O Presidente Cavaco Silva tem tido uma actuação que, talvez pela sua discrição, poucos parecem louvar, mesmo alguns indefectíveis do seu partido. E, numa acção de desgaste, a extrema-esquerda política já começou a usar a sua capacidade de agit-prop para contestar nas ruas o seu desempenho, tal como o do governo. Dentro de algum tempo, talvez ele venha a ser citado juntamente com as pinchagens de “Coelho para a rua”.
Mas não é a figura pessoal de Cavaco Silva ou o seu papel político que interessa aqui discutir, outrossim a própria função do Presidente da República, tal como a Constituição a desenha e pode ser preenchida pelos políticos actuais.
Ultrapassada a época dos “homens providenciais” (como Salazar ou de Gaule) ou dos “animais políticos” (tipo Churchill ou Mário Soares) e dada a maneira como funciona o nosso sistema político-partidário, parece impossível que possa ser eleito para a Presidência da República alguém que não tenha o label de um partido e que, chegado a uma segunda volta eleitoral, não tenha a aprovação de um tudo-nada mais que metade dos votos escrutinados, contra quase outros tantos que se lhe opõem. Ou seja: o Presidente será sempre um “homem de partido” e um “homem dos partidos”, escolhido por uma escassa maioria, apesar da ritual proclamação de se considerar como “presidente de todos os portugueses”. Só um prestígio pessoal extraordinário se poderia sobrepor àquele preconceito, ou então (mas já só a posteriori) uma intervenção bem sucedida em emergência de “salvação pública” consensualmente reconhecida. Sendo assim, a necessária independência e o superior ajuizamento daquilo que, em cada momento da vida política, possa ser o interesse nacional (acima e muitas vezes contra os interesses partidários ou particulares), só excepcionalmente serão reconhecidos ao ocupante do Palácio de Belém.
Diga-se, num parêntesis, que o argumento dos monárquicos sobre a vantagem do Rei, independente e acima dos partidos, só em idênticas condições de excepcionalidade pode hoje ter ainda algum sentido, esquecendo-se aqueles prosélitos que a instituição que admiram correspondeu a um tempo histórico ultrapassado, em que os povos se submetiam como se fossem propriedade privada de uma família.
Há a ideia de que os portugueses gostam de eleger o Presidente da República, por ser o único cargo político de eleição nominal directa, por se desvanecerem com os faustos e dourados do Palácio e quererem ter no poder alguém “saído do povo” a quem possam dirigir os seus queixumes. Mas será isto suficiente perante os inconvenientes apontados?
A função essencial do Presidente é a de velar pelo regular funcionamento das instituições políticas, observância da constituição e das leis, probidade e eficácia da acção governativa, respeito dos direitos de oposição e das garantias fundamentais dos cidadãos. No fundo, ser um árbitro, credível e independente, unicamente orientado pela ideia do “bem comum” da colectividade nacional.
Enquanto o sistema partidário for o que é actualmente, é talvez prudente que os cidadãos possam continuar a eleger para a função alguém a quem confiem tal mandato, apesar da etiqueta partidária.
Mas, num sistema de representação popular regenerado e com outra responsabilidade perante os eleitores, julgamos desejável que o cargo desaparecesse e a função fosse preenchida de outro modo. Os estudiosos sabem que há vários modos de o fazer de forma satisfatória e mesmo vantajosa. Será uma questão de tempo para que muitos mais se apercebam disso.
JF / 24.Ago.2012
Mais um excelente post !
ResponderEliminarFelicito autor que praticamente esgota o assunto.
Direi apenas que se o Presidente da República, uma vez eleito, conseguir ir além das lógicas partidárias e se impuser como garante dos grandes desígnios nacionais, não deixará de ter o apoio da grande maioria do eleitorado mesmo daquele que não o elegeu.
E não precisa de ser um Salazar ou um De Gaule.
O Senhor Grímsson, na Islândia, poderá servir de modelo.