Com o sr.
Trump dono da Casa Branca, intensificaram-se as previsões e os cenários, quase
todos marcados pela advertência de “elevada incerteza”. Entre o muito que vem
sendo publicado chamou-me particularmente a atenção um texto divulgado no dia
23 de Janeiro na Internet por Miguel Mattos Chaves intitulado “O novo
Presidente dos USA” (http://mattoschaves.blogspot.com).
O autor (doutorado em estudos europeus e actual director d’O Diabo, um jornal com história singular que na altura do PREC foi dirigido
pela aguerrida Vera Lagoa) considera que, analisando o seu Programa Político,
«[…] e apesar de isso poder “prejudicar” a União Europeia, Donald Trump tem o
meu respeito e apoio» e, «como Português», espera «que nos aproximemos
novamente dos EUA e do Reino Unido», aproximação em que vê vantagens e pela
qual «evitaremos ser dominados pela Alemanha [e] aliviaremos o domínio
excessivo e esmagador da UE sobre o nosso país, que tenho vindo a denunciar».
Detalhando a
sua apreciação sobre o referido programa, ele enfatiza a questão da segurança
da fronteira sul e do controlo/expulsão dos imigrantes ilegais, a baixa de
impostos e as novas obras públicas, o repatriamento de indústrias (como?), a
revogação/reestruturação do Obamacare
«que está a arruinar o orçamento dos EUA» (estará?), a redução das despesas com
a NATO, o restabelecimento das negociações com a Rússia (aceitando a anexação
da Crimeia e de parte da Ucrânia?), a anulação ou renegociação de vários
tratados internacionais, a taxação dos produtos asiáticos em dumping e a nomeação de um novo juiz do
Supremo com posições anti-aborto. Se fosse apenas um programa conservador,
nenhum mal especial viria ao mundo (a não ser a exasperação de muitos
“vanguardistas”). O pior é que se teme que, com a justificação de um maior
equilíbrio no financiamento da NATO, exista, de facto, o desígnio de
enfraquecer esta Aliança militar, “largar” a Europa (já tão desconjuntada) e
estabelecer relações amistosas com a Rússia de Putin, para a afastar da China e
concentrar nesta (e, por tabela, em outros países produtores emergentes) o
essencial das pressões americanas de natureza económica, e também
estratégico-militares – sem se perceber ainda bem como Washington irá lidar com
o terrorismo internacional e o mundo islâmico. Isto seria um jogo de xadrez de
alta política, se não se tratasse de uma personagem que não parece ter
capacidades para mais do que para uma partida de poker.
Pelo que
escreve, Mattos Chaves compreende e defende o proteccionismo, o nacionalismo
económico e político do novo presidente americano. Eu prevejo e aceito sem
dificuldade que, em geral, o controlo das fronteiras deva ser aumentado nos
próximos anos mas já apontei para este blogue, a sair em breve, que, com esta
política americana, «[…] haveremos de ver se isso acabará por se traduzir numa
globalização económico-financeira um pouco mais regulada ou, ao invés, se tais
dinâmicas não desencadeiam uma guerra comercial entre as grandes potências de
efeitos devastadores». Aquele autor diz esperar 1 a 2 anos para ver como se
efectivará o programa de Trump. Talvez não seja necessário tanto tempo para
constatar os seus efeitos na ordem internacional e nos assuntos domésticos. Eu
aceito, naturalmente, que cada comunidade nacional (de história e de cultura)
disponha das suas próprias instituições de representação e que elas velem pelo
interesse geral dessa comunidade. Mas o nacionalismo é muito mais (e pior) do
que isso: funda a identidade nacional na aversão (quando não no ódio) ao estrangeiro
ou, mais particularmente, a uma nacionalidade rival.
O autor devia
saber que o espírito nacionalista conduziu à maioria das guerras que
ensanguentaram a Modernidade, as quais não foram genuinamente piores que as do
passado, mas fizeram-no numa escala multiplicada. Julgo não estarmos com isso
de volta (mesmo quando nos acenam com o “perigo alemão”). Mas uma “guerra
económica” de proteccionismos e redução das trocas comerciais irá frenar
brutalmente o crescimento económico mundial, com consequências de
empobrecimento terríveis para muitos países, sobretudo os mais frágeis. Hoje,
já não é possível falar estritamente em “políticas nacionais”. Tal como para os
equilíbrios ambientais ou para a (in)segurança nuclear, a mundialização é um
facto e todos os responsáveis (políticos, económicos, líderes espirituais ou
pessoas de superior notoriedade cultural) têm de ter isso muito em conta. É
certo que há fundamentalistas ecologistas e religiosos, de quem o bom senso já
desconfia. Mas os políticos nacionalistas agressivos devem ser apontados como
igualmente perigosos, ou provavelmente ainda mais.
O autor
carrega a sua crítica sobre os jornalistas, os comentadores encartados e os
meios de comunicação social que, com Trump, deixarão «de ter o monopólio de
“dominar” e influenciar as mentes dos cidadãos menos informados». É uma verdade
conhecida que este “4º poder” age frequentemente como um verdadeiro actor
político, pela forma como selecciona e redige as notícias, os comentadores que
escolhe, etc. Mas, num ambiente de concorrência, tem de se contar com a
credibilidade que a opinião pública concede a cada jornal ou TV, fruto da
experiência vivida. E, por outro lado, existem regras deontológicas que balizam
o exercício da profissão de jornalista, as quais, apesar de muito violadas,
sempre constituem um quadro normativo de referência para o sector. Esta função
de mediação ou interposição dos media
pode deturpar a informação que chega ao público mas também constitui um filtro
racionalizador do caos factual e da opinião sem qualquer rigor ou controlo, que
se desbundaria na sua ausência. Veja-se o que, precisamente, está acontecendo
no ciber-espaço com as chamadas “redes sociais”, onde não existe qualquer
critério de verdade nem noção de responsabilidade, mas apenas o “escarrador”
daquilo que vem à cabeça de qualquer um, sob anonimato.
Por outro
lado, repete o autor que «foi sobretudo através do Facebook, Twiter e Instagram
que Donald Trump conseguiu fazer chegar às pessoas as suas mensagens e Programa
Político». Mas quem, como ele, proclama mentiras, provocações ou incongruências
em cada intervenção mediática, para excitar as massas apoiantes, é mais digno
de crédito do que os “monopolizados” meios de comunicação social?
Idêntica
crítica posso fazer a Mattos Chaves quando este afirma que «Trump é
multimilionário, não precisa dos “lobbys” para nada, nem dos partidos políticos
e prescindiu do seu ordenado de Presidente» como garantia da sua autenticidade.
Quanto aos lobbies e à riqueza do
homem, estamos conversados! Mas, de facto, eu também sou daqueles que vêm com o
maior criticismo o autismo e a monopolização que os partidos instalados vêm
fazendo da representação popular, nos regimes democráticos. E não ligo grande
coisa às indignações anti-Trump de que o establishment
dá mostras, sejam as formações tradicionais da esquerda, seja a inteligenstia bem-pensante que acede aos
media ou outras figuras actuais da
cultura pop. Porém, julgo saber que
essa função de representação colectiva e institucional seja fundamental para
que a desordem social não se instale (porventura com o caos e a guerra que
alguns sempre tentarão aproveitar) ou prevenir que apareça um “multimilionário”
(do dinheiro, como Trump; ou da palavra hipnotizante, como Hitler ou Mussolini)
desses que tentam conduzir as gentes como um bando de carneiros, ao mesmo tempo
que atiçam contra estes os lobos por si ordenados.
Tudo isto é
perigoso, mas há mais. Com a sua figura grotesca, apalhaçada (como Beppe
Grillo?); com os seus gestos, postura e modo de falar “à povo” – o senhor Trump
desprestigia e desacredita em cada sua intervenção pública as instituições
republicanas e, em geral, toda a esfera do “político”. Como querem que as
pessoas vulgares velem mais pelo interesse de todos? Que dias chatos, estes que
vivemos!
JF /
28.Jan.2017
Li, com o habitual agrado, o texto que JF nos deu a conhecer. Fica provado que é possível discutir ideias/politica sem, desnecessárias, agressões. Tb (re)li o texto de M. Mattos Chaves, constatando [que me perdoe o JF, que muito estimo] que, aqui e ali, não houve total rigor nas transcrições reproduzidas. Mas, é bom que surjam contributos [como estes dois exemplos] com o desiderato de nos obrigar a pensar ou repensar os direitos [e os deveres] humanos de cada um e de cada sociedade/país, sem preconceitos e com mente aberta.
ResponderEliminarAntónio Nabais Caldeira