A questão dos excessos creditícios e consumistas de um país como Portugal vai levar alguns anos a reabsorver mas resolver-se-á (se não houver acontecimento catastrófico) em termos de conjuntura. Porém, coisa diferente é o problema estrutural de uma região (europeia), e em especial das suas periferias, de como lidar com a nossa baixa produtividade comparativamente às regiões do mundo em franco crescimento, onde milhões de “esfomeados de trabalho e de consumo” esperam a sua oportunidade histórica, como acontece com o Brasil, a Índia, o México, a África do Sul, a Indonésia, a Rússia, a Turquia ou a China.
Há soluções teóricas que poderiam responder ao problema mas que, além de injustas para os povos mais carenciados, trariam retrocesso e infelicidade para todos. Seria o caso do restabelecimento desordenado de barreiras alfandegárias.
Descartando as hipóteses aventureiras ou demagógicas e seguindo o que se pode entender do discurso dos economistas, terá sempre de se fazer uma perda do rendimento real dos agentes económicos, seja ela por força de uma desvalorização da moeda, seja por via da inflação, ou de outro qualquer modo. Como o nível dos impostos na Europa é já muito elevado (sobretudo entre nós), não será também por aí que se reduzirá o rendimento disponível. A desvalorização monetária (neste caso, do Euro, face ao dólar, ao yen, ao yuan, etc.) pode “decretar-se” mas não impor-se, e ainda menos quando não existe um poder político plenamente soberano. E a inflação (imprimindo mais papel- moeda à ordem dos governantes) é um jogo altamente perigoso de que certos países (a Alemanha, entre outros) guardaram uma traumática recordação.
O dualismo existente entre pessoas activas com e sem trabalho assegurado é, porém, uma dificuldade estrutural pois enquanto uma redução dos salários dos primeiros poderia ser um mal menor, aos segundos já nada pode pedir-se, porque praticamente nada produzem.
Em Portugal, por exemplo, os mercados de trabalho estão extremamente segmentados: umas pessoas usufruem de muito bons salários, mas muitas outras vivem dos subsídios públicos, que estão a minguar; uns tem muitas garantias nos seus estatutos de emprego, outros quase nenhumas; uns têm trabalho certo, mas são cada vez mais numerosos os “precários” e os desempregados; os mais qualificados (jovens) são os que menos oportunidades têm de aplicar as suas capacidades; ainda faz diferença ser homem ou mulher, nativo ou imigrante; etc.
Mas poder-se-ia forçar uma redução significativa do tempo de trabalho de modo a que, no limite, houvesse pleno emprego, embora todos os actualmente empregados perdessem qualquer coisa como 15 ou 20% dos seus ganhos?
Esta seria talvez a solução mais justa. Mas será viável? O bom-senso não chega para governar os povos e às vezes até pode ser perigoso. Lembremo-nos da tentativa do PS francês de reduzir a duração da semana normal de trabalho para 35 horas. O “padrão fisiológico” da jornada-de-trabalho tem a sua elasticidade, mas existe mesmo! Uma redução unilateral muito pronunciada traduzir-se-á sempre por um aproveitamento a favor de terceiros, interna e externamente. E como não está à vista – felizmente! – um governo mundial que impusesse universalmente as 30 ou 35 horas semanais para obter o pleno emprego (com a correspondente redução do salário), outro caminho não parece restar-nos senão o de procurar as acomodações e ajustamentos mais adequados entre gestão financeira das dívidas, crescimento económico, controlo da tecnologia (geralmente devoradora de postos de trabalho) e emprego.
Com duas condicionantes decisivas: que o crescimento se mantenha elevado nos países mais pobres e os mais ricos se adaptem a um crescimento próximo do zero; e que, depois desta trabuzanada financeira, o crédito e os diversos artifícios contabilísticos sejam usados com muito maior prudência e sentido das realidades sociais.
JF / 31.Ago.2012