Os meus avós cresceram na segunda metade do Séc. XIX, quando Portugal era povoado de camponeses pobres e algumas centenas de famílias aristocráticas e de grandes burgueses tinham nas mãos o grosso da riqueza do país e nele governavam “como nas suas sete quintas”. Muitos emigravam mas alguns empenharam-se na República, perseguindo a miragem de um país para todos. Porém, entre os constrangimentos externos (dos alinhamentos das potências, da dívida pública e de um império a aproveitar) e os afrontamentos internos (com forças sociais reivindicativas, conflitos políticos e corporações de interesses), a aventura foi breve e terminou mal.
Os meus pais cresceram na primeira metade do Séc. XX e apreciaram a paz do Estado Novo e o afastamento das convulsões que abalavam o mundo. O país rural e católico, apesar da pobreza, podia entregar-se a celebrações rituais e mantenedoras de uma determinada identidade. Com as finanças equilibradas e as oposições dizimadas, as corporações de interesses puderam receber o quinhão a que se julgavam com direito – dos militares aos agrários, do clero ao funcionalismo público, das ordens profissionais aos banqueiros ou às companhias monopolistas.
Eu cresci na segunda metade do Séc. XX, quando as mobilidades se intensificaram, as classes sociais urbanas engrossaram e começaram a olhar para o mundo. Apesar da emigração para a Europa e das mortes em África, o país lá se industrializou um pouco mais. Mas os jovens queriam “viver” e as guerras surgiam-lhes como um anacronismo. A revolução do 25 de Abril desbloqueou muita coisa boa, mas também alguns excessos e processos infelizes, como a descolonização (num quadro que, em grande parte, nos ultrapassava). Repetindo os erros da República, praticou-se demagogia eleitoral alargada, a despesa pública desarvorou e chegámos à actual situação. Entretanto, novas corporações de interesses vieram juntar-se às tradicionais: o pessoal dos partidos incrustado nas instituições públicas; os sindicatos politizados e sempre reclamantes; os “mídia”; os “lóbis do betão”; os gabinetes de advogados “d’affaires”; os autarcas; os bombeiros; as universidades; os grupos-de-pressão das “minorities”; etc.
Os nossos filhos cresceram em ambiente de abastança e facilidade, e entraram no Séc. XXI podendo circular no “global”, como turistas ou virtualmente. Agora, porém, com um diploma académico desvalorizado no bolso, arriscam-se a ter de viajar para fora à procura de trabalho, pois está muito mais difícil franquear as portas de entrada nas corporações de interesses.
E o que irão encontrar os nossos netos? Que condições de vida e que corporações de interesses terão eles de enfrentar lá para meados do Séc. XXI?
JF / 10.Ago.2012
Excelente texto que me chegou por uma amiga. Tenho feito a mesma pergunta com que acaba, partindo do fato de ter em casa um licenciado em Engenharia Civil que nem estágio não remunerado consegue, e estando já um jovem em cada dois desempregado, o que será deles, de nós, já daqui a 5/10 anos? Há jovens que não vão conseguir um emprego na vida, porque os há já com quase trinta anos sem ter tido alguma vez essa experiência.
ResponderEliminarEu aplaudo a generalidade dos textos d'A Ideia Livre porque são muito lúcidos, muito sábios e muito esclarecedores, tal e qual como é o seu autor. A. R. Costa
ResponderEliminar