Hoje, nas nossas sociedades pós-industriais, já nada se produz no espaço doméstico. Mas as regiões mais atrasadas do mundo aí estão para nos lembrar a importância da produção agrícola e artesanal que sai ainda desse microcosmo que é o espaço de residência e de vida íntima de uma família.
Em Portugal, uma das maiores transformações sociais ocorreu nos anos 70 com o desaparecimento das “criadas de servir” (por virtude do 25 de Abril, mas não só). O “serviço doméstico” é hoje realizado, em parte, por empregadas a salário; em parte pelos membros da própria comunidade familiar. Apesar do progresso alcançado, ambas as situações contêm ainda fortes traços de iniquidade.
No primeiro caso, o “emprego doméstico” é exclusivamente assegurado por mulheres, quase todas imigrantes do estrangeiro, muitas em situação ilegal ou vivendo com frágeis garantias quanto ao seu futuro. Não se submetem à antiga “tirania dos patrões” ou ao apetite sexual dos varões da casa e residem em habitação própria mas, numa sociedade que proclama à-boca-cheia a igualdade de condições e de oportunidades, a feminização exclusiva deste sector de emprego devia constituir problema; porém, parece não incomodar ninguém nem suscitar reflexões mais profundas sobre a (des)igualdade de sexos. Com o impulso da actual globalização, é muitas vezes uma nova divisão-étnica-do-trabalho que se vai substituindo à ancestral e tradicional divisão-sexual-do-trabalho.
No segundo caso, as tarefas de manutenção do lar são ainda muito desigualmente partilhadas entre os membros da família. Em casais de menos de 40 anos, há já muitos que praticam uma exemplar colaboração e entreajuda de todos, conforme as possibilidades de cada um. Mas na maioria dos casos funciona a tradicional desigualdade na assunção das tarefas domésticas: os filhos não são educados para também ajudarem, mas sim para se divertirem (não vá surgir alguma suspeita de exploração infantil); os homens “já trabalham bastante fora” para se dispensarem de mais esforços caseiros; e “naturalmente” sobra para as mulheres o arranjo da casa – independentemente do que se esfalfem no emprego –, o “cuidado especial” no acompanhamento das crianças e há ainda quem espere que se mantenham sensualmente atractivas para o marido ao fim de toda esta labuta…
As máquinas vieram simplificar muito o trabalho doméstico. E em tempo de euforia quase tudo se externalizava, mandando fazer fora (refeições, limpezas, etc.). Agora que a coisa aperta, agravam-se ainda aquelas desigualdades, em prejuízo da mulher. Em caso de desemprego, sempre se espera que o homem possa ficar mais desencorajado (entregando-se à bebida ou à depressão) e deva ser especialmente atendido pelos serviços de apoio social, enquanto que a mulher, porque “está habituada a sofrer” (no parto?), há-de sempre superar as dificuldades acrescidas da situação.
Não vale a pena epilogar muito sobre estas constatações, mil vezes confirmadas. Salvaguardadas as devidas excepções, é à generalidade dos homens que compete reflectir sobre as suas próprias condutas e empreender as mudanças necessárias para reequilibrar este barco, sem o alarido mediático dos casos de violência doméstica, mas com a consciência de justiça que a intimidade familiar também pode favorecer, se aceitar a subjectividade de cada ser.
JF / 3.Ago.2012
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