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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Custos inúteis e perigosos

Há quem tenha fundadas razões para pensar que as actuais dificuldades económico-financeiras da Europa (e do mundo) acabarão por gerar uma reforma profunda do modus vivendi em que nos instalámos a partir da década de 70.
Para que tal seja possível sem maiores convulsões sociais seria necessário operar mudanças profundas em, pelo menos, quatro áreas da economia actual.
Em primeiro lugar, embora se fale muito em regulação financeira – referindo-se geralmente à criação de regras mais apertadas quanto à solvência das instituições e transparência das transacções, bem como à taxação dos movimentos de capitais e ao encerramento dos “paraísos fiscais” – seria decisivo que, para além disso, se instituísse um muito maior rigor e moderação na concessão de crédito e nas condições de endividamento, seja das famílias, das empresas ou dos entes públicos. As leis podem ajudar mas serão sempre insuficientes se não existir, por parte dos principais operadores, uma base de entendimento sobre regras prudenciais que definam um novo modelo de relações financeiras, mais claro, seguro, credível e aceitável.
A segunda área de reforma situa-se nas remunerações do pessoal das categorias superiores das empresas. Não se trata apenas dos salários milionários, prémios chorudos e reformas douradas que, volta e meia, fazem escândalo na comunicação social. Trata-se, sim, de rever (em baixa) toda a distribuição de rendimentos de trabalho da hierarquia média e alta das empresas, talvez do seu terço superior, recriando um novo pacto social que transmita a todos, e em particular aos trabalhadores de modestos recursos, a noção de uma mais justa repartição dos frutos da actividade colectiva da empresa. O “quinhão” que cabe a cada qual tem de ser diferenciado, segundo a qualificação e o mérito individual, mas o “leque de distribuição do bolo” deve ter na base algum consenso, tal como tem de salvaguardar a própria viabilidade da empresa.
Um terceiro ponto crucial refere-se aos custos da publicidade. Esta, para além de encarecer o preço final do produto, induz desperdício e consumos superlativos muitas vezes nefastos (para a saúde, ambiente, equilíbrio emocional, etc.) e, a prazo, atitudes sociais predadoras e estados psicológicos de insatisfação permanente. Nesta reforma teriam de colaborar os psicólogos – os grandes “inventores” deste maná –, no sentido de operacionalizarem a distinção essencial entre informação ao consumidor (importantíssima) e “compulsão consumista” (que só agora a crise está tornar evidente, para muita gente). E os especialistas do marketing terão também a oportunidade de aplicar o seu conhecimento das segmentações do gosto e das necessidades dos públicos em favor de uma compra mais consciente e ponderada, sabendo que um consumidor insolvente é um ónus para todos (incluindo para as empresas vendedoras).
Por último, o emprego público precisa de ser revisto de alto a baixo. Se as funções de soberania exigem funcionários especializados que parecem insubstituíveis, já serviços públicos como a saúde, a educação, a solidariedade social, os transportes e comunicações, os abastecimentos básicos ou a cultura são susceptíveis de ser assegurados de diversas formas, não tendo que se cingir aos termos antitéticos da habitual discussão entre “estado” e “privatização”: deveria ser mais uma questão de eficácia e economia do que de opção político-ideológica. Tais serviços podem, por exemplo, ser assegurados por empregados públicos mas com estatuto igual ao dos restantes trabalhadores assalariados; ser entregues a empresas privadas em regime de concessão mas em concorrência entre si, impondo o poder político os termos do serviço a prestar aos utentes; podem ser realizados por entidades sem fins lucrativos, em idênticas condições de usufruto pelos cidadãos beneficiários; etc. A própria evolução técnica e económica (do telégrafo até aos satélites) tem permitido (ou imposto) mudanças significativas nestes domínios. As parcas remunerações ou a não-discriminação no atendimento ao público que, no passado, justificavam o estatuto protegido do funcionalismo deixaram, nestes sectores, de ter verdadeira pertinência. E sabe-se como essa protecção excessiva gera efeitos perversos de ineficiência e iniquidade. Além disso, talvez assim diminuísse a margem de manobra para as forças políticas utilizarem estes trabalhadores para os seus desígnios próprios.
Adicionalmente, haveria que regenerar profundamente as relações entre os ocupantes do poder político e os interesses económicos, onde a promiscuidade e mesmo a corrupção parecem ser cada vez mais alarmantes. Mas aqui entramos em matéria que deve ser tratada à parte.
Nada disto alteraria a natureza do sistema económico vigente, assente na livre iniciativa e no mercado, mas deveria introduzir maior equidade e prevenir desastrosos desequilíbrios sociais.
JF / 17.Ago.2012

1 comentário:

  1. Excelente post !
    Todavia, se me permite, gostaria de referir que bastaria seguir o modelo da Islândia - que eu venho defendendo há mais de três anos e que só agora está a despertar o interesse de alguns dirigentes mais esclarecidos (Paul Grugman disse parecido com o que tenho dito mas foi apenas há cerca de 2 meses e anteontem foi o próprio FMI a apontar o exemplo da Islândia como modelo que deve ser seguido pelos países com altos níveis de endividamento : Dívida Soberana).
    Acrescentarei apenas que, ao contrário do que é costume dizer, portugueses e islandeses têm muito em comum ; diria até que são parentes porque os celtas viveram na antiga Lusitânia onde se miscigenaram com os lusitanos (desde 700 anos a.c. até 150 anos a.c.). Registo, finalmente, que não é correcto dizer que eles são celtas porque os celtas (todos) passaram a ser celtiberos. Nós temos alguns usos e costumes que aqui foram deixados por eles e também eles (islandeses) têm usos e costumes que levaram daqui. Mas isso é outra história que é tratada pela Antropologia Cultural e que devia ser aprofundada.
    Já me alonguei demais e não queria. As minhas desculpas.
    Renovo os meus parabéns !

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