Ontem, dia 18, os franquistas e o seu regime festejavam o “alzamiento”. Hoje, dia 19, os antifascistas celebram o levantamento popular das esquerdas que, em Madrid, Barcelona e outras cidades, travou o que estava planeado como devendo ser um golpe-de-estado militar, em 1936. É certo que se tratou de um genuíno gesto de revolta de séculos do povo deserdado contra a altivez e o desprezo que lhe votavam os “grandes de Espanha”, mas também aí se deu início a uma sangrenta guerra civil que se tornou num campo de manobras internacionais.
Com quatro décadas de ditadura e três de democracia, a Espanha voltou a ser um grande país na cena europeia. Tem recursos e condições para isso, mas também a espreitam algumas velhas ameaças: acima de tudo, a intolerância e o confronto.
Ao mesmo tempo que a despolitização cresce na população e o orgulho hispânico se enche com amplas realizações e ambições de grandeza, os nacionalismos internos, a luta partidária e a memória do franquismo trabalham, pelo contrário, para a desagregação e o enfraquecimento do próprio quadro europeu, no seu conjunto.
No meio da alegria dos campeões futebolísticos logo se viu a bandeira catalã exibida por dois dos seus jogadores. E na véspera, milhares de militantes haviam enchido as ruas de Barcelona para protestar com palavras fortes contra o tribunal constitucional que acabara de negar à região o termo de “nación”, mantendo o actualmente consagrado de “nacionalidad”.
Enquanto a economia foi expansiva (mesmo quando assentava em bases financeiras frágeis, como agora se vê, mas já antes os escândalo imobiliários prenunciavam), a esquerda-PSOE pôde brindar certas supostas vanguardas sociais com medidas de ruptura cultural que ofenderam a população mais tradicional, a igreja católica ou o mundo taurino, e inquietaram o exército. Mas agora que o desemprego voltou aos 20% e que a imigração se sentirá mais ameaçada, não vão bastar as “movidas” que entretêm os jovens, os filmes de Almodovar ou as enebriantes celebrações dos “campeones”.
O juiz Garzón mostrou já sobejamente o seu espírito independente ao tentar incriminar Pinochet e, simultaneamente, não ceder às manobras dos “etarras”. Mas o seu “caso” de agora já foi apanhado pela máquina trituradora da luta política que vem animando a questão da “memória histórica” da guerra civil e da ditadura franquista.
É bom que se redescubra e reconheça o passado sem os preconceitos próprios dos vários contendores. É justo que se dignifique, por igual, a memória de todos os que tombaram e sofreram em condições de grande infelicidade colectiva. Mas deve cuidar-se que tal não seja o pretexto para relançar novas dinâmicas conflituais e destrutivas. O lado mais negro e triste do passado deve guiar-nos para evitar que façamos novas asneiras.
JF/19.Jul.2010
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segunda-feira, 19 de julho de 2010
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Espanha não existe. É um sonho imperial dos Habsburgos e dos Bourbons. Depois, foi um sonho de violência. O único sonho que existe é ibérico e plural. Não é iberista, como em França, os «francistes» só conseguiram ser os primeiros fascistas, se não mesmo os primeiros nazis, pretensos herdeiros dos cátaros.Ora o sonho ibérico tem uma face, Portugal. Isto é mais que a face mas a Espanha não aguenta a sua própria pluralidade, feita de prazeres e loucuras, umas vezes una, outras em guerra civil. Não desejo a morte de Espanha pois é como uma bomba a rebentar ao lado mas Portugal há muito que é a face do Mar e não a face da Europa. Se uma ilha do arquipélago português se afunda, outras ficarão. O Império não é uma província dilatada. É o Espírito Santo, é o Império ao contrário, não aqule que se dilata, mas aquele que se ultrapassa, aquele onde a dor a beleza e a desolação do Mar, nos fazem finalmente Imperadores dos nossos próprios impulsos.
ResponderEliminarAndré Bandeira