O desporto foi uma novidade absoluta do século XX. É claro que sempre houve torneios para entretenimento das elites ou jogos populares para alegrar as festas domingueiras. Mas as actividades físicas regulamentadas abrangendo milhões de pessoas de todas as condições e ainda mais milhões a presenciar e a vibrar com as emoções competitivas nos estádios foram inauguradas na nossa época.
No século XIX, esgotadas por um labor manual intenso, clamaram as massas trabalhadoras por um suficiente tempo de descanso, lazer, convívio e cultura. Sonhavam os seus porta-vozes que, com descanso semanal alargado, férias pagas e estruturas apropriadas, as “classes baixas” pudessem tornar-se mais instruídas, conscientes, felizes e saudáveis – inclusive mediante uma prática física adequada.
A economia e o progresso técnico permitiram, em poucas décadas, libertar tempo disponível de não-trabalho. (Idem, de maneira forçada, para os presidiários e os desempregados, numerosos em tempo de crise.) Mas, um século passado, esse ideal parece ter-se tornado num problema: a não-ocupação de amplas populações seria um poderoso potenciador da marginalização social, da delinquência, da droga, do insucesso escolar. E o desporto, incentivado por eventos-espectáculo e pelo sucesso de campeões de origem social modesta, ao ser praticado pelas grandes massas, sobretudo juvenis, seria o antídoto possível contra esses males – tal como a escola.
As corridas (atléticas, de bicicletas, de automóveis, de veleiros, etc.), certas modalidades de pavilhão, o ténis e, sobretudo, o futebol tornaram-se mega-espectáculos desde o momento em que a televisão tomou conta da sua difusão urbi et orbi, e sobre esse fenómeno se edificou uma “indústria” apetitosa para muita gente.
Tivemos há pouco um campeonato europeu onde, a despeito do profissionalismo apátrida de todos os futebolistas, milhões de pessoas voltaram a deixar-se envolver pela paixão dos golos ou pelo desespero das oportunidades perdidas ou das derrotas nacionais inconsoláveis. Agora, Londres vai receber os seus terceiros Jogos Olímpicos, o acontecimento desportivo de mais alto valor simbólico, apesar do amadorismo do barão Pierre de Coubertin já ter passado à história e de uma organização desta dimensão poder arruinar as finanças, até de um país equilibrado e prudente como a Grã-Bretanha.
Queria alguém que fosse Cristiano Ronaldo o porta-bandeira português no desfile inaugural. Francamente!... O rapaz é um extraordinário atleta, mas também um dos profissionais mais bem pagos do mundo da bola e um desses ícones mediáticos que só valem pelo look, pré-fabricado. Seria do pior gosto possível misturar um dos maiores expoentes actuais do “negócio futebolístico” com o que resta de ideia de competição pacífica, universal, entre pessoas (e não entre países), de esforço de auto-superação e sem objectivos lucrativos que os Jogos Olímpicos, apesar de tudo, ainda procuram representar.
JF / 26.Jul.2012
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