Passou mais uma destas temporadas e talvez valha a pena reflectir sobre os seus efeitos e utilidade.
Em tese, a campanha eleitoral serve para, em condições de igualdade entre os candidatos, estes esclarecerem os eleitores sobre os seus programas de acção para o futuro imediato e a mais longo prazo. Neste sentido, o referido período e o acesso aos convenientes meios de comunicação social são irrecusáveis.
Porém, numa eleição em que os candidatos se reapresentam (como é o caso das eleições legislativas ou autárquicas, em que os concorrentes são as formações partidárias), logo surgem as dúvidas sobre se se vai julgar o comportamento passado ou os propósitos futuros. Consoante os seus interesses próprios, os candidatos evidenciam um ou outro aspecto – cabendo ao eleitor apurar o seu próprio balanço final (o que é um exercício já bom para especialistas). E como neste tipo de eleições se tem vindo a acentuar o fenómeno da personalização dos cabeça-de-lista, mais se reforça a tendência para privilegiar o temperamento, as capacidades ou a imagem desse líder em vez do conteúdo das ideias e do programa que se propõe executar. Em suma, tudo isto concorre para obscurecer e dificultar um voto racional e ponderado.
Assim, as campanhas servem sobretudo para, em debates contraditórios de grande audiência, pôr à prova os dotes argumentativos dos líderes, e, por outro lado, para incutir confiança e entusiasmo entre os eleitores já decididos à partida. No primeiro caso, reconhece-se a sua utilidade para o esclarecimento público, embora essas capacidades causídicas sejam mais importantes nos pleitos parlamentares do que nas decisões políticas. No segundo, estamos perante a oratória emotiva em que no passado foram mestres os homens-do-púlpito e que na modernidade se transferiu para os demagogos de tribuna, capazes de inflamar as massas bradando-lhes coisas simples mas que lhes animam as crenças (ainda mais facilmente quando se apanha um jantar ou uma viagem de borla).
Há ainda as “arruadas” e outros “contactos directos com as populações”. Embora se conheça a encenação preparada que as envolve, sem dúvida que estas actuações têm alguma utilidade mútua, pois permitem aos candidatos “palparem” os níveis da sua popularidade e às populações verem (uma vez em cada quatro anos) as caras dos que nos governam e, ao menos, poderem prestar-se ao jogo de dizer que votam neles e, logo de seguida, comentarem que “andam todos ao mesmo”.
Nada disto se muda com novas regras (ou muito pouco). É certo que a incrível petulância dos “pequenos partidos” de quererem ter o mesmo tempo de debate televisivo do que os que representam sectores significativos da opinião pública será ultrapassada quando uma reforma da lei dos partidos retirar esse estatuto a quem não tenha reiteradamente um mínimo de actividade e representatividade, como será o caso de formações que se alimentam de ideologias antigas (monárquicas, nacionalistas ou marxistas). Mas alguns desses partidos, que tentam inovar e trazer outros valores para a vida política (casos do PSN, MPT, PH, MEP, MMS, PAN, etc.), só crescerão se forem capazes de se coligar e federar numa plataforma mais ampla que deveria estar ao alcance das suas aspirações humanistas. O pluralismo e a diversidade são indispensáveis numa sociedade livre, mas também é importante a cooperação, a governabilidade e eficiência dos regimes.
Assim, do que se carece sobretudo é de uma profunda mudança das atitudes dos que se empenham na vida política, menos viradas para os seus interesses e crenças, e mais preocupadas com o bem comum.
Que cada um esclareça aquilo que sabe, pode e quer fazer em benefício da colectividade – para o que deveriam então servir os tempos de campanha eleitoral –, em vez se aplicar em demolir os seus adversários ou a usar meneios de sedução populista!
JF / 17.Jun.2011
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as campanhas eleitorais não servem sempre para a mesma coisa. há campanhas eleitorais melhores e piores. mas há também campanhas eleitorais democráticas e outras, como esta que acabámos de viver, que não são democráticas.
ResponderEliminarcomo bem escreves, não é um problema de formalidades legais. é um problema substantivo. a democracia implica a liberdade de apresentação de propostas alternativas. faz muito tempo que o discurso único tem sido acusado de anti-democrático. o que há de novo nestas últimas eleições é que o discurso único se formalizou na frente do povo e se uniu sem deixar campo a qualquer alternativa. isso não é democrático.
as eleições serviram para unir a classe de rentistas à classe política de uma forma contratual, por via do FMI e a UE.
António Pedro Dores