Era exactamente este o título de uma crónica regularmente inserida nos anos 20 no jornal A Batalha, “diário da manhã - porta-voz da organização operária portuguesa”, dando conta dos debates parlamentares de S. Bento.
Quase um século depois, em vez de discussão de ideias ou debate de opiniões, de novo voltamos a ter no mesmo hemiciclo idênticos comportamentos partidários aberrantes, de mera chicana política, que só desprestigiam os deputados aos olhos da maioria dos portugueses. Os governantes sucedem-se na tribuna, as mais das vezes fazendo afirmações capciosas ou torneando as reais dificuldades nacionais, aplaudidos pela bancada da maioria sempre que conseguem alguma tirada de maior efeito retórico. E as oposições revezam-se no papel de encontrar sempre novas justificações para “deitar abaixo” a acção governativa, vá esta numa determinada direcção ou na direcção oposta. Como no futebol, as picardias e caneladas estão sempre presentes, por vezes até entre fracções rivais do mesmo partido. Pergunta-se, como prova de teste: quantos diplomas terão sido aprovados por unanimidade ou quase-unanimidade da câmara? Adivinha-se que bem poucos. Quantas votações terão sido decididas por um maior número de votos de consciência individual fragmentando a disciplina partidária? Decerto um escasso número. Deverá servir a Assembleia apenas como arena de pugna partidária?
É verdade que o parlamento é um lugar de confronto de correntes de opinião estruturadas existentes no conjunto da sociedade e, nesse sentido, uma instituição insubstituível. Tal como os partidos políticos são a agregação racionalizadora e polarizada do somatório das “ideias” e aspirações existentes entre os seus concidadãos. Mas também acontece que as instituições se deixem apodrecer, bloqueadas numa lógica interna auto-destruidora, e que as intermediações partidárias, blindadas por regras que as favorecem, percam o sentido da representação popular que as originou.
Numa altura de evidente angústia do país perante as condições económico-financeiras em que vivemos, parecem deploráveis alguns dos comportamentos exibidos ultimamente pelos actores políticos. Três exemplos, apenas. O primeiro, do lado da coligação governamental, ao sujeitar pessoas como Vítor Gaspar, Álvaro Santos Pereira, Rui Machete, Maria Luís Albuquerque, sobretudo Paulo Portas, e ainda o próprio Passos Coelho, aos gestos públicos a que todos nós assistimos, com apoucamento pessoal e desprestígio para a função. O segundo diz respeito ao maior partido da oposição: com aquela nota-à-imprensa saída a meio da tarde de uma quarta-feira negocial acerca da “intransigência” do governo, corrigida horas depois no comunicado conjunto; com a inacreditável mobilização de Mário Soares e dos seus amigos sobre o “líder”; com os termos do seu “Compromisso de salvação nacional” divulgados na sexta-feira do rompimento, que parecia mais um caderno reivindicativo sindical do que um (demagógico) programa eleitoral; e com o rápido “esquecimento” da derrota da sua estratégia de “eleições já”, substituída agora pelos ataques pessoais à “incompetência” do primeiro-ministro e pelas acusações de “mentira” feitas aos mais frágeis membros deste governo – tudo isto leva os cidadãos a não acreditarem minimamente no PS como real alternativa para suceder à coligação PSD-CDS, restando-nos aguardar pelos resultados eleitorais quando chegar a hora. E o terceiro exemplo de desfaçatez é-nos dado pela dinâmica já em curso quanto às próximas eleições autárquicas. Já não bastava a caricata situação jurídica criada pela lei de limitação de mandatos e o espectáculo indecoroso de alguns “dinossauros” locais em manobras de prosseguimento de “obra” em novos territórios; ainda subsistem dúvidas quanto aos resultados das acções judiciais interpostas por certas autarquias relativamente à sua fusão ou recomposição, que podem vir a perturbar o escrutínio; e já estamos a ter de “gramar” com três meses de antecedência a propaganda eleitoralista dos partidos e candidatos locais (com gastos pagos sabe-se lá por quem), ávidos por esse pequeno naco de poder, ao mesmo tempo que os jornalistas vão alimentando as quezílias e comentadores e especialistas vão afinando as suas análises acerca da “leitura política nacional” que será possível fazer dos resultados desta consulta. Quando chegará a hora de fazer descoincidir no tempo este tipo de eleições, para que elas tenham apenas o impacto local que devem ter?
Também não passa um mês, quiçá semanas, sem que surjam na comunicação social notícias de novos “buracos” que comprometem as finanças públicas. Já perdemos a conta aos milhões; já só registamos cifras de milhares de milhões (de Euros) – seja de contratos swap “entoxicados” feitos por empresas do Estado, seja de Parcerias Público-Privadas mal orçamentadas, seja de “rendas excessivas” pagas a sectores protegidos, ou ainda descontrolos observados nas Entidades e Fundos Autónomos ou na Administração Regional e Local. Embora tudo isto seja matéria cuja complexidade de manuseamento exige conhecimentos de especialistas, a ideia que sobra para os simples cidadãos é a de que, desde há muitos anos, a gestão-da-coisa-pública tem andado sempre mal-tratada ou em mãos de gente que se move por outros interesses que não os do “bem comum”. A suspeita de corrupção é sempre injusta e nefasta quando se aplica a toda uma categoria social mas a impunidade dos compadrios (político-económico-judiciais) deixa pairar as mais sérias reservas, em cada vez maior número de pessoas, sobre a credibilidade dos discursos políticos que nos são servidos. Por exemplo: não há dúvida que, com a benevolência do Presidente, o governo conseguiu a pirueta de transformar um quase-esfacelamento num aparente revigoramento para prosseguir a legislatura. Mas toda a gente se pergunta como irá sobreviver à próxima avaliação da troika, ao próximo orçamento do Estado, ao desemprego do próximo Outono-Inverno e ao financiamento das despesas do Estado em 2014, face a tamanhas dificuldades internas e a tantas incógnitas no plano externo.
Estes descaminhos das finanças públicas não se devem unicamente à cupidez dos políticos e ao predomínio dos interesses partidários. As três últimas décadas foram marcadas no mundo inteiro por uma aventura financeirista sem precedentes. Não emprego o termo “neo-liberalismo” porque o mesmo tem sido usado à exaustação como bandeira de combate político do estatismo de esquerda que sempre sonha impor à sociedade as suas concepções iluminadas ou vanguardistas (aproveitando também sorrateiramente para desacreditar a ideia de autonomia contida no termo liberal…). Mas é verdade que, com a globalização tecnológica e económica, e na ausência de graves conflitos mundiais (pós-descolonização, pós-guerra fria), se abriram novos e enormes espaços de negócio assentes em duas premissas fundamentais: o consumismo de massas (estimulado pelo marketing e a publicidade) e o crédito exagerado.
Os políticos aproveitaram a oportunidade para “cavalgar a onda” e estreitaram rapidamente laços de interesses venais com os homens-de-negócios, cada qual ao seu nível: governamental, com administradores bancários e grandes empresários; regional ou local, com gerentes de agências e as “forças vivas” da terra. Foi óptimo encher-se o país de auto-estradas e nelas rolarem potentes automóveis e motos a 180 à hora! Dá gosto ver as piscinas e pavilhões modernos nos mais pequenos municípios de província! Mas as contas dessas obras estão agora por pagar. E, tirando algum incómodo provocado pelas campanhas investigatórias da imprensa livre (mas nem sempre isenta) e uns raros casos-de-justiça, nenhuma sanção parece recair sobre quem, ao longo do tempo, foi tomando decisões que agora provocam pesados custos e sacrifícios aos contribuintes e à maioria da população. Por tais decisões, “ces gens là” – a que Wright Mills hoje chamaria provavelmente “complexo político-negocial” e que outros mais canónicos prefeririam designar por classe dirigente (que deve ter correspondência aproximada com os cem mil detentores dos mais elevados rendimentos, num país de dez milhões como Portugal) –, essa gente, dizíamos, deveria agora ser “chamada à pedra” para pagar pelas suas responsabilidades no festim.
Sabe-se, naturalmente, que também existe a “finança internacional” – que porém (não o esqueçamos), há de incluir parte do aforro dos portugueses, em busca de melhor remuneração – e que estados economicamente poderosos impõem sempre as suas condições aos mais fracos. Mais uma razão para o povo português exigir dos seus representantes, em doses elevadas, competência, inteligência e probidade. E não vale a desculpa de que apenas são “o espelho da nação”. Afinal, não são eles os nossos eleitos, isto é, supostamente, os melhores?
Os políticos vão agora de férias. Mais valia que por lá ficassem… (desde que a política começasse a ser feita, um bocadinho, por todos nós).
JF / 31.Jul.2013