Vai fazer agora um século que se iniciou na Rússia
um processo revolucionário que teve consequências duradouras para o mundo
inteiro. O império czarista dos Romanov era um regime fortemente autoritário,
retrógrado ainda em muitos aspectos sociais e religiosos mas com uma economia
que pretendia entrar na modernização tecnológica já desenvolvida a Ocidente. Os
insucessos militares na guerra contra o Japão e, depois, contra os alemães (em
solo polaco) foram audaciosamente aproveitados pelos bolcheviks de Lénine e Trotsky para derrubar o governo e as
instituições estatais em proveito de uma “ditadura do proletariado” que (ainda
por cima face a uma guerra civil com
envolvimento de potências estrangeiras) em breve se revelou ser a ditadura do
partido comunista sobre toda a sociedade, a começar pelas restantes forças
revolucionárias da época (populistas, mencheviks,
socialistas-de-esquerda, anarquistas, etc.) e, finalmente, da clique do “pai
dos povos” Estáline sobre todos os próprios correligionários que pudessem
fazer-lhe sombra. Este partido de tipo novo conceptualizou e passou a praticar
em larga escala a “agit-prop”, muito
mais inteligente do que a acção dos bandos armados de extrema-direita que então
aterrorizavam as ruas de algumas importantes cidades europeias. Estava
inventada a nova “religião laica” do século XX – contra a qual o nazi-fascismo
justificou todas as barbaridades que praticou –, que organizou o mundo em duas
metades em permanente tensão durante cinquenta anos e de cujas sequelas ainda
hoje padecemos com uma China meio-capitalista/meio-comunista, uma
Rússia-autoritária-capitalista e núcleos de nostálgicos da “foice-e-martelo”
espalhados pelos quatro cantos do mundo. Milhares e milhões de pessoas aderiram
a essa causa por sede de justiça mas, sem autonomia própria ou um mínimo de
espírito crítico, deixaram-se conduzir como um rebanho para onde os seus
“pastores” os quiseram levar. E estes últimos sempre foram movidos pelo apetite
de poder, com a arrogância de quem se julga dono da História. Não se referiam a
Deus, mas comportaram-se como o haviam feito desde há séculos diversíssimas
seitas religiosas: sem sombra de piedade para com os dissidentes e apóstatas. E
estes repetiam entre si tal atitude, com idêntica intolerância. De facto, o
Partido Comunista existente actualmente em Portugal pode ser visto como um case study, porque é o último partido religioso que subsiste entre
nós. (E é este atraso cultural que nos aproxima dos cubanos viúvos de Fidel mas
felizmente ainda nos afasta dos fanatismos islamitas.) Além disto, apesar das
revoluções modernas terem sido processos eminentemente colectivos e dinâmicos,
sempre arranjaram maneira de instituir chefes supremos, adorados como deuses
pelos seus servis seguidores: Lénine, Estáline, Mao, Ho Chi Min ou Fidel Castro,
o último desta fileira de ditadores. E o modelo repetiu-se em ponto pequeno nas
lideranças de partidos comunistas ou de forma trágico-cómica em
chefes-de-estado de 3ª ordem.
Face a estes extremismos autoritários, o
constitucionalismo liberal e a social-democracia foram capazes de lhes
sobreviver e de influenciar decisivamente o futuro político de grande parte dos
países do planeta. Mas o rótulo de “democracia” não chega para caracterizar o
tipo de poder que efectivamente existe em cada estado nem o grau de equidade e
adequação da economia existente aos anseios da sua população. Por exemplo, Omar
Bongo foi presidente eleito dos Camarões durante 42 anos (e hoje tem um filho
no poder), Mugabe domina há décadas sem rivais o Zimbabué e José Eduardo dos
Santos já vai nos 37 anos na presidência de Angola – sempre com métodos de
designação e de exercício do cargo muito contestáveis. Em contrapartida, Isabel
II sustenta a coroa do Reino Unido há mais de 6 décadas sem que alguém duvide
que este regime funcione verdadeiramente como uma democracia parlamentar pluripartidária,
orientada ao longe pela livre expressão dos seus eleitores. Se são poucas as
monarquias sobreviventes do passado (no norte da Europa e em Espanha, em certos
países do mundo islâmico, no Japão e pouco mais), já não é hoje a titularidade
da chefia do Estado o critério que pode separar as autocracias dos regimes onde
os cidadãos beneficiam de uma razoável liberdade, previsibilidade política e
bem-estar material. Tão-pouco o será a existência de um “Estado-de-direito”,
uma vez que não há clique ditatorial que se não dote do mais completo e bem
elaborado conjunto de regras jurídicas para justificar a sua legitimidade, “no
interesse do povo”.
Estamos numa época em que já nem as minorias
ideológicas mais sinceramente desinteressadas do exercício do poder manifestam
grande confiança em formas de democracia
directa, como (entre outras) era suposto serem os referendos populares.
Tirando o caso de uma população já bem experiente em tal mecanismo – como
acontece na Suíça –, o mais usual nestes processos é as forças políticas
predominantes, estejam no governo ou na oposição, terem uma “agenda própria
escondida”, bem para além do Sim ou do Não com que os cidadãos respondem à
questão colocada a sufrágio. Nas consultas aos escoceses e sobre o “Brexit”,
era ainda assim bastante claro o que estava em jogo. Mas que pensar do
referendo realizado na Hungria sobre os refugiados? E da recusa dos eleitores
colombianos em aceitar a paz com a guerrilha das FARC? E da revisão
constitucional proposta (e perdida) pelo governo italiano de Renzi, que deveria
trazer maior racionalidade e clareza ao processo político? Os progressos
universais alcançados no campo da escolarização e a explosão tecnológica das
últimas décadas em matéria tele-informática e nas “redes sociais” estão a
transformar o mundo e a fracção mais activa dos seus habitantes num “homo comunicativus” que nunca até agora
existira. É como se o rumor e a intriga de bairro se tivessem estendido à
“aldeia global”... É certo que este fenómeno só atinge os países desenvolvidos
e as minorias das grandes nações pobres, mas é aí que estão a ocorrer as
principais mudanças.
Desde há dois séculos, aproximadamente, que as
discussões sobre o regime político constitucional mais desejável se imbricaram
com a forma de funcionamento da economia, vista sobretudo pelo lado dos efeitos
que esta produz sobre a distribuição da riqueza social e, portanto, sobre a
própria composição da sociedade. A fixação dos direitos de posse e propriedade
são, neste domínio, da maior importância, quer se trate de regras não-escritas mas
profundamente gravadas nas tradições comunitárias, quer se trate de matéria de
discussão ideológica e de opções políticas, mais ou menos alicerçadas em
saberes teórico-científicos. Havemos um dia próximo de discutir com mais
profundidade esta imbricação entre democracia e economia de mercado, que talvez
não seja bem o que parece, mas, por agora, lembremos o que se sabe ao certo.
As
escolas de pensamento socialista do século XIX criticaram a economia liberal de
mercado, capitalista, por esta supostamente reforçar a concentração da riqueza
na classe social proprietária (sobretudo da indústria e do grande comércio) em
detrimento das classes trabalhadoras. Mas as suas previsões não tiveram em
conta várias outras dinâmicas e realidades que o século XX veio a evidenciar.
Nomeadamente:
-os
progressos da ciência e da técnica e os aperfeiçoamentos dos sistemas de
organização do trabalho e de gestão das empresas, que fizeram aumentar
prodigiosamente a capacidade produtiva;
-a
pressão sindical e política em favor da melhoria das condições dos assalariados,
que levou a que a expansão económica também os tornasse beneficiários desse
crescimento mais ou menos contínuo (com o tandem
produção-consumo interno a “bombear” adequadamente);
-a
existência de imensas regiões e povos atrasados que permitiu a exploração
a-bom-preço dos recursos aí existentes e a sua infra-estruturação, constituindo
um excelente mercado externo, de que beneficiaram também os
trabalhadores-consumidores dos países industrializados;
-os
regimes autoritários nacionalistas (o Japão, a Itália, a Alemanha) que foram
hábeis a criar “indústrias de guerra” eficazes mas conduziram sempre os seus
países a catástrofes bélicas e à sua própria destruição, depois de viverem fugazes
momentos de exaltação colectiva;
-as
tragédias das grandes guerras mundiais que acabaram por provocar novos saltos
tecnológicos e constituir oportunidades de reconstrução infra-estrutural dos
países arrasados;
-a
tentativa de criar uma economia administrativa (sem respeito pelas “leis do
mercado”) nos estados de regime socialista que se traduziu em enormes fracassos
e desastres sociais, apesar da propaganda dizer sempre o contrário e do facto
de, em certos casos, poderem ter sido notáveis os progressos obtidos para as
populações em matéria de ensino e de saúde;
-com
o pragmatismo “confuciano” que lhe é próprio, o actual surto de desenvolvimento
económico vivido na China, que resulta da experiência daquele fracasso e da
plena utilização da “troca” capitalista (embora não esteja imune a uma
derrapagem interna de ordem política que venha a pôr tudo em causa, incluindo o
sistema económico global);
-a
descolagem (dita “neoliberal”) da economia no espaço mundial acontecida nas
últimas três décadas, com autonomização do capital financeiro e plena
utilização das novas tecnologias tele-informáticas e de técnicas comerciais
persuasivas pondo em evidência os novos players
neste espaço alargado (somente os estados mais poderosos, empresas
multinacionais, centros de inovação, algumas cidades/regiões, “hubs” comunicativos, detentores de
recursos raros, energéticos, etc.);
-e, finalmente, a combinação de factores culturais e
demográficos com o ressentimento histórico e a disponibilidade de fontes de
energia e capitais em abundância, que tornou o nosso “modo materialista de vida
ocidental expandido para o mundo” como um alvo apetecível para um confronto
civilizacional por parte de certas forças do islamismo radical, de que a
economia é um dos instrumentos ao seu alcance, mas não o único.
Falemos ainda das interrogações que se nos colocam
por força da reorientação que vai agora sofrer a política dos Estados Unidos,
sobretudo em matéria económica e internacional. Obama despediu-se com um saldo
económico positivo, depois da situação com que se deparou quando chegou à Casa
Branca em 2008. Em várias regiões do globo, degradou-se a segurança das
populações, apesar dos persistentes esforços do secretário de Estado John Kerry
(que em final de mandato fez uma bonita visita de reconcialiação ao Vietnam,
onde se batera de armas na mão em 1969 com bravura). Mas não se concretizou o acordo
comercial TTIP entre os Estados Unidos e a União Europeia, por receios do lado
de cá. Desde finais do século XIX que a discussão entre proteccionismo e
livre-cambismo suscitou grandes polémicas. Em geral, os países de economia
poderosa defenderam esta última posição e os estados economicamente fracos
procuraram sempre proteger-se por meio de barreiras aduaneiras. Hoje acontece o
mesmo, embora de forma mais atenuada: apesar de terem feito o acordo CETA com o
Canadá (menos temeroso do que o seu vizinho americano), os sectores mais fracos
da Europa temem muito estas aberturas comerciais, tal como os do Mercosul temem
a Europa, embora, à la longue,
pareçam indiscutíveis as vantagens dos alargamentos dos mercados. A (maior)
escala acaba sempre por ter razões economicamente irresistíveis, em particular
na baixa dos preços. Porém, nem tudo são rosas e nestas negociações os mais
fracos devem estar atentos aos prazos e etapas, por um lado, e às cláusulas
sectoriais e processuais, por outro, para garantir o máximo possível de
equidade, equilíbrio da concorrência e garantias ou salvaguardas para certos
aspectos particulares que lhes possam ser essenciais – pois, como é sabido, o
diabo esconde-se nos detalhes. E algo de semelhante se poderia dizer – em
sentido inverso – quanto às modalidades de aplicação de um acordo internacional
como o assinado há um ano em Paris sobre as alterações climáticas.
Com Trump, haverá mais proteccionismo económico e
controlos dos movimentos populacionais – que estão já desencadeando uma onda de
contestação interna e internacional. O “anti-Trumpismo” vai ser um óptimo argumento
para o anti-americanismo ideológico. Para além da boçalidade da personagem,
haveremos de ver se os efeitos da sua política acabarão por se traduzir numa
globalização económico-financeira um
pouco mais regulada ou, ao invés, se tais dinâmicas não desencadeiam uma guerra comercial entre as grandes
potências de efeitos devastadores. E se será possível existirem fronteiras mais
controladas para as pessoas (fora dos inaceitáveis “cortes cegos” nas entradas
de estrangeiros segundo a nacionalidade ou religião) mas mantendo-se abertas
para as mercadorias e as transferências monetárias – já que, quanto à
circulação da informação, ela é hoje irreprimível. É também este o dilema que,
politicamente, se coloca à saída dos ingleses da União Europeia. De resto,
parece que só uma resposta mais positiva a estas diversas questões será capaz
de desarmar a corrente populista de extrema-direita que grassa no velho
continente e que a tantos (nos) assusta.
É verdade que também contam as razões não-económicas
mas de crença ideológica (anti-capitalista, ou anti-americana) de minorias que
tanto se podem encostar às direitas (por nacionalismo) como às esquerdas (por soberanismo
ou anti-imperialismo). Mas, em sentido geral, a economia tornou-se o modo prevalecente de acção social no
nosso mundo contemporâneo, superando os anteriores imperativos religiosos, da
tradição, da ética, da criatividade artística e mesmo da intencionalidade
política. É, de certo modo, o fim das últimas aristocracias e a libertação das
massas de outras peias que não as ditadas pelo interesse e a diferenciação
económica. Talvez seja uma nova “rebelião das massas” à escala mundial. Porém,
isto não fez diminuir a luta implacável pelo poder, apenas ao alcance de alguns
poucos. Dois pequenos exemplos: no jornal Público
(de 22.Nov.2016) um professor catedrático do I. S. Técnico mostrou com meridiana
clareza como as decisões governamentais de 2005-2011 sobre as “renováveis”
criaram um «monstro eléctrico» em Portugal; o engenheiro não se questionou
sobre os efeitos nefastos dos combustíveis fósseis mas adivinha-se como, com
esta ou outra solução alternativa, as coisas se passam por relações directas (e
mais ou menos discretas) entre governantes e grandes empresas (donde a
oportunidade de corrupção ou outros negócios ilícitos). O outro exemplo é o do
particularíssimo caso do futebol(-espectáculo-negócio), com a irresistível
“sucção” de todos os talentos dos clubes pequenos pela dúzia-e-meia de gigantes
financeiros que o dominam, que ilustra de modo simplificado mas evidente a
permanente geração de desigualdade que anima esta economia, mas também o seu
dinamismo insuperável. Será possível ainda a um qualquer poder político – desta
vez benévolo e regenerado – contrariar esta tendência antes que ocorra um
sempre possível colapso geral?
Elidido o sentido progressista da forma de governo
republicana, é mister perceber hoje, caso a caso, o tecido organizacional em
que se estrutura a relação entre as elites dirigentes e a larga (larguíssima)
classe média que vota, feita de assalariados já donos de propriedades com algum
valor económico (residência, viatura, bens duráveis, mas muitas vezes suspendidos
pelo crédito ainda em dívida), bem como de empreendedores ou negociantes e de
múltiplas combinações entre estas diversas figuras. À parte, vegeta e esgravata
a subclasse dos que falharam a ascensão social, alguns desqualificados e a
marabunta dos imigrados de paragens e culturas longínquas, que sofrem verdadeiramente
ou exploram as oportunidades oferecidas pela “sociedade-da-abundância”. Para
todos estes, a razão económica (os
mercados de-oferta-e-procura), é um dado de facto, tal como o Estado (nacional) – que em tese poderia
intervir e regular aqueles, e em relação ao qual a designação dos dirigentes cria
a ilusão de estar ao alcance da vontade popular maioritária.
Apesar dos mais de 200 estados nacionais hoje
reconhecidos, subsistem mais umas tantas comunidades nacionais sem tal
estatuto, porque foram em tempos integradas à força em conglomerados estatais
mais vastos ou lho têm negado os grandes areópagos internacionais, aferrados a
uma ideia estática das divisões políticas existentes no mundo. Além disto, é
cada vez mais nítida a diferenciação de problemas entre “vida urbana”
(concentrando já a maior parte da população mundial) e o “espaço desertificado”
que a rodeia, ao mesmo tempo que a tecnologia nos liga a todos cada vez mais
fortemente. É talvez funcional mas ainda incerta e não isenta de antagonismos a
actual carta geográfica das nações. Mas todos – grandes e pequenos – estão
sujeitos às mesmas “leis económicas”, com o que isso implica de integração,
interdependência e racionalidade objectiva (numérica, aparentemente
inapelável), mas também de sujeição aos ditames da escala, da tendencial
uniformização cultural e das variações aleatórias das percepções e do cálculo
humano autocentrado. Qual oráculo, escreve António Vieira que «as esferas de
poder que Montesquieu tinha delimitado perdem limites e competências e arrastam
ao mesmo tempo a impotência da república e o desabar da democracia, da qual não
subsiste mais que um espantalho» (Ensaio
sobre o Termo da História, 2009: 112).
De facto, as mais das vezes, os partidos
apropriam-se do poder de intermediação entre os cidadãos e o governo
democrático, capturam o fluxo informativo (que confunde as massas) em seu
favor, aliam-se e corrompem-se com as forças económicas mais importantes, seduzem
boa parte dos criadores culturais, controlam o espaço de intervenção da justiça,
alienam os verdadeiros independentes e, mesmo quando se apresentam em
concorrência entre si, pouca margem deixam para organizar dinâmicas alternativas
ao seu “reality show”.
O processo eleitoral, elemento-chave dos regimes
democráticos, só subsiste por virtude da sua simplicidade – “por um voto se
ganha, por um voto se perde” – e pela aparente racionalidade de se tratar uma
opção maioritária. Porém, se pensarmos bem, nenhuma das grandes inovações,
inventos e decisões estratégicas cruciais para as nações ou para a Humanidade
proveio de averiguações acerca de uma opinião da maioria. Mas desde há dois
séculos que também ficou claro para muitos que nenhuma decisão política
fundamental se pode sustentar contra a convicção que norteia essa maioria.
A razão económica prevalecente dessacralizou todas
as anteriores formas de exercício do poder – e aí reside talvez uma das suas
facetas mais positivas e progressistas – mas está ainda por inventar um modelo
de organização política das sociedades (locais, urbanas, nacionais e mundial)
que inclua a participação dos cidadãos, revele uma eficiência suficiente e
indesmentível, e não dê aso a uma nova segmentação entre governantes e
governados.
É o mesmo Vieira pessimista que estatui: «Os
anarquistas tinham reunido argumentos para denunciar o Estado: ora, eis que o
Estado não existe mais senão sob as espécies de uma negaça, engolido pela
Absurdidade da qual forma o aparelho burocrático – e torna-se premente que os
anarquistas descubram novos alvos, e sobretudo novos métodos» (Ibidem: 121). Mas onde o filósofo
procura a iluminação, o historiador e o sociólogo tentam desconstruir os mitos
e compreender as acções e os entendimentos dos humanos. Feliz ou infelizmente,
os anarquistas são gente como os demais, alguns são ainda piores, outros
melhores, mas a maior parte (dessa ínfima minoria) esgota-se a olhar certos
episódios do passado, já mitificados. Na sua peugada e sob influência cultural surrealista,
os “situacionistas” procuraram inovar nas formas de acção política, elevando a
provocação e o “détournement du message”
ao estatuto de método. Sem grande sucesso, para além do seu próprio contexto e
geração. Hoje estão catalogados como peças de museu.
Neste quadro desanimador, o constitucionalismo
liberal é ainda um refúgio institucional de sobrevivência para espíritos com
alguma exigência crítica mas também com sentido das realidades históricas.
A ciência e a técnica não são “neutras”, nem na
orientação das suas pesquisas, nem nas suas aplicações. Mas a ética científica
é um travão contra os abusos; e o saber, devidamente escrutinado, uma alavanca
para projectar melhores avanços para a Humanidade. Nesta óptica, devemos
esperar que, no futuro, as ciências sociais e políticas, mais libertas das
insídias ideológicas e dos comandos de facção que ainda as perturbam, possam
fornecer um contributo útil para melhorar os modos de vida dos humanos.
JF / 4.Fev.2017
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