão abalada no seu prestígio, independência e eficácia – sai um pouco com imagem melhorada deste processo. Seria contudo trágico se se viesse a espalhar a convicção de que estes réus teriam razão quanto aos erros judiciários que reclamam ou que, por meros argumentos processuais, acabassem por ficar impunes dos crimes que terão cometido.
JF / 5.Set.2010
Como em outros trabalhos de elevadíssimo risco físico, tudo deve ser feito para reduzir ao mínimo a possibilidade de ocorrência de acidentes destes. É essa uma preocupação maior dos dirigentes e responsáveis de tais empreendimentos? Será essa uma orientação decisiva que guia as autoridades oficiais que licenciam e fiscalizam estas actividades? E não haverá maneira de substituir estas acções humanas por robôs mecânicos tele-comandados?
Durante dois dias Maputo foi de novo palco de uma “revolta da fome”, que também se estendeu à cidade da Beira. As autoridades governamentais de Moçambique terão dito às suas forças de segurança para “repor a ordem” e estas actuaram da única maneira como provavelmente o sabem fazer: varrendo as multidões das ruas com balas e deixando uma dezena de mortos e muitos mais feridos no terreno, pelo menos.
Pode ser que haja também maquinações políticas, agitação de antigos militares com os bolsos vazios dos meticais que lhes teriam prometido ou formas modernas de mobilização através de telemóveis e das redes de contacto horizontais que estas possibilitam.
Mas o que é certo é que estas populações proletarizadas dos subúrbios vivem em condições económicas de grande escassez ao mesmo tempo que, a dois passos delas, se exibem os “grandes da terra”, nacionais e estrangeiros, dourando ao sol nas praias do Xai-Xai ou do Bilene ou bebendo wisky na esplanado do Polana. E a um passo, ao alcance do botão da televisão, elas “vêem” a riqueza e a ostentação das nossas sociedades ocidentais. Não é isto, por vezes, insuportável?
Finalmente, em Lisboa, um tribunal criminal de 1ª instância condenou seis dos acusados no caso de pedofilia da Casa Pia, entre os quais os senhores Cruz, Ritto, Dinis, Abrantes e Silvino, este o mais desgraçado de toda esta história, porque vítima dos mesmos abusos desde criança na instituição, incluindo por parte de um padre-capelão.
Fala-se nos jornais de outros nomes (sobretudo de Pedroso), cuja inserção no mundo da política lhes teria valido o facto de se não sentarem também no banco dos réus.
Nunca se saberá ao certo o que de facto se passou. A Justiça portuguesa – tão abalada no seu prestígio, independência e eficácia – sai um pouco com imagem melhorada deste processo. Seria contudo trágico se se viesse a espalhar a convicção de que estes réus teriam razão quanto aos erros judiciários que reclamam ou que, por meros argumentos processuais, acabassem por ficar impunes dos crimes que terão cometido.
JF / 5.Set.2010
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Preservar a memória da cultura marítima tradicional
Como em tantos outros domínios, é importante preservar marcas ilustrativas do património (material e imaterial) de culturas que a vida moderna destruiu, como é o caso das culturas marítimas, particularmente num país como Portugal. Embarcações, artes de pesca e modos de vida das comunidades piscatórias; faróis costeiros e obras portuárias de atracação e de construção de navios; tecidos urbano-ribeirinhos onde se faziam as trocas de comércio e de convívio dos embarcadiços com a terra; museus náuticos e armas navais, etc. – de tudo isso é preciso cuidar um pouco para que restem memórias vivas das grandezas e misérias do passado.
A “Marinha do Tejo” é uma iniciativa da sociedade civil para ajudar a conservar esse património, referindo-se em particular às embarcações de vela tradicionais que no passado sulcavam este grande rio, pescando ou transportando cargas e pessoas, e de que existem ainda algumas dezenas de exemplares de diferentes tipos.
Ontem, mais de uma vintena desses veleiros sulcaram as águas do Tejo, entre o Parque das Nações e o cais da Moita, numa regata amigável em comemoração do centenário da República.
Felizmente, já não se pode dizer “Que pena me faz ver este Tejo […] sem que nele naveguem aos milhares, sob um céu incomparável, os filhos deste país de marinheiros”.
Mas esta iniciativa foi apenas vista directamente e usufruída por algumas centenas de pessoas, o que é pouco para o significado que ela encerra e diz muito do que ainda falta fazer neste domínio.
JF / 30.Ago.2010
A “Marinha do Tejo” é uma iniciativa da sociedade civil para ajudar a conservar esse património, referindo-se em particular às embarcações de vela tradicionais que no passado sulcavam este grande rio, pescando ou transportando cargas e pessoas, e de que existem ainda algumas dezenas de exemplares de diferentes tipos.
Ontem, mais de uma vintena desses veleiros sulcaram as águas do Tejo, entre o Parque das Nações e o cais da Moita, numa regata amigável em comemoração do centenário da República.
Felizmente, já não se pode dizer “Que pena me faz ver este Tejo […] sem que nele naveguem aos milhares, sob um céu incomparável, os filhos deste país de marinheiros”.
Mas esta iniciativa foi apenas vista directamente e usufruída por algumas centenas de pessoas, o que é pouco para o significado que ela encerra e diz muito do que ainda falta fazer neste domínio.
JF / 30.Ago.2010
domingo, 22 de agosto de 2010
Incêndios florestais: mexidas que se impõem no direito de propriedade
Com mais um Verão de elevadas temperaturas, aí voltou o flagelo dos incêndios nas florestas. Os prejuízos são muitos, de vária natureza e suficientemente conhecidos. Os beneficiários, talvez alguns, que não deviam ficar a rir-se.
A estratégia seguida pelos sucessivos governos de melhorar os meios de resposta e socorro é provavelmente indispensável mas não resolverá nunca o problema (à parte o fortalecimento do ego dos bombeiros e a satisfação de alguns interesses acoitados no fornecimento de equipamentos e na prestação desses serviços).
Parece certo que há, em Portugal, floresta A MAIS, resultado do interesse dos proprietários e utilizadores industriais dos produtos lenhosos e do laxismo das políticas do Estado neste domínio. Por outro lado, a rarefação e envelhecimento das populações rurais tornaram já impossível que sejam elas a cuidar dos seus pinhais e eucaliptais.
Como é impensável entre nós uma apropriação estatizante dos solos rurais, parece evidente que uma gestão apropriada e racional da importante riqueza florestal do país terá que ser feita na base de empresas especializadas, com escala económica suficiente mas também em relação de proximidade com os terrenos e os seus proprietários, em concorrência entre si e em regime de concessão de exploração por determinado número de anos, impondo ainda os poderes públicos as condições ecológicas, silvícolas e de segurança mais adequadas a cada região.
Os proprietários que não quisessem ou pudessem proceder à exploração das suas matas (nos mesmos termos tecnicamente aconselhados), teriam de consentir – por via de imposição legislativa, já se vê – que ela fosse executada pelas tais empresas concessionárias, recebendo uma quota-parte justa dos resultados dessa actividade económica: uma espécie de arrendamento forçado. Os direitos essenciais da propriedade privada – a venda, a herança, a exploração própria, etc. – seriam mantidos, mas não seria mais consentida a POSSE DESLEIXADA OU DESORDENADA.
Todos os direitos têm os seus limites, quando conflituam com outros direitos igualmente legítimos. Porque é que isso não haveria de aplicar-se neste caso em que, além de pessoas e bens concretamente ameaçados e destruídos, sobrelevam ainda interesses sociais e ambientais de toda a colectividade?
JF / 22.Ago.2010
A estratégia seguida pelos sucessivos governos de melhorar os meios de resposta e socorro é provavelmente indispensável mas não resolverá nunca o problema (à parte o fortalecimento do ego dos bombeiros e a satisfação de alguns interesses acoitados no fornecimento de equipamentos e na prestação desses serviços).
Parece certo que há, em Portugal, floresta A MAIS, resultado do interesse dos proprietários e utilizadores industriais dos produtos lenhosos e do laxismo das políticas do Estado neste domínio. Por outro lado, a rarefação e envelhecimento das populações rurais tornaram já impossível que sejam elas a cuidar dos seus pinhais e eucaliptais.
Como é impensável entre nós uma apropriação estatizante dos solos rurais, parece evidente que uma gestão apropriada e racional da importante riqueza florestal do país terá que ser feita na base de empresas especializadas, com escala económica suficiente mas também em relação de proximidade com os terrenos e os seus proprietários, em concorrência entre si e em regime de concessão de exploração por determinado número de anos, impondo ainda os poderes públicos as condições ecológicas, silvícolas e de segurança mais adequadas a cada região.
Os proprietários que não quisessem ou pudessem proceder à exploração das suas matas (nos mesmos termos tecnicamente aconselhados), teriam de consentir – por via de imposição legislativa, já se vê – que ela fosse executada pelas tais empresas concessionárias, recebendo uma quota-parte justa dos resultados dessa actividade económica: uma espécie de arrendamento forçado. Os direitos essenciais da propriedade privada – a venda, a herança, a exploração própria, etc. – seriam mantidos, mas não seria mais consentida a POSSE DESLEIXADA OU DESORDENADA.
Todos os direitos têm os seus limites, quando conflituam com outros direitos igualmente legítimos. Porque é que isso não haveria de aplicar-se neste caso em que, além de pessoas e bens concretamente ameaçados e destruídos, sobrelevam ainda interesses sociais e ambientais de toda a colectividade?
JF / 22.Ago.2010
sábado, 24 de julho de 2010
Ainda Espanha
J., lindo texto sobre a minha querida España. Este sentimento contraditório de pertença e diferença, que une e desune desde tempos imemoriais esta nossa vizinha que, por vezes, procurou em nós a forma de fazer esquecer os problemas que leva dentro de si. Nós pelo contrário pobrezinhos e tristes, cunhados no complexo de Édipo que nos gerou, acabámos embalados por brandos costumes, falta de ambição e querer, apaziguados pelo destino que Deus por Sua glória nos entendeu conceder neste mundo – também aqui o futebol serve às mil maravilhas para nos comparar e distinguir – que as nossas touradas sempre foram menos sanguinolentas é certo – coisas de gente chique e não do vil e reles povo – mas em compensação bem menos nobres… O nosso tempo de glória e conquista tem fogachos, acendalhas de bravura e feitos históricos, momentos de orgulho e depressão nacional (e nisto também nada termos de hermanos, por supuesto).
Mas o risco de implosão não vem só do lado, vem de todos os lados. Todos nós estamos sobre o barril de pólvora da implosão. Eu apoio o Senhor Zapatero por brindar “não as supostas vanguardas com medidas de ruptura cultural que ofenderam a população mais tradicional, a igreja católica ou o mundo taurino, e inquietaram o exército”, mas toda a España. Mais convicto e verdadeiro a este propósito que o seu congénere português a quem esse efeito de diversión politica, efectivamente, se aplica. O Senhor Sócrates nisto e em tudo o mais só é comparável com uma espécie de mau remake do Senhor Zapatero, exemplar made in China. A transição democrática dos nossos vizinhos foi bonita mas não teve cravos vermelhos. Em contrapartida não cometeu os excessos próprios das utopias revolucionárias, não mandou capitalistas para a prisão nem perseguiu MRPPs que estão agora bem na vida, ou no PS ou PSD (recuperaram bastante bem do cárcere, portanto), não provocou a fuga de fortunas para o Brasil e não deixou como relíquia um PC à moda antiga. Parece que ao fim e ao cabo de todos foram estes os menos molestos Mas do outro lado da fronteira, depois de tudo, ainda ficou um Tejero, veio ao de cima a verdadeira natureza violenta do macho ibérico e à Igreja uma herança de bens infindos de poder transcendental e terrenal. De padres e freiras ainda não consta que haja escassez, tal a dimensão do stock acumulado. Ainda bem, pois, que as medidas de Zapatero ofenderam a população mais tradicional, porque a população mais tradicional ofendeu e quer continuar a ofender o respeito pelos mais elementares Direitos Humanos. A população tradicional de que falas só podem ser os filhos e filhas, bons e maus, de Falanguistas e de monseñor Josemaria Escrivá de Balaguer.
Uma última palavra para a Europa. Que se cuide sim, estou de acordo contigo. Porque nacionalismos e extremismos não faltam por ai. Não só em España mas por todo o lado e onde não existirem eles nascerão. Mas a culpa não é das nações europeias (eu defendo as nações europeias e ibéricas), elas ressurgirão, por todo o lado, uma e outra vez, como os talibãs. Alimentaram-se quando à “Europa” deu jeito – e à América – nas ex-Repúblicas Soviéticas, não esqueçamos, com a nossa ajuda, grande irresponsabilidade e não menor cinismo. Nisto o modelo europeu é um péssimo modelo…. Somos todos chineses!!! Mas elas estão também para cá do muro de Berlim, é bom não esquecer. Não desaparecerão, estão ai e não merece a pena metê-las debaixo do tapete. E isto não é só um problema de economia expansiva, é um problema de governança ou falta dela na Europa. Enquanto esta Europa e já agora a economia mundial continuar a ser governada pelos mercados e figuras como o Senhor Barroso, Merkel, Cameron, Berlusconi (ao Sócrates perdou-o porque já não governa) e Cª, a implosão não mora ao lado, mora por todo o lado.
Vítor Peña Ferreira / 22.Julho.2010
Mas o risco de implosão não vem só do lado, vem de todos os lados. Todos nós estamos sobre o barril de pólvora da implosão. Eu apoio o Senhor Zapatero por brindar “não as supostas vanguardas com medidas de ruptura cultural que ofenderam a população mais tradicional, a igreja católica ou o mundo taurino, e inquietaram o exército”, mas toda a España. Mais convicto e verdadeiro a este propósito que o seu congénere português a quem esse efeito de diversión politica, efectivamente, se aplica. O Senhor Sócrates nisto e em tudo o mais só é comparável com uma espécie de mau remake do Senhor Zapatero, exemplar made in China. A transição democrática dos nossos vizinhos foi bonita mas não teve cravos vermelhos. Em contrapartida não cometeu os excessos próprios das utopias revolucionárias, não mandou capitalistas para a prisão nem perseguiu MRPPs que estão agora bem na vida, ou no PS ou PSD (recuperaram bastante bem do cárcere, portanto), não provocou a fuga de fortunas para o Brasil e não deixou como relíquia um PC à moda antiga. Parece que ao fim e ao cabo de todos foram estes os menos molestos Mas do outro lado da fronteira, depois de tudo, ainda ficou um Tejero, veio ao de cima a verdadeira natureza violenta do macho ibérico e à Igreja uma herança de bens infindos de poder transcendental e terrenal. De padres e freiras ainda não consta que haja escassez, tal a dimensão do stock acumulado. Ainda bem, pois, que as medidas de Zapatero ofenderam a população mais tradicional, porque a população mais tradicional ofendeu e quer continuar a ofender o respeito pelos mais elementares Direitos Humanos. A população tradicional de que falas só podem ser os filhos e filhas, bons e maus, de Falanguistas e de monseñor Josemaria Escrivá de Balaguer.
Uma última palavra para a Europa. Que se cuide sim, estou de acordo contigo. Porque nacionalismos e extremismos não faltam por ai. Não só em España mas por todo o lado e onde não existirem eles nascerão. Mas a culpa não é das nações europeias (eu defendo as nações europeias e ibéricas), elas ressurgirão, por todo o lado, uma e outra vez, como os talibãs. Alimentaram-se quando à “Europa” deu jeito – e à América – nas ex-Repúblicas Soviéticas, não esqueçamos, com a nossa ajuda, grande irresponsabilidade e não menor cinismo. Nisto o modelo europeu é um péssimo modelo…. Somos todos chineses!!! Mas elas estão também para cá do muro de Berlim, é bom não esquecer. Não desaparecerão, estão ai e não merece a pena metê-las debaixo do tapete. E isto não é só um problema de economia expansiva, é um problema de governança ou falta dela na Europa. Enquanto esta Europa e já agora a economia mundial continuar a ser governada pelos mercados e figuras como o Senhor Barroso, Merkel, Cameron, Berlusconi (ao Sócrates perdou-o porque já não governa) e Cª, a implosão não mora ao lado, mora por todo o lado.
Vítor Peña Ferreira / 22.Julho.2010
segunda-feira, 19 de julho de 2010
Espanha, de Julho a Julho
Ontem, dia 18, os franquistas e o seu regime festejavam o “alzamiento”. Hoje, dia 19, os antifascistas celebram o levantamento popular das esquerdas que, em Madrid, Barcelona e outras cidades, travou o que estava planeado como devendo ser um golpe-de-estado militar, em 1936. É certo que se tratou de um genuíno gesto de revolta de séculos do povo deserdado contra a altivez e o desprezo que lhe votavam os “grandes de Espanha”, mas também aí se deu início a uma sangrenta guerra civil que se tornou num campo de manobras internacionais.
Com quatro décadas de ditadura e três de democracia, a Espanha voltou a ser um grande país na cena europeia. Tem recursos e condições para isso, mas também a espreitam algumas velhas ameaças: acima de tudo, a intolerância e o confronto.
Ao mesmo tempo que a despolitização cresce na população e o orgulho hispânico se enche com amplas realizações e ambições de grandeza, os nacionalismos internos, a luta partidária e a memória do franquismo trabalham, pelo contrário, para a desagregação e o enfraquecimento do próprio quadro europeu, no seu conjunto.
No meio da alegria dos campeões futebolísticos logo se viu a bandeira catalã exibida por dois dos seus jogadores. E na véspera, milhares de militantes haviam enchido as ruas de Barcelona para protestar com palavras fortes contra o tribunal constitucional que acabara de negar à região o termo de “nación”, mantendo o actualmente consagrado de “nacionalidad”.
Enquanto a economia foi expansiva (mesmo quando assentava em bases financeiras frágeis, como agora se vê, mas já antes os escândalo imobiliários prenunciavam), a esquerda-PSOE pôde brindar certas supostas vanguardas sociais com medidas de ruptura cultural que ofenderam a população mais tradicional, a igreja católica ou o mundo taurino, e inquietaram o exército. Mas agora que o desemprego voltou aos 20% e que a imigração se sentirá mais ameaçada, não vão bastar as “movidas” que entretêm os jovens, os filmes de Almodovar ou as enebriantes celebrações dos “campeones”.
O juiz Garzón mostrou já sobejamente o seu espírito independente ao tentar incriminar Pinochet e, simultaneamente, não ceder às manobras dos “etarras”. Mas o seu “caso” de agora já foi apanhado pela máquina trituradora da luta política que vem animando a questão da “memória histórica” da guerra civil e da ditadura franquista.
É bom que se redescubra e reconheça o passado sem os preconceitos próprios dos vários contendores. É justo que se dignifique, por igual, a memória de todos os que tombaram e sofreram em condições de grande infelicidade colectiva. Mas deve cuidar-se que tal não seja o pretexto para relançar novas dinâmicas conflituais e destrutivas. O lado mais negro e triste do passado deve guiar-nos para evitar que façamos novas asneiras.
JF/19.Jul.2010
Com quatro décadas de ditadura e três de democracia, a Espanha voltou a ser um grande país na cena europeia. Tem recursos e condições para isso, mas também a espreitam algumas velhas ameaças: acima de tudo, a intolerância e o confronto.
Ao mesmo tempo que a despolitização cresce na população e o orgulho hispânico se enche com amplas realizações e ambições de grandeza, os nacionalismos internos, a luta partidária e a memória do franquismo trabalham, pelo contrário, para a desagregação e o enfraquecimento do próprio quadro europeu, no seu conjunto.
No meio da alegria dos campeões futebolísticos logo se viu a bandeira catalã exibida por dois dos seus jogadores. E na véspera, milhares de militantes haviam enchido as ruas de Barcelona para protestar com palavras fortes contra o tribunal constitucional que acabara de negar à região o termo de “nación”, mantendo o actualmente consagrado de “nacionalidad”.
Enquanto a economia foi expansiva (mesmo quando assentava em bases financeiras frágeis, como agora se vê, mas já antes os escândalo imobiliários prenunciavam), a esquerda-PSOE pôde brindar certas supostas vanguardas sociais com medidas de ruptura cultural que ofenderam a população mais tradicional, a igreja católica ou o mundo taurino, e inquietaram o exército. Mas agora que o desemprego voltou aos 20% e que a imigração se sentirá mais ameaçada, não vão bastar as “movidas” que entretêm os jovens, os filmes de Almodovar ou as enebriantes celebrações dos “campeones”.
O juiz Garzón mostrou já sobejamente o seu espírito independente ao tentar incriminar Pinochet e, simultaneamente, não ceder às manobras dos “etarras”. Mas o seu “caso” de agora já foi apanhado pela máquina trituradora da luta política que vem animando a questão da “memória histórica” da guerra civil e da ditadura franquista.
É bom que se redescubra e reconheça o passado sem os preconceitos próprios dos vários contendores. É justo que se dignifique, por igual, a memória de todos os que tombaram e sofreram em condições de grande infelicidade colectiva. Mas deve cuidar-se que tal não seja o pretexto para relançar novas dinâmicas conflituais e destrutivas. O lado mais negro e triste do passado deve guiar-nos para evitar que façamos novas asneiras.
JF/19.Jul.2010
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Dez nomes portugueses marcantes do Séc. XX
D. Carlos de Bragança – último rei de Portugal, interventor na governação e que acabou assassinado no Terreiro do Paço.
Afonso Costa – o inteligente promotor da República jacobina, modernizadora-à-força, anti-clerical e “racha-sindicalistas”.
Oliveira Salazar – o homem das finanças-em-ordem e da “ordem nas ruas” que dirigiu Portugal durante quase meio-século.
Álvaro Cunhal – o corporizador da uma imaginária contra-sociedade, comunista e de “mão-de-ferro”.
Mário Soares – inquebrantável e astuto político, que orientou o país para a Europa.
Gago Coutinho – uma vida vida simples e venturosa, de republicano e homem do mar, sobrevoando os Atlânticos.
Fernando Pessoa – o indefinível e inencontrável, salvo nas palavras.
Eusébio – ícone da bola e do Portugal africano.
José Saramago – o anjo vermelho da escrita.
A “Senhora de Fátima” – mito sagrado que congregou milhões.
JF/9.Julho.2010
Afonso Costa – o inteligente promotor da República jacobina, modernizadora-à-força, anti-clerical e “racha-sindicalistas”.
Oliveira Salazar – o homem das finanças-em-ordem e da “ordem nas ruas” que dirigiu Portugal durante quase meio-século.
Álvaro Cunhal – o corporizador da uma imaginária contra-sociedade, comunista e de “mão-de-ferro”.
Mário Soares – inquebrantável e astuto político, que orientou o país para a Europa.
Gago Coutinho – uma vida vida simples e venturosa, de republicano e homem do mar, sobrevoando os Atlânticos.
Fernando Pessoa – o indefinível e inencontrável, salvo nas palavras.
Eusébio – ícone da bola e do Portugal africano.
José Saramago – o anjo vermelho da escrita.
A “Senhora de Fátima” – mito sagrado que congregou milhões.
JF/9.Julho.2010
sábado, 19 de junho de 2010
Desapareceu o Anjo Vermelho
Aos 87 anos, José Saramago fechou os olhos, parece que serenamente. Com ele, desaparece um enorme escritor e uma testemunha dos grandes conflitos do nosso tempo, uma figura portuguesa que ganhou dimensão mundial.
Mesmo para quem não apreciava a sua escrita desregrada e acha que ela contribuiu para o desaprender do texto das novas gerações, mas reconhece a sua fantástica capacidade inventiva e de construção romanesca.
Mesmo para quem se situa nos antípodas das suas convicções políticas, mas não deixou de notar algumas suas rebeldias pontuais contra a ordem autoritária e dogmática a que aderiu.
Mesmo para quem vê a Pilar del Rio como uma criatura talvez fanática mas que, 28 anos mais nova do que Saramago, soube construir com ele uma vida amorosa, descobrindo a sua paz de Lanzarote e respeitando-o como era.
Mesmo para quem, olhando ontem à noite na TV as suas imagens, lhe descobre facilmente o pequeno sorriso triunfante – sobre os outros, sobre os adversário e o mundo, e sobretudo sobre os ricos e poderosos – no cenário das vénias e dos dourados de Estocolmo.
Mesmo para quem bem lhe entende a permanente lembrança dos seus anos pobres da Azinhaga e da Lisboa de meio-do-século e os traços auto-biográficos que deixou espalhados em memórias, palavras registadas e histórias efabuladas, mas desconfia do sentido da sua revolta social.
Mesmo para quem, e são muitos, lhe aponta a religiosidade simétrica que o opõe ao Deus dos católicos e desse jogo tende a distanciar-se.
De todos sai o reconhecimento e o respeito conquistado por esse humilde e inteligente trabalhador, do cérebro que procura e cintila, e da mão que labuta e tecla as palavras adequadas.
JF / 19.Jun.2010
Mesmo para quem não apreciava a sua escrita desregrada e acha que ela contribuiu para o desaprender do texto das novas gerações, mas reconhece a sua fantástica capacidade inventiva e de construção romanesca.
Mesmo para quem se situa nos antípodas das suas convicções políticas, mas não deixou de notar algumas suas rebeldias pontuais contra a ordem autoritária e dogmática a que aderiu.
Mesmo para quem vê a Pilar del Rio como uma criatura talvez fanática mas que, 28 anos mais nova do que Saramago, soube construir com ele uma vida amorosa, descobrindo a sua paz de Lanzarote e respeitando-o como era.
Mesmo para quem, olhando ontem à noite na TV as suas imagens, lhe descobre facilmente o pequeno sorriso triunfante – sobre os outros, sobre os adversário e o mundo, e sobretudo sobre os ricos e poderosos – no cenário das vénias e dos dourados de Estocolmo.
Mesmo para quem bem lhe entende a permanente lembrança dos seus anos pobres da Azinhaga e da Lisboa de meio-do-século e os traços auto-biográficos que deixou espalhados em memórias, palavras registadas e histórias efabuladas, mas desconfia do sentido da sua revolta social.
Mesmo para quem, e são muitos, lhe aponta a religiosidade simétrica que o opõe ao Deus dos católicos e desse jogo tende a distanciar-se.
De todos sai o reconhecimento e o respeito conquistado por esse humilde e inteligente trabalhador, do cérebro que procura e cintila, e da mão que labuta e tecla as palavras adequadas.
JF / 19.Jun.2010
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Bola, África e o mundo que vivemos
Os espectáculos futebolísticos do campeonato mundial na África do Sul mantêm entretidos durante algumas semanas milhões de tele-espectadores e fazem exultar o povo desse país. Para desagrado de alguns, o futebol tornou-se um fenómeno universal que diz muito acerca do nosso (baixo) grau de civilização mas que também nos igualiza nestas momentâneas ansiedades e emoções do jogo, que talvez substitua a guerra e outros impulsos de destruição.
Em meados dos anos 60, tendo já visitado as Américas, dois dos países “d’além-cortina de ferro”, as Áfricas e algumas das nações europeias, formulei reflectidamente a convicção de que seria na República da África do Sul que o mundo iria assistir, no final do século XX, às mais raivosas “lutas-de-classes”: aquelas que oporiam brancos e negros, no país mais desenvolvido de todo o continente (graças sobretudo ao esforço dos primeiros). Não supunha é que esse momento viesse a coincidir com o desabar do “socialismo real” nem que a transição fosse, afinal, tão pacífica. Honra e reconhecimento sejam prestados a Nelson Mandela pelo papel que então desempenhou no apaziguamento de paixões, tal como de resto à inteligência política de De Clerk para conter e chamar à realidade a minoria branca. Mas ainda hoje tenho dificuldade em compreender como esse white power cedeu e o novo black power prescindiu da posse da arma nuclear, que para tantos chefes nacionais constitui o meio desejado para defender ou impor os seus interesses na cena internacional. Talvez aí tenha ainda pesado a convergência das duas super-potências, uma das quais se encontrava então em plena decomposição…
Em contrapartida, não alinho no coro laudatório universal a Mandela que tende (como sempre) a varrer da consciência das pessoas comuns os aspectos menos convenientes da sua actuação. Por exemplo: diz-se que Mandela penou 28 anos na prisão, o que é verdade e testemunha da resistência moral do homem, mas omite-se dizer que isso aconteceu por ele se ter tornado adepto da estratégia da luta armada (acções de guerrilha e sabotagem) decidida pelo ANC em 1961 (com apoio do bloco comunista) e que, antes, este velho partido africano tinha actividade legal, mesmo debaixo das leis do apartheid introduzidas a partir de 1948, quando o país se desligou definitivamente da tutela britânica. E esquece-se que, no plano internacional, Mandela tem sido sempre defensor dos nacionalismos africanos contra os ocidentais, mesmo dos líderes mais infrequentáveis como Kadhafi da Líbia ou Mugabe do Zimbabué. Em todo o caso, a sua acção deve ser considerada globalmente meritória. Mas não impediu que a legitimação e a habituação ao uso da violência tenham, depois da vitória da maioria negra, degenerado em altas taxas de criminalidade civil, nem que as enormes desigualdades económicas existentes no seio das populações sul-africanas também contribuam para esse ambiente pouco seguro que se vive em muitos dos seus espaços públicos.
Deixemos aos fans (abreviatura inglesa de fanáticos) dos partidos futebolísticos as suas exultações e as suas frustrações. Ganhará a taça certamente a equipa que mostrar mais capacidades em campo. Mas celebremos desde já a alegria com que tanta gente simples e comum – pretos, brancos, castanhos ou amarelos – é capaz de se entregar a este espectáculo lúdico e universal. Sem esquecer que amanhã é dia de trabalho.
JF/16.Jun.2010
Em meados dos anos 60, tendo já visitado as Américas, dois dos países “d’além-cortina de ferro”, as Áfricas e algumas das nações europeias, formulei reflectidamente a convicção de que seria na República da África do Sul que o mundo iria assistir, no final do século XX, às mais raivosas “lutas-de-classes”: aquelas que oporiam brancos e negros, no país mais desenvolvido de todo o continente (graças sobretudo ao esforço dos primeiros). Não supunha é que esse momento viesse a coincidir com o desabar do “socialismo real” nem que a transição fosse, afinal, tão pacífica. Honra e reconhecimento sejam prestados a Nelson Mandela pelo papel que então desempenhou no apaziguamento de paixões, tal como de resto à inteligência política de De Clerk para conter e chamar à realidade a minoria branca. Mas ainda hoje tenho dificuldade em compreender como esse white power cedeu e o novo black power prescindiu da posse da arma nuclear, que para tantos chefes nacionais constitui o meio desejado para defender ou impor os seus interesses na cena internacional. Talvez aí tenha ainda pesado a convergência das duas super-potências, uma das quais se encontrava então em plena decomposição…
Em contrapartida, não alinho no coro laudatório universal a Mandela que tende (como sempre) a varrer da consciência das pessoas comuns os aspectos menos convenientes da sua actuação. Por exemplo: diz-se que Mandela penou 28 anos na prisão, o que é verdade e testemunha da resistência moral do homem, mas omite-se dizer que isso aconteceu por ele se ter tornado adepto da estratégia da luta armada (acções de guerrilha e sabotagem) decidida pelo ANC em 1961 (com apoio do bloco comunista) e que, antes, este velho partido africano tinha actividade legal, mesmo debaixo das leis do apartheid introduzidas a partir de 1948, quando o país se desligou definitivamente da tutela britânica. E esquece-se que, no plano internacional, Mandela tem sido sempre defensor dos nacionalismos africanos contra os ocidentais, mesmo dos líderes mais infrequentáveis como Kadhafi da Líbia ou Mugabe do Zimbabué. Em todo o caso, a sua acção deve ser considerada globalmente meritória. Mas não impediu que a legitimação e a habituação ao uso da violência tenham, depois da vitória da maioria negra, degenerado em altas taxas de criminalidade civil, nem que as enormes desigualdades económicas existentes no seio das populações sul-africanas também contribuam para esse ambiente pouco seguro que se vive em muitos dos seus espaços públicos.
Deixemos aos fans (abreviatura inglesa de fanáticos) dos partidos futebolísticos as suas exultações e as suas frustrações. Ganhará a taça certamente a equipa que mostrar mais capacidades em campo. Mas celebremos desde já a alegria com que tanta gente simples e comum – pretos, brancos, castanhos ou amarelos – é capaz de se entregar a este espectáculo lúdico e universal. Sem esquecer que amanhã é dia de trabalho.
JF/16.Jun.2010
sábado, 12 de junho de 2010
Acontecimentos
Na sucessão de notícias repisadas sobre o andamento da economia (mau, já se sabe), alguns acontecimentos parecem destinados a ser lembrados no futuro, como marcos de qualquer coisa que mudou. Se para melhor ou para pior, é coisa que mais tarde talvez se esclareça, esbatidos os calores das emoções.
Seguindo os passos de alguns outros países, entre os quais o da “católica Espanha”, lá entrou a vigor na lei portuguesa o casamento entre pessoas do mesmo sexo, sem direito a adopção. Ficaram felizes uns milhares de indivíduos e ofendidos outros tantos (a ponto de estremecer o bloco de apoio à reeleição do presidente Cavaco). O PS e a esquerda acham que assim se tornam “modernos” e os partidos conservadores não bolem muito, quiçá para não afugentarem os lobbies da causa que trabalham também no seu interior. Mas pode-se adivinhar que a discriminação nos comportamentos sociais contra estas novas figuras vai provavelmente acentuar-se porque, como dizia um reputado sociólogo, “on ne change pas la société par décret”. A menos que o indiferentismo individualista e a anomia progridam a tal ponto na sociedade que as pessoas já só digam: “Desde que não me entrem em casa…”.
A explosão de uma torre de extracção petrolífera off-shore da BP, com o enorme derrame que há dois meses envenena as águas da costa sul dos Estados Unidos, parece constituir o maior desastre ambiental jamais sofrido por este país. O presidente americano já está a pedir contas àquele gigante multinacional da energia, no que tem toda a razão. Mas veremos se este tem capacidade financeira para responder às suas responsabilidades e não vai entrar em colapso, em mais um contributo para o agravamento das dificuldades económicas mundiais (a BP que, como as suas principais concorrentes, também investe imenso na investigação de energias alternativas aos combustíveis fósseis…). Em todo o caso, para além das responsabilidades precisas a apurar nesta circunstância, a catástrofe devia alertar-nos para os riscos inerentes a este tipo de exploração do fundo dos mares, com poços submarinos, encanamentos, enormes torres flutuantes ancoradas, etc. É que o mar, a natureza, quando se zanga, não respeita normas nem fronteiras!
E do mar veio também a última má surpresa para Israel. Uma “flotilha da paz” com militantes pró-palestinianos, apoiada pela Turquia, tentou forçar o bloqueio a Gaza e gerou um incidente bélico, com uma dezena de mortos e grande escândalo nos telejornais do mundo. Por “produtivo” (de efeitos políticos e emocionais desfavoráveis a Israel), o filão promete ser agora explorado por mais algum tempo, falando-se já em uma embarcação tripulada por nacionais israelitas opositores às políticas do governo hebraico.
Mas é a alteração da posição externa da Turquia (interessada também em pressionar a UE sobre as suas pretensões a entrar neste clube) que mais preocupa os analistas e observadores mais independentes nestas disputas. Ao apreciar a forma como as autoridades israelitas se terão deixado cair na armadilha que lhes foi montada, o escritor Amos Oz terá dito: “Estamos a ficar burros?” E Jorge Almeida Fernandes (Público, 1.Junho.2010) titulou assim o seu texto: “Bibi e Barak fabricam um desastre internacional”. Irão agravar-se as coisas nesta frente?
JF / 12.Jun.2010
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Seguindo os passos de alguns outros países, entre os quais o da “católica Espanha”, lá entrou a vigor na lei portuguesa o casamento entre pessoas do mesmo sexo, sem direito a adopção. Ficaram felizes uns milhares de indivíduos e ofendidos outros tantos (a ponto de estremecer o bloco de apoio à reeleição do presidente Cavaco). O PS e a esquerda acham que assim se tornam “modernos” e os partidos conservadores não bolem muito, quiçá para não afugentarem os lobbies da causa que trabalham também no seu interior. Mas pode-se adivinhar que a discriminação nos comportamentos sociais contra estas novas figuras vai provavelmente acentuar-se porque, como dizia um reputado sociólogo, “on ne change pas la société par décret”. A menos que o indiferentismo individualista e a anomia progridam a tal ponto na sociedade que as pessoas já só digam: “Desde que não me entrem em casa…”.
A explosão de uma torre de extracção petrolífera off-shore da BP, com o enorme derrame que há dois meses envenena as águas da costa sul dos Estados Unidos, parece constituir o maior desastre ambiental jamais sofrido por este país. O presidente americano já está a pedir contas àquele gigante multinacional da energia, no que tem toda a razão. Mas veremos se este tem capacidade financeira para responder às suas responsabilidades e não vai entrar em colapso, em mais um contributo para o agravamento das dificuldades económicas mundiais (a BP que, como as suas principais concorrentes, também investe imenso na investigação de energias alternativas aos combustíveis fósseis…). Em todo o caso, para além das responsabilidades precisas a apurar nesta circunstância, a catástrofe devia alertar-nos para os riscos inerentes a este tipo de exploração do fundo dos mares, com poços submarinos, encanamentos, enormes torres flutuantes ancoradas, etc. É que o mar, a natureza, quando se zanga, não respeita normas nem fronteiras!
E do mar veio também a última má surpresa para Israel. Uma “flotilha da paz” com militantes pró-palestinianos, apoiada pela Turquia, tentou forçar o bloqueio a Gaza e gerou um incidente bélico, com uma dezena de mortos e grande escândalo nos telejornais do mundo. Por “produtivo” (de efeitos políticos e emocionais desfavoráveis a Israel), o filão promete ser agora explorado por mais algum tempo, falando-se já em uma embarcação tripulada por nacionais israelitas opositores às políticas do governo hebraico.
Mas é a alteração da posição externa da Turquia (interessada também em pressionar a UE sobre as suas pretensões a entrar neste clube) que mais preocupa os analistas e observadores mais independentes nestas disputas. Ao apreciar a forma como as autoridades israelitas se terão deixado cair na armadilha que lhes foi montada, o escritor Amos Oz terá dito: “Estamos a ficar burros?” E Jorge Almeida Fernandes (Público, 1.Junho.2010) titulou assim o seu texto: “Bibi e Barak fabricam um desastre internacional”. Irão agravar-se as coisas nesta frente?
JF / 12.Jun.2010
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quinta-feira, 3 de junho de 2010
É bem preciso conhecer-se (conhecermos) a história o mais completa possível do movimento operário português e, nele, a história fabulosa do Movimento Sindicalista-Revolucionário e do Anarco-Sindicalismo.
Mesmo para aqueles que, como eu, não se consideram patriotas ou nacionalistas, antes cidadãos-do-mundo, é bom, é benéfico, é reconfortante mergulhar na história colectiva e nas histórias individuais daquela gente tão modesta e, ao mesmo tempo, tão evoluída.
Esses, muitos, vaidosos e vaidosas que se pavoneiam em Portugal por terem conseguido comprar uma Casona de Praia, um Jeep, um Barcão de Recreio de Luxo, um Computador Para Cada Membro da Família, incluindo Cão e Gato, etc., etc., a maior parte das vezes com cartão de plástico ou com dinheiro não-seu mas que no fundo, bem no fundo, têm vergonha de serem portugueses, teriam (se os seus cérebros tivessem um mínimo de despoluição cultural) um gozo, uma vaidade sã, uma alegria enorme por terem existido uns milhares de homens e mulheres portugueses que tiveram/têm um valor moral e cultural muito acima dos considerados "portugueses de valor".
J.M.Colaço
Mesmo para aqueles que, como eu, não se consideram patriotas ou nacionalistas, antes cidadãos-do-mundo, é bom, é benéfico, é reconfortante mergulhar na história colectiva e nas histórias individuais daquela gente tão modesta e, ao mesmo tempo, tão evoluída.
Esses, muitos, vaidosos e vaidosas que se pavoneiam em Portugal por terem conseguido comprar uma Casona de Praia, um Jeep, um Barcão de Recreio de Luxo, um Computador Para Cada Membro da Família, incluindo Cão e Gato, etc., etc., a maior parte das vezes com cartão de plástico ou com dinheiro não-seu mas que no fundo, bem no fundo, têm vergonha de serem portugueses, teriam (se os seus cérebros tivessem um mínimo de despoluição cultural) um gozo, uma vaidade sã, uma alegria enorme por terem existido uns milhares de homens e mulheres portugueses que tiveram/têm um valor moral e cultural muito acima dos considerados "portugueses de valor".
J.M.Colaço
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Os dias passam, cheios de poucas coisas
Enquanto se morre de guerra no Afeganistão ou no Iraque (um pouco menos), a Europa financeira e monetária prolonga-se na crise e Portugal parece andar anestesiado.
Da chicana política e parlamentar, já nem apetece falar. O governo, pela voz do primeiro-ministro ou do responsável das finanças, é forçado a manter um tom optimista, para não deprimir ainda mais as expectativas; se fizesse o contrário, todos os opinadores lhe cairiam em cima. Mas já poucos acreditam que as afirmações de hoje sejam mantidas no mês seguinte. Apesar de tudo, o novo líder do PSD tem marcado uns pontos de seriedade ao dispor-se a colaborar com o governo para enfrentar a gravíssima crise das finanças públicas (e de toda a economia portuguesa), pedindo cortes nas despesas, aceitando aumentos dos impostos e, enfim, alguma redução nos proventos dos mais altos dirigentes, não para atacar o problema económico, mas para dar o exemplo. Bendita crise! Já é alguma coisa. Mas não vai chegar.
É certo que o país gosta é de festas, emoções e polémicas (como aquela, insuperável de sabor, com que Mário Nogueira e Santana Castilho se têm digladiado ultimamente nas páginas do 'Público' acerca das últimas peripécias na educação). Mas dizia há dias um adepto benfiquista que a vitória das “águias” no campeonato interno da bola ia dar alegria aos portugueses durante uma semana. É pouco. Mais tempo durará a incerteza gostosa dos resultados dos futebolistas lusos no próximo “mundial” – veremos se com momentos emocionantes proporcionados por Ronaldo e companheiros, ou com falhanços de que o único responsável será o “professor” Carlos Queiroz (É que nem todos são Mourinhos). Mas nem a vista do Papa – momento de fé para uns, espectáculo com demasiada encenação para outros – foi capaz de nos livrar da última subida de impostos e outras medidas de austeridade que a nossa proverbial inconsciência tornou inevitáveis. Até quando?
JF/13.Maio.2010
Da chicana política e parlamentar, já nem apetece falar. O governo, pela voz do primeiro-ministro ou do responsável das finanças, é forçado a manter um tom optimista, para não deprimir ainda mais as expectativas; se fizesse o contrário, todos os opinadores lhe cairiam em cima. Mas já poucos acreditam que as afirmações de hoje sejam mantidas no mês seguinte. Apesar de tudo, o novo líder do PSD tem marcado uns pontos de seriedade ao dispor-se a colaborar com o governo para enfrentar a gravíssima crise das finanças públicas (e de toda a economia portuguesa), pedindo cortes nas despesas, aceitando aumentos dos impostos e, enfim, alguma redução nos proventos dos mais altos dirigentes, não para atacar o problema económico, mas para dar o exemplo. Bendita crise! Já é alguma coisa. Mas não vai chegar.
É certo que o país gosta é de festas, emoções e polémicas (como aquela, insuperável de sabor, com que Mário Nogueira e Santana Castilho se têm digladiado ultimamente nas páginas do 'Público' acerca das últimas peripécias na educação). Mas dizia há dias um adepto benfiquista que a vitória das “águias” no campeonato interno da bola ia dar alegria aos portugueses durante uma semana. É pouco. Mais tempo durará a incerteza gostosa dos resultados dos futebolistas lusos no próximo “mundial” – veremos se com momentos emocionantes proporcionados por Ronaldo e companheiros, ou com falhanços de que o único responsável será o “professor” Carlos Queiroz (É que nem todos são Mourinhos). Mas nem a vista do Papa – momento de fé para uns, espectáculo com demasiada encenação para outros – foi capaz de nos livrar da última subida de impostos e outras medidas de austeridade que a nossa proverbial inconsciência tornou inevitáveis. Até quando?
JF/13.Maio.2010
domingo, 2 de maio de 2010
1ª República: Questão laboral ou questão social?
Há um século, a Monarquia aprestava-se a sair de cena, e a República a ser proclamada em Lisboa, com entusiasmo popular semelhante ao do 25 de Abril de 1974.
Entre as forças sociais que aplaudiam ou observavam esperançosas o desempenho do novo regime encontrava-se o movimento operário, essencialmente consubstanciado num sindicalismo de acção vigorosa no seu campo de luta e afirmação próprio: directamente contra o patronato, através da greve e da solidariedade entre “irmãos de classe”; alheando-se da política e olhando as instituições estatais com reserva ou hostilidade; e confiando que não estaria longe a “aurora redentora” de uma grande transformação do mundo, operada no campo social, que pusesse a economia ao serviço de todos, abolisse as guerras e dispensasse os profissionais do uso da violência e do poder.
Tais esperanças vieram rapidamente a revelar-se ilusórias – tanto no plano doméstico como internacionalmente – mas a força e genuinidade desse movimento merece ainda hoje ser recordada, sobretudo para assinalar como, na prática, os ideais da República foram incapazes de responder aos anseios desse povo laborioso das oficinas, das fábricas e dos campos.
Mais do que lutar por condições de trabalho e de vida melhoradas, essa gente aspirava a uma superação do seu estatuto secundário e subordinado na vida social do Portugal de então. Eram os porta-vozes de reivindicações seculares de dignidade humana. Por isso, o movimento operário de inspiração anarco-sindicalista de então não apenas punha na ordem do dia problemas concretos de ordem laboral – melhoria de salários, redução da duração do trabalho, etc. – como, sobretudo, exprimia a questão social dessa época: não mais “amos e escravos”, “não mais deveres sem direitos, nem direitos sem deveres”. Uma boa mensagem.
João Freire
(texto solicitado pelo Jornal de Notícias para sair a 1/5/2010, mas não publicado, certamente por chegada tardia)
Entre as forças sociais que aplaudiam ou observavam esperançosas o desempenho do novo regime encontrava-se o movimento operário, essencialmente consubstanciado num sindicalismo de acção vigorosa no seu campo de luta e afirmação próprio: directamente contra o patronato, através da greve e da solidariedade entre “irmãos de classe”; alheando-se da política e olhando as instituições estatais com reserva ou hostilidade; e confiando que não estaria longe a “aurora redentora” de uma grande transformação do mundo, operada no campo social, que pusesse a economia ao serviço de todos, abolisse as guerras e dispensasse os profissionais do uso da violência e do poder.
Tais esperanças vieram rapidamente a revelar-se ilusórias – tanto no plano doméstico como internacionalmente – mas a força e genuinidade desse movimento merece ainda hoje ser recordada, sobretudo para assinalar como, na prática, os ideais da República foram incapazes de responder aos anseios desse povo laborioso das oficinas, das fábricas e dos campos.
Mais do que lutar por condições de trabalho e de vida melhoradas, essa gente aspirava a uma superação do seu estatuto secundário e subordinado na vida social do Portugal de então. Eram os porta-vozes de reivindicações seculares de dignidade humana. Por isso, o movimento operário de inspiração anarco-sindicalista de então não apenas punha na ordem do dia problemas concretos de ordem laboral – melhoria de salários, redução da duração do trabalho, etc. – como, sobretudo, exprimia a questão social dessa época: não mais “amos e escravos”, “não mais deveres sem direitos, nem direitos sem deveres”. Uma boa mensagem.
João Freire
(texto solicitado pelo Jornal de Notícias para sair a 1/5/2010, mas não publicado, certamente por chegada tardia)
1º de Maio
Por cortesia de Claude Moreira (em Londres):
a..
b.. SINDICALISMO A LA CUBANA
c.. Solamente hay una federación laboral en Cuba. Es la Central de
Trabajadores de Cuba (CTC) organizada y controlada por el gobierno Cubano.
d.. Todos los obreros tienen que ser miembros de la CTC (aunque no
quieran) y pagarle contribuciones. (Como em Portugal durante o Fascismo)
e.. "Elecciones" obreras se celebran periódicamente, pero solamente pueden
competir en ellas los candidatos que el Partido Comunista de Cuba apruebe.
f.. No hay en Cuba negociaciones laborales ni colectivas ni individuales.
g.. Los obreros no pueden cambiar de empleo sin el permiso del gobierno.
h.. La inmensa mayoría de las empresas de negocios, agrícolas e
industriales son propiedad del gobierno y la mayoría de los cubanos trabajan
para el Estado.
i.. Todos los salarios los fija arbitrariamente el Estado.
j.. Los obreros son empleados, disciplinados y despedidos por el gobierno.
k.. Las compañías extranjeras con negocios en Cuba tienen que solicitar
sus obreros al gobierno. No pueden contratar ni despedir por su cuenta a los
trabajadores sin la aprobación de ese gobierno.
l.. Las compañías extranjeras pagan al gobierno en moneda extranjera
fuerte (por ejemplo, en dólares canadienses, euros, etc.). El gobierno paga
el salario de los obreros cubanos en pesos cubanos, que valen 1/20 de la
moneda extranjera y se embolsilla el 90 por ciento de cada dólar que recibe.
m.. Todos los trabajadores en la industria turística o en cualquier otra
industria que entra en contacto con los extranjeros son cuidadosamente
seleccionados por el gobierno. Trabajadores de tez mas clara o los que son
leales a la revolución son los escogidos para trabajar en hoteles, complejos
turísticos, y otros destinos turísticos.
n.. El régimen cubano da contratos de médicos, pintores, músicos,
taberneros, etc., a gobiernos extranjeros y a compañías del extranjero.
Usualmente estos cubanos residen seis meses en los países extranjeros y se
les paga en moneda fuerte. Sin embargo, los empleadores descuentan el 40 por
ciento de sus salarios para enviarlo al régimen totalitario de Fidel Castro.
o.. Todo arbitraje laboral tiene que efectuarse en caprichosas y corruptas
oficinas del gobierno donde el obrero recibe muy poca protección. No hay un
sistema judicial independiente en la Isla y todos los jueces son nombrados
por el gobierno y trabajan para el gobierno.
* Desde 1960 que não houve uma única greve legal em Cuba.
p.. WWW.CUBANUESTRA.NU
a..
b.. SINDICALISMO A LA CUBANA
c.. Solamente hay una federación laboral en Cuba. Es la Central de
Trabajadores de Cuba (CTC) organizada y controlada por el gobierno Cubano.
d.. Todos los obreros tienen que ser miembros de la CTC (aunque no
quieran) y pagarle contribuciones. (Como em Portugal durante o Fascismo)
e.. "Elecciones" obreras se celebran periódicamente, pero solamente pueden
competir en ellas los candidatos que el Partido Comunista de Cuba apruebe.
f.. No hay en Cuba negociaciones laborales ni colectivas ni individuales.
g.. Los obreros no pueden cambiar de empleo sin el permiso del gobierno.
h.. La inmensa mayoría de las empresas de negocios, agrícolas e
industriales son propiedad del gobierno y la mayoría de los cubanos trabajan
para el Estado.
i.. Todos los salarios los fija arbitrariamente el Estado.
j.. Los obreros son empleados, disciplinados y despedidos por el gobierno.
k.. Las compañías extranjeras con negocios en Cuba tienen que solicitar
sus obreros al gobierno. No pueden contratar ni despedir por su cuenta a los
trabajadores sin la aprobación de ese gobierno.
l.. Las compañías extranjeras pagan al gobierno en moneda extranjera
fuerte (por ejemplo, en dólares canadienses, euros, etc.). El gobierno paga
el salario de los obreros cubanos en pesos cubanos, que valen 1/20 de la
moneda extranjera y se embolsilla el 90 por ciento de cada dólar que recibe.
m.. Todos los trabajadores en la industria turística o en cualquier otra
industria que entra en contacto con los extranjeros son cuidadosamente
seleccionados por el gobierno. Trabajadores de tez mas clara o los que son
leales a la revolución son los escogidos para trabajar en hoteles, complejos
turísticos, y otros destinos turísticos.
n.. El régimen cubano da contratos de médicos, pintores, músicos,
taberneros, etc., a gobiernos extranjeros y a compañías del extranjero.
Usualmente estos cubanos residen seis meses en los países extranjeros y se
les paga en moneda fuerte. Sin embargo, los empleadores descuentan el 40 por
ciento de sus salarios para enviarlo al régimen totalitario de Fidel Castro.
o.. Todo arbitraje laboral tiene que efectuarse en caprichosas y corruptas
oficinas del gobierno donde el obrero recibe muy poca protección. No hay un
sistema judicial independiente en la Isla y todos los jueces son nombrados
por el gobierno y trabajan para el gobierno.
* Desde 1960 que não houve uma única greve legal em Cuba.
p.. WWW.CUBANUESTRA.NU
domingo, 4 de abril de 2010
Páscoa
Os judeus celebram nesta época a fuga do Egipto, a caminho da terra prometida. Os cristãos, a morte e ressurreição de Jesus. Em certos países influenciados por esta última religião (Filipinas, México…) praticam-se rituais populares de mortificação, significando o desejo de passagem para uma vida renovada. Enquanto isto, as sociedades ocidentais aproveitam para mais um fim-de-semana prolongado de lazer. Este ano, a hierarquia da Igreja de Roma pede desculpa pelos pecados de pedofilia. E os órgãos de informação de massa fazem o seu trabalho de espevitar a contradição e o conflito, para manter as audiências.
Vasco Pulido Valente tem razão em vir lembrar, no ‘Público’, que os pecados e crimes da Igreja ao longo da história, a sua conivência com o massacre, por acção e omissão, são bem mais graves do que os comportamentos desviantes dos pastores, e é talvez isso que leva o Papa a estes gestos públicos.
Mas se os rabinos se indignam justamente com a comparação feita destas denúncias com “o pior do anti-semitismo” (e VPV recorda muito bem o papel histórico de Roma nesse clima), também se descortina alguma sanha anti-clerical nos actuais ataques ao catolicismo, que tem sido, apesar de tudo, a grande religião que mais tem evoluído nas décadas recentes e mais tem reconhecido os erros do passado. E não parece fácil para o islamismo evoluir e compatibilizar-se com o mundo moderno, como seria desejável que o fizesse.
O filósofo racionalista Bertrand Russel criticou o papel histórico do cristianismo, sobretudo porque este “santificou o ódio e a intolerância”. Hoje, não tenho a certeza deste género de balanço histórico. Conheço mal as religiões orientais (induismo, budismo e confucionismo, sobretudo) mas, pelo que toca às mediterrânicas, tendo a pensar mais num efeito ambivalente: por um lado, é certo que foram culpadas de muitos malefícios (e ainda mais aquelas que, como a cristã e a islâmica, exerceram um poder temporal); mas, por outro lado, terão tido um efeito “disciplinador” para conter a bestialidade latente em sociedades onde o direito e cidadania ainda não haviam chegado. Além disto, o mundo contemporâneo também parece mostrar-nos que a “civilização” é facilmente compatível com (ou até pode estimular) os mais perversos comportamentos humanos.
Daí a minha conclusão de que, independentemente do grau de evolução, é indispensável a existência de uma moral (sentido do bem e do mal) que impregne os valores da vida social – e ainda mais quando vivemos (felizmente) numa sociedade laica. Por tal, não dou razão aos que confundem isto com “moralismo” ou acham que se trata de meras referências “judaico-cristãs”.
JF/ 4.Abril.2010
Vasco Pulido Valente tem razão em vir lembrar, no ‘Público’, que os pecados e crimes da Igreja ao longo da história, a sua conivência com o massacre, por acção e omissão, são bem mais graves do que os comportamentos desviantes dos pastores, e é talvez isso que leva o Papa a estes gestos públicos.
Mas se os rabinos se indignam justamente com a comparação feita destas denúncias com “o pior do anti-semitismo” (e VPV recorda muito bem o papel histórico de Roma nesse clima), também se descortina alguma sanha anti-clerical nos actuais ataques ao catolicismo, que tem sido, apesar de tudo, a grande religião que mais tem evoluído nas décadas recentes e mais tem reconhecido os erros do passado. E não parece fácil para o islamismo evoluir e compatibilizar-se com o mundo moderno, como seria desejável que o fizesse.
O filósofo racionalista Bertrand Russel criticou o papel histórico do cristianismo, sobretudo porque este “santificou o ódio e a intolerância”. Hoje, não tenho a certeza deste género de balanço histórico. Conheço mal as religiões orientais (induismo, budismo e confucionismo, sobretudo) mas, pelo que toca às mediterrânicas, tendo a pensar mais num efeito ambivalente: por um lado, é certo que foram culpadas de muitos malefícios (e ainda mais aquelas que, como a cristã e a islâmica, exerceram um poder temporal); mas, por outro lado, terão tido um efeito “disciplinador” para conter a bestialidade latente em sociedades onde o direito e cidadania ainda não haviam chegado. Além disto, o mundo contemporâneo também parece mostrar-nos que a “civilização” é facilmente compatível com (ou até pode estimular) os mais perversos comportamentos humanos.
Daí a minha conclusão de que, independentemente do grau de evolução, é indispensável a existência de uma moral (sentido do bem e do mal) que impregne os valores da vida social – e ainda mais quando vivemos (felizmente) numa sociedade laica. Por tal, não dou razão aos que confundem isto com “moralismo” ou acham que se trata de meras referências “judaico-cristãs”.
JF/ 4.Abril.2010
sexta-feira, 26 de março de 2010
PEC – 1ª parte
Toda a gente sabe que, mais coisa menos coisa, as medidas do PEC são inevitáveis e indispensáveis. Mas a lógica da oposição partidária leva a que ninguém queira “fazer má figura” perante os seus (correligionários, mandantes, eleitores, etc.). Por isso são “contra”.
Ontem, no parlamento, ao PSD salvou-o o facto da dra. Manuela Ferreira Leite já estar de saída e não poder ser prejudicada com a abstenção da sua bancada ao documento do governo (que, se calhar, comprometeu definitivamente as hipóteses de Aguiar Branco lhe suceder).
E ao PS, ajudou-o bastante a notícia divulgada horas antes (coincidência…) de que a agência de rating Fitch tinha acabado de penalizar Portugal, por “mau pagador das dívidas”.
Com um primeiro-ministro fragilizadíssimo com os ataques pessoais sucessivos de que tem vindo a ser alvo (e para os quais ele parece contribuir generosamente), um PR insondável e uma representação parlamentar como aquela que temos, continuamos muito longe de ver surgir na sociedade a criação de uma onda de vontade colectiva para fazer face aos trementos problemas económicos que Portugal enfrenta.
Por isso, é quase certo que haverá um PEC-II e talvez um PEC-III, com uma crise política pelo meio, para evitar que se chegue a algum “plano de falência”. E não se vislumbra qualquer sinal, nem de recuperação sustentatada da nossa base económica, nem de recomposição política das escolhas do eleitorado – o que até pode ser um sinal de prudência e bom senso, mas exigiria da classe política uma capacidade de entendimento e de regeneração que ela dá mostras claras de não possuir.
JF / 26.Março.2010
Ontem, no parlamento, ao PSD salvou-o o facto da dra. Manuela Ferreira Leite já estar de saída e não poder ser prejudicada com a abstenção da sua bancada ao documento do governo (que, se calhar, comprometeu definitivamente as hipóteses de Aguiar Branco lhe suceder).
E ao PS, ajudou-o bastante a notícia divulgada horas antes (coincidência…) de que a agência de rating Fitch tinha acabado de penalizar Portugal, por “mau pagador das dívidas”.
Com um primeiro-ministro fragilizadíssimo com os ataques pessoais sucessivos de que tem vindo a ser alvo (e para os quais ele parece contribuir generosamente), um PR insondável e uma representação parlamentar como aquela que temos, continuamos muito longe de ver surgir na sociedade a criação de uma onda de vontade colectiva para fazer face aos trementos problemas económicos que Portugal enfrenta.
Por isso, é quase certo que haverá um PEC-II e talvez um PEC-III, com uma crise política pelo meio, para evitar que se chegue a algum “plano de falência”. E não se vislumbra qualquer sinal, nem de recuperação sustentatada da nossa base económica, nem de recomposição política das escolhas do eleitorado – o que até pode ser um sinal de prudência e bom senso, mas exigiria da classe política uma capacidade de entendimento e de regeneração que ela dá mostras claras de não possuir.
JF / 26.Março.2010
segunda-feira, 15 de março de 2010
Dois artigos de opinião hoje inseridos no “Público” (15.Março, 2010, p. 41) merecem ser divulgados. Num (intitulado “Redes sociais não, obrigado”), o médico psiquiatra Pedro Afonso alerta para os perigos e malefícios das “redes sociais” da Internet. Entre outras coisas, escreve: “[…] parece existir uma busca pela auto-valorização e uma necessidade exibicionista de atenção e admiração. Esta última característica torna-se bem visível pela forma como se arrecada ‘amigos’, aos milhares, como se fossem troféus de caça social. Portanto, na amizade, desvalorizou-se a qualidade para se dar primazia à quantidade […]. As redes sociais [da Internet] favorecem o empobrecimento do relacionamento social – criando-se novas formas de solidão – porque as relações pessoais reais são mais ricas e profundas. […] Este é um sinal preocupante de desumanização da nossa sociedade uma vez que esta emigração maciça para o mundo virtual pode revelar-se como o início de uma psicose colectiva: como esta realidade não é conveniente, as pessoas refugiam-se noutra imaginária. O crescimento vertiginoso das redes sociais demonstra que o Homem, outrora sonhador, com ideias e valores, está a capitular. Desistiu de lutar por uma sociedade melhor, cedeu ao facilitismo e renunciou viver neste mundo. […]”.
No outro texto (“Vida, morte e dignidade”), o juiz Pedro Vaz Pato sustenta com ponderosas razões a sua oposição à eutanásia e ao auxílio ao suicídio: “[…] O princípio aqui em jogo é o da inviolabilidade e indisponibilidade da vida humana […] direitos humanos fundamentais, que as primeiras históricas declarações sempre afirmaram como ‘inalienáveis’, isto é, dotados de um valor objectivo e independente da vontade do seu titular.[…]”.
Pode-se, e deve-se, discutir cada uma destas teses, mas é certo que qualquer dos opinadores contribui de modo relevante para tal.
JF / 15.Março.2010
No outro texto (“Vida, morte e dignidade”), o juiz Pedro Vaz Pato sustenta com ponderosas razões a sua oposição à eutanásia e ao auxílio ao suicídio: “[…] O princípio aqui em jogo é o da inviolabilidade e indisponibilidade da vida humana […] direitos humanos fundamentais, que as primeiras históricas declarações sempre afirmaram como ‘inalienáveis’, isto é, dotados de um valor objectivo e independente da vontade do seu titular.[…]”.
Pode-se, e deve-se, discutir cada uma destas teses, mas é certo que qualquer dos opinadores contribui de modo relevante para tal.
JF / 15.Março.2010
segunda-feira, 8 de março de 2010
Se queres a Paz... prepara a Paz! É esta a divisa que há que
contrapor ao bárbaro «se queres a paz, prepara a guerra».
Convido os que se reconhecem nessa divisa a aderir à possibilidade de
co-financiarem comigo a edição de um livro chave na construção de uma
corrente favorável à paz e à não violência: Peregrinação às Fontes,
de Lanza del Vasto. O autor (1901-1981) é um dos mais destacados
seguidores de Gandhi na Europa; o livro inclui a narração do seu
encontro e estadia junto do Mahatma, em Wardha.
Para viabilizar o livro, são precisas 100 pessoas que pré-comprem 2
exemplares (investimento: 40 euros) ou 200 que pré-comprem um
exemplar (investimento: 20 euros).
Os co-financiadores amigos da Paz, que por sua vez poderão alargar a
corrente falando dela aos amigos, poderão, com um pequeno
investimento, obter o livro em retorno, sem outro pagamento e com uma
redução de quase vinte por cento em relação ao preço previsto de
venda ao público.
O editor enviará a cada co-financiador, na volta do correio, um
documento contabilístico com valor oficial e um certificado de
compromisso de entrega (prevista até 30 de novembro de 2010).
No endereço abaixo encontrará as informações necessárias, em especial
na secção «Passo a Passo». Qualquer dúvida não hesite em contactar-me:
www.sempreempe.pt/peregrinacao
Obrigado desde já.
Saúda
José Carlos Costa Marques * Edições Sempre-em-Pé
Rua Camilo Castelo Branco 70/52 * 4425-037 Águas Santas
contacto@sempreempe.pt * Telefax 22 975 9592 * www.sempreempe.pt
nif 152 977 023 * nib 00 33 0000 45320830239 05 * IBAN PT 50 00 33
0000 45320830239 05 *SWIFT/BIC BCOMPTPL
contrapor ao bárbaro «se queres a paz, prepara a guerra».
Convido os que se reconhecem nessa divisa a aderir à possibilidade de
co-financiarem comigo a edição de um livro chave na construção de uma
corrente favorável à paz e à não violência: Peregrinação às Fontes,
de Lanza del Vasto. O autor (1901-1981) é um dos mais destacados
seguidores de Gandhi na Europa; o livro inclui a narração do seu
encontro e estadia junto do Mahatma, em Wardha.
Para viabilizar o livro, são precisas 100 pessoas que pré-comprem 2
exemplares (investimento: 40 euros) ou 200 que pré-comprem um
exemplar (investimento: 20 euros).
Os co-financiadores amigos da Paz, que por sua vez poderão alargar a
corrente falando dela aos amigos, poderão, com um pequeno
investimento, obter o livro em retorno, sem outro pagamento e com uma
redução de quase vinte por cento em relação ao preço previsto de
venda ao público.
O editor enviará a cada co-financiador, na volta do correio, um
documento contabilístico com valor oficial e um certificado de
compromisso de entrega (prevista até 30 de novembro de 2010).
No endereço abaixo encontrará as informações necessárias, em especial
na secção «Passo a Passo». Qualquer dúvida não hesite em contactar-me:
www.sempreempe.pt/peregrinacao
Obrigado desde já.
Saúda
José Carlos Costa Marques * Edições Sempre-em-Pé
Rua Camilo Castelo Branco 70/52 * 4425-037 Águas Santas
contacto@sempreempe.pt * Telefax 22 975 9592 * www.sempreempe.pt
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Grécia, Islândia…
Finalmente, o governo helénico (de esquerda) apresentou um plano de reequilíbrio orçamental e financeiro um pouco mais realista, e a reacção popular nas ruas é a que se pode ver… E na Islândia o referendo sobre a proposta oficial de pagamentos externos foi recusada quase por unanimidade (daqueles que votaram validamente, pois a maioria parece que votou branco ou nulo e não se deu mesmo ao trabalho de ir votar, o que pode ter significados diversos). Em todo o caso, eis dois países bem diferentes da periferia europeia que foram apanhados em cheio pela crise de 2008 e cujas populações reagem mal, com indignação ou desagrado, à perda dos padrões de vida a que se haviam habituado: no caso grego, com a cultura mediterrânica do “desenrasca”, veremos até que ponto o governo conseguirá resistir à pressão da rua; no outro, os simpáticos gélidos islandeses ainda devem estar à procura de compreender como a sua prosperidade se evaporou e, de um momento para o outro, viram o seu sector financeiro arruinado e eles próprios muito mais pobres.
E, entre nós, o PEC hoje apresentado vai dar para muita especulação jornalística, “de café” (não nos respectivos estabelecimentos que o vendem, que já não servem para isso, mas nas pausas-café do trabalho onde tagarelam quadros e empregados), e infindáveis manobras partidárias. Agravamento fiscal sobre os mais ricos? Justíssimo! Adiamento dos grandes investimentos? Pois se já não há dinheiro para eles!… Cortes nos subsídios e despesas sociais? Veremos onde vão incidir, sendo certo que estas práticas (inevitáveis em casos de socorro social) sempre distorcem a verdade na formação dos preços! Privatizações, na complicada economia pública de hoje? Resta saber se há compradores, a que preço e se é para fazerem melhor… Finalmente, o “congelamento” dos rendimentos pessoais pagos pelo Estado (a funcionários e, parcialmente, a pensionistas), que pode ser justo quando aproxima estes dos restantes cidadãos, mais uma vez deixa incólomes os privilégios de que gozam os agentes políticos e altos gestores públicos, embora se saiba que não se situa aqui o peso fundamental da despesa, que é preciso controlar.
Esta, seria a pedra-de-toque de uma reforma moralizadora (e mobilizadora) das energias nacionais, imposta pelas circunstâncias excepcionais que estamos vivendo – mas fora delas, isso alguma vez será viável? –, que poderia relançar a confiança e o crédito de um sistema político desgastado por 2 anos de PREC e 33 de “partidocracite”.
JF/8.Mar.2010
E, entre nós, o PEC hoje apresentado vai dar para muita especulação jornalística, “de café” (não nos respectivos estabelecimentos que o vendem, que já não servem para isso, mas nas pausas-café do trabalho onde tagarelam quadros e empregados), e infindáveis manobras partidárias. Agravamento fiscal sobre os mais ricos? Justíssimo! Adiamento dos grandes investimentos? Pois se já não há dinheiro para eles!… Cortes nos subsídios e despesas sociais? Veremos onde vão incidir, sendo certo que estas práticas (inevitáveis em casos de socorro social) sempre distorcem a verdade na formação dos preços! Privatizações, na complicada economia pública de hoje? Resta saber se há compradores, a que preço e se é para fazerem melhor… Finalmente, o “congelamento” dos rendimentos pessoais pagos pelo Estado (a funcionários e, parcialmente, a pensionistas), que pode ser justo quando aproxima estes dos restantes cidadãos, mais uma vez deixa incólomes os privilégios de que gozam os agentes políticos e altos gestores públicos, embora se saiba que não se situa aqui o peso fundamental da despesa, que é preciso controlar.
Esta, seria a pedra-de-toque de uma reforma moralizadora (e mobilizadora) das energias nacionais, imposta pelas circunstâncias excepcionais que estamos vivendo – mas fora delas, isso alguma vez será viável? –, que poderia relançar a confiança e o crédito de um sistema político desgastado por 2 anos de PREC e 33 de “partidocracite”.
JF/8.Mar.2010
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Ajuda aos madeirenses
Houve provavelmente erros na urbanização e talvez na engenharia hidráulica; apostar fundamentalmente no turismo como fonte do desenvolvimento económico é sempre arriscado.
Mas nada disto é importante agora, no momento em que é preciso reagir e ajudar os madeirenses a superarem a tragédia natural que sobre eles se abateu. Para além dos fundos públicos, é bom que os simples cidadãos possam também contribuir para minorar estragos e prejuízos, já que aos mortos ninguém pode mais acudir!
E para além das correcções de concepção que é necessário fazer para o futuro, oxalá todos ganhemos um pouco mais de consciência sobre o nosso lugar na natureza e a relatividade das causas em que nos empenhamos.
JF / 22.Fev.2010
Mas nada disto é importante agora, no momento em que é preciso reagir e ajudar os madeirenses a superarem a tragédia natural que sobre eles se abateu. Para além dos fundos públicos, é bom que os simples cidadãos possam também contribuir para minorar estragos e prejuízos, já que aos mortos ninguém pode mais acudir!
E para além das correcções de concepção que é necessário fazer para o futuro, oxalá todos ganhemos um pouco mais de consciência sobre o nosso lugar na natureza e a relatividade das causas em que nos empenhamos.
JF / 22.Fev.2010
domingo, 21 de fevereiro de 2010
A E.T.A. em Portugal
A descoberta de armamento da E.T.A. numa vivenda do concelho de Óbidos veio comprovar aquilo que se suspeitava desde 2007: a instalação da organização separatista basca em Portugal.
Os analistas dividiram-se entre a condenação geral da organização e a necessidade de adaptar com rapidez e eficácia as forças de segurança portuguesas a casos de violência terrorista, pouco comuns entre nós. Da parte do governo veio a garantia de que a cooperação policial entre Portugal e Espanha se vai estreitar com a criação de corpos policiais mistos.
Tanto os analistas como o governo parecem ter perdido uma excelente ocasião de abordarem o caso basco fora do simplismo habitual. O caso basco é em geral reduzido na imprensa a dois clichés: a E.T.A. (sempre em vias de desaparecer) não passa dum gang sem escrúpulos e o P.N.V., inspirado por Sabino Arana (1865-1903), um partido de ideologia racista e fascizante. O correspondente português em Madrid, Nuno Ribeiro, é um excelente exemplo deste fio redutor.
Mais uma vez, a propósito da casa de Óbidos, a imprensa e os analistas repetiram os estereótipos, esquecendo a complexidade duma situação cultural e social de grande delicadeza. Todos calaram que a organização separatista basca E.T.A. representa cerca de quinze a vinte por cento da sociedade basca (deve ter sido por isso que Baltazar Garçón se preocupou em ilegalizar os partidos que a representavam) e que o P.N.V. é um partido com uma tradição riquíssima, que merece o respeito e até a admiração de todos os que conhecem a sua história, além de ter sido e continuar a ser o partido mais votado do eleitorado basco.
Quanto ao governo português perdeu uma estupenda oportunidade para se afirmar no plano ibérico, mediando um conflito insolúvel, que muito beneficiaria com uma intervenção descomprometida de mediatismos imediatos e de hipocrisias de fachada.
Portugal não se pode tornar numa base logística dum grupo que só através da violência das armas encontra solução para os problemas com que se confronta. É certo que não.
Mas não vemos razão para que Portugal, que ocupa uma posição privilegiada e única na Península, com uma secessão da Espanha no seu historial recente, não possa ter uma palavra mais empenhada e imparcial, menos do agrado de Madrid, na mediação pacífica e negociada deste conflito.
Jerónimo Leal / 20 de Fevereiro de 2010
Os analistas dividiram-se entre a condenação geral da organização e a necessidade de adaptar com rapidez e eficácia as forças de segurança portuguesas a casos de violência terrorista, pouco comuns entre nós. Da parte do governo veio a garantia de que a cooperação policial entre Portugal e Espanha se vai estreitar com a criação de corpos policiais mistos.
Tanto os analistas como o governo parecem ter perdido uma excelente ocasião de abordarem o caso basco fora do simplismo habitual. O caso basco é em geral reduzido na imprensa a dois clichés: a E.T.A. (sempre em vias de desaparecer) não passa dum gang sem escrúpulos e o P.N.V., inspirado por Sabino Arana (1865-1903), um partido de ideologia racista e fascizante. O correspondente português em Madrid, Nuno Ribeiro, é um excelente exemplo deste fio redutor.
Mais uma vez, a propósito da casa de Óbidos, a imprensa e os analistas repetiram os estereótipos, esquecendo a complexidade duma situação cultural e social de grande delicadeza. Todos calaram que a organização separatista basca E.T.A. representa cerca de quinze a vinte por cento da sociedade basca (deve ter sido por isso que Baltazar Garçón se preocupou em ilegalizar os partidos que a representavam) e que o P.N.V. é um partido com uma tradição riquíssima, que merece o respeito e até a admiração de todos os que conhecem a sua história, além de ter sido e continuar a ser o partido mais votado do eleitorado basco.
Quanto ao governo português perdeu uma estupenda oportunidade para se afirmar no plano ibérico, mediando um conflito insolúvel, que muito beneficiaria com uma intervenção descomprometida de mediatismos imediatos e de hipocrisias de fachada.
Portugal não se pode tornar numa base logística dum grupo que só através da violência das armas encontra solução para os problemas com que se confronta. É certo que não.
Mas não vemos razão para que Portugal, que ocupa uma posição privilegiada e única na Península, com uma secessão da Espanha no seu historial recente, não possa ter uma palavra mais empenhada e imparcial, menos do agrado de Madrid, na mediação pacífica e negociada deste conflito.
Jerónimo Leal / 20 de Fevereiro de 2010
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Estamos mesmo mal…
Ficámos suspensos do “flop” da cimeira climática de Copenhague e da atitude do Ocidente face ao Irão… Durante um mês, em que as imagens da desgraça haitiana nos entravam diariamente pela casa dentro, ficámos calados assistindo algo incrédulos às pequenas manobras partidárias nacionais e à degradação acelerada da posição de Portugal no concerto dos países e nos mercados financeiros internacionais.
Pode pensar-se que tudo não passa de encenações, que as discussões acirradas dos políticos escondem uma efectiva partilha de gestão em comum dos benefícios de um sistema (sócio-económico) onde os mesmos se mantêm, finalmente, quase nos mesmos lugares de sempre. Não deixa isto de ser verdade; e as discussões inter-partidárias até já causam nojo a muito boa gente! Mas os desequilíbrios financeiros do Estado, a dívida externa, o afundamento da nossa anterior economia industrial a engrossar o desemprego, apenas com alguns pequenos sucessos vendáveis lá fora, e com a falta de credibilidade de que dá mostras grande parte da nossa classe dirigente – tudo isso explica que o crédito do país no exterior pareça estar, de facto, a esgotar-se. Já não é pessimismo temer-se próximas situações muito graves.
Perante tal quadro, a aposta na ajuda às pequenas empresas e ao consumo interno para reanimar o crescimento, parecem apenas piedosas medidas para efeitos propagandísticos.
Um verdadeiro sobressalto nacional passa por medidas ainda impensáveis entre nós, mas que já estão a ser aplicadas (ou serão em breve) na Irlanda, na Grécia ou em Espanha, nossos habituais companheiros nos rankings da simpatia, informalidade, ineficácia e corrupção: cortes nos salários e nas pensões – esperemos que A COMEÇAR PELOS MAIS ELEVADOS!; adiamento da idade de aposentação; redução do peso do Estado; ataque aos corporativismos que medram à sua sombra; revisão urgente de muitas leis atacando diversos “direitos adquiridos”; etc.
Preparemo-nos. O próximo futuro não é risonho. Mas é talvez necessário.
JF/4.Fev.2010
Pode pensar-se que tudo não passa de encenações, que as discussões acirradas dos políticos escondem uma efectiva partilha de gestão em comum dos benefícios de um sistema (sócio-económico) onde os mesmos se mantêm, finalmente, quase nos mesmos lugares de sempre. Não deixa isto de ser verdade; e as discussões inter-partidárias até já causam nojo a muito boa gente! Mas os desequilíbrios financeiros do Estado, a dívida externa, o afundamento da nossa anterior economia industrial a engrossar o desemprego, apenas com alguns pequenos sucessos vendáveis lá fora, e com a falta de credibilidade de que dá mostras grande parte da nossa classe dirigente – tudo isso explica que o crédito do país no exterior pareça estar, de facto, a esgotar-se. Já não é pessimismo temer-se próximas situações muito graves.
Perante tal quadro, a aposta na ajuda às pequenas empresas e ao consumo interno para reanimar o crescimento, parecem apenas piedosas medidas para efeitos propagandísticos.
Um verdadeiro sobressalto nacional passa por medidas ainda impensáveis entre nós, mas que já estão a ser aplicadas (ou serão em breve) na Irlanda, na Grécia ou em Espanha, nossos habituais companheiros nos rankings da simpatia, informalidade, ineficácia e corrupção: cortes nos salários e nas pensões – esperemos que A COMEÇAR PELOS MAIS ELEVADOS!; adiamento da idade de aposentação; redução do peso do Estado; ataque aos corporativismos que medram à sua sombra; revisão urgente de muitas leis atacando diversos “direitos adquiridos”; etc.
Preparemo-nos. O próximo futuro não é risonho. Mas é talvez necessário.
JF/4.Fev.2010
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Professores: Governo e sindicatos chegam a acordo
Parece que, finalmente, Governo e sindicatos de professores chegaram a acordo no que respeita à revisão do Estatuto da Carreira Docente e da Avaliação dos Professores. Será o final de um processo de “concertação” social?
A culpa é dos professores, toda a gente sabe disso…
O governo e os chamados órgãos de comunicação social nos últimos anos lançaram uma campanha insidiosa atirando o ónus da má qualidade do sistema de ensino e dos problemas da educação para cima dos professores e apontando como única solução a necessidade de avaliar os “bons” professores, premiando-os com a subida na carreira. Desde que há memória, sempre coube ao governo decidir quem podia ou não ser professor, quais os programas que deveriam ser adoptados, as disciplinas que deveriam ter, como deveriam os alunos ser avaliados, a dimensão das turmas, o número de horas lectivas a distribuir pelos professores, a carga horária que os alunos deveriam ter, bem como as escolas deveriam ser organizadas e equipadas, o número de reuniões a fazer, o tipo e quantidade de papéis a preencher, definir o modelo de formação contínua dos professores.
Ao Ministério de Educação coube-lhe promover o sucesso escolar, fazendo com que os professores tivessem muito mais trabalho em reprovar alunos do que em passá-los, alimentando a ilusão de que todos deveriam ser “doutores” e que, com isso, o país ficaria muito mais rico. Em contrapartida, os apoios sociais aos alunos carenciados são cronicamente miseráveis, a qualidade do parque escolar e das condições pedagógicas que oferecem miseráveis são. O que tem sido considerado muito bom por comparação com o que se passava “no tempo do fascismo”.
Tenta-se agora tapar o sol com a peneira que consiste em encher as salas de computadores, quando nem sequer se conhece software didáctico-pedagógico especializado que seja distribuído com os ditos, faltam laboratórios, apesar de começarem a ser substituídas as escolas abarracadas por outras de betão, nem sempre melhores.
A culpa dos maus resultados dos alunos, quando comparados por padrões internacionais, pregou-se insistentemente, é dos professores que não querem ser avaliados. E as maiores manifestação na história da “classe docente” fez-se recentemente por causa disso, sem que nem o governo nem sequer a ministra fossem demitidos. Entretanto, a crise do ensino público manifestou-se nas últimas décadas com a deserção das classes médias para o ensino privado, a afectar de forma mais aguda o 3º ciclo do ensino básico. Um problema agravado com a contracção demográfica e o esgotamento da expansão da procura.
As raízes de um problema
Demográfico e financeiro é, afinal, a raiz do problema, ou melhor, a motivação prioritária do programa de acção do governo, imposta pelo espartilho orçamental cujas regras fundamentais são ditadas por Bruxelas. Expliquemo-nos.
Com a expansão do sistema escolar nas últimas três décadas, particularmente nos 2º e 3º ciclos, entraram para a “carreira” milhares de jovens licenciados com cursos via ensino ou profissionalizados ao fim de muitos anos de acordo com a regras estipuladas pelo Ministério com baixos salários e que agora começam a atingir os graus do topo da carreira. Mesmo sem actualização de vencimentos, as despesas do ME com os aumentos salariais induzidos pelas progressões automáticas dispararam, situação que obrigou o governo a “congelar as progressões nas carreiras” durante dois anos.
A solução que surgiu agora vem na linha neo-liberal que foi adoptada para o modelo de gestão escolar, com o reforço dos poderes do topo da hierarquia, sem que se veja qualquer exemplo palpável de práticas de transparência e de fiscalização das direcções. Quis-se depois criar uma casta de “eleitos” (os professores titulares) por processos administrativos iníquos (e por isso unanimemente repudiados) e lançando para o precariado a maioria dos professores, correndo muitos dos mais antigos para os pedidos de reforma antecipada, preferindo as penalizações daí decorrentes a terem de continuar a suportar a situação.
A solução encontrada
Admite-se agora que numa carreira horizontal nem todos têm o direito de chegar ao topo. O princípio até que poderia vingar consensualmente se assentasse em critérios meritocráticos. Mas o que se configura é que, nesse processo de avaliação que se irá implantar, fique aberto caminho para a promoção no interior das escolas por via das redes clientelares partidocráticas, do amiguismo e da demagogia bacoca que promove o show off pedagógico no interior das escolas, sem que isso se traduza necessariamente em melhoria da qualidade do ensino que a República oferece a todos os seus cidadãos. Porque o critério objectivo que ocorre nessa lógica consiste em ligar a “qualidade” de ensino de cada docente à “qualidade” da aprendizagem de cada aluno e, à falta de melhor critério, isto envolve a avaliação externa (aferida) de todos os alunos em todas as disciplinas no final de cada ano lectivo. Mas esta solução receia-se que não promova o “sucesso educativo” e, pior, traga à tona a qualidade de ensino que a República tem oferecido aos seus cidadãos. E, para quem trabalha no ensino, que o ónus fique inteiramente do lado dos professores.
PG
A culpa é dos professores, toda a gente sabe disso…
O governo e os chamados órgãos de comunicação social nos últimos anos lançaram uma campanha insidiosa atirando o ónus da má qualidade do sistema de ensino e dos problemas da educação para cima dos professores e apontando como única solução a necessidade de avaliar os “bons” professores, premiando-os com a subida na carreira. Desde que há memória, sempre coube ao governo decidir quem podia ou não ser professor, quais os programas que deveriam ser adoptados, as disciplinas que deveriam ter, como deveriam os alunos ser avaliados, a dimensão das turmas, o número de horas lectivas a distribuir pelos professores, a carga horária que os alunos deveriam ter, bem como as escolas deveriam ser organizadas e equipadas, o número de reuniões a fazer, o tipo e quantidade de papéis a preencher, definir o modelo de formação contínua dos professores.
Ao Ministério de Educação coube-lhe promover o sucesso escolar, fazendo com que os professores tivessem muito mais trabalho em reprovar alunos do que em passá-los, alimentando a ilusão de que todos deveriam ser “doutores” e que, com isso, o país ficaria muito mais rico. Em contrapartida, os apoios sociais aos alunos carenciados são cronicamente miseráveis, a qualidade do parque escolar e das condições pedagógicas que oferecem miseráveis são. O que tem sido considerado muito bom por comparação com o que se passava “no tempo do fascismo”.
Tenta-se agora tapar o sol com a peneira que consiste em encher as salas de computadores, quando nem sequer se conhece software didáctico-pedagógico especializado que seja distribuído com os ditos, faltam laboratórios, apesar de começarem a ser substituídas as escolas abarracadas por outras de betão, nem sempre melhores.
A culpa dos maus resultados dos alunos, quando comparados por padrões internacionais, pregou-se insistentemente, é dos professores que não querem ser avaliados. E as maiores manifestação na história da “classe docente” fez-se recentemente por causa disso, sem que nem o governo nem sequer a ministra fossem demitidos. Entretanto, a crise do ensino público manifestou-se nas últimas décadas com a deserção das classes médias para o ensino privado, a afectar de forma mais aguda o 3º ciclo do ensino básico. Um problema agravado com a contracção demográfica e o esgotamento da expansão da procura.
As raízes de um problema
Demográfico e financeiro é, afinal, a raiz do problema, ou melhor, a motivação prioritária do programa de acção do governo, imposta pelo espartilho orçamental cujas regras fundamentais são ditadas por Bruxelas. Expliquemo-nos.
Com a expansão do sistema escolar nas últimas três décadas, particularmente nos 2º e 3º ciclos, entraram para a “carreira” milhares de jovens licenciados com cursos via ensino ou profissionalizados ao fim de muitos anos de acordo com a regras estipuladas pelo Ministério com baixos salários e que agora começam a atingir os graus do topo da carreira. Mesmo sem actualização de vencimentos, as despesas do ME com os aumentos salariais induzidos pelas progressões automáticas dispararam, situação que obrigou o governo a “congelar as progressões nas carreiras” durante dois anos.
A solução que surgiu agora vem na linha neo-liberal que foi adoptada para o modelo de gestão escolar, com o reforço dos poderes do topo da hierarquia, sem que se veja qualquer exemplo palpável de práticas de transparência e de fiscalização das direcções. Quis-se depois criar uma casta de “eleitos” (os professores titulares) por processos administrativos iníquos (e por isso unanimemente repudiados) e lançando para o precariado a maioria dos professores, correndo muitos dos mais antigos para os pedidos de reforma antecipada, preferindo as penalizações daí decorrentes a terem de continuar a suportar a situação.
A solução encontrada
Admite-se agora que numa carreira horizontal nem todos têm o direito de chegar ao topo. O princípio até que poderia vingar consensualmente se assentasse em critérios meritocráticos. Mas o que se configura é que, nesse processo de avaliação que se irá implantar, fique aberto caminho para a promoção no interior das escolas por via das redes clientelares partidocráticas, do amiguismo e da demagogia bacoca que promove o show off pedagógico no interior das escolas, sem que isso se traduza necessariamente em melhoria da qualidade do ensino que a República oferece a todos os seus cidadãos. Porque o critério objectivo que ocorre nessa lógica consiste em ligar a “qualidade” de ensino de cada docente à “qualidade” da aprendizagem de cada aluno e, à falta de melhor critério, isto envolve a avaliação externa (aferida) de todos os alunos em todas as disciplinas no final de cada ano lectivo. Mas esta solução receia-se que não promova o “sucesso educativo” e, pior, traga à tona a qualidade de ensino que a República tem oferecido aos seus cidadãos. E, para quem trabalha no ensino, que o ónus fique inteiramente do lado dos professores.
PG
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