As atitudes sociais típicas dos jovens de hoje estão profundamente internacionalizadas e correspondem de forma muito nítida a padrões culturais comuns, a despeito dos diferentes idiomas em que se exprimem. É claro que entre jovens habitantes de um subúrbio de Lisboa e jovens residentes em condomínios privados sitos na Foz do Douro existem distâncias sociais insuperáveis, que podem ser observadas nas escolas que frequentam, nos meios de deslocação que utilizam ou nos imaginários a que fazem referência – mas não à primeira vista, pelo vestir e postura corporal, antes de abrirem a boca para dizer mais do que as frases simples da comunicação quotidiana.
Ao ouvi-los, parece que agem com total auto-determinação e liberdade, não se sujeitando a mais do que manda a sua vontade, desejo ou capricho, e esta desenvoltura nota-se talvez ainda mais nas jovens mulheres, que se percebe saberem estar a experimentar vitórias recentes que as suas avós nunca imaginaram.
Não obstante isto, as imposições de ciclo curto da “moda” têm especial impacto entre estes jovens. Nem falemos nas calças de ganga azul que conquistaram o mundo, generalizando o estilo yankee cow-boy (quando na realidade são oriundas dos modestos trabalhadores industriais norte-americanos). Mas vemos os bonés de pala em-bico-de-pato, agora colocados ao contrário, com o intuito de afirmar uma transgressão, semelhante à das calças rotas ou esgarçadas ou aos baskets com os atacadores desapertados, sempre à beira de provocar a queda do portador. Mas que importa, se isso é que é cool! Tal como a indumentária “tipo bébézão/imbecil”, com o gancho da calça entre os joelhos e a virola pela canela, se possível com o skate ou a “prancha” debaixo do braço e o inevitável walkman a buzinar-lhe os ouvidos! Outro ingrediente na moda para os rapazes saindo da adolescência é o capuz agora vendido nas camisolas de lã, com que encobrem o rosto e às vezes ocultam a identidade da autoria de algum acto de delinquência ou vandalismo, inspirando-se talvez nas imagens da intifada e que julgam coerentes com o Guevara pintado nas t-shirts. A sua estética é absolutamente marcada por sentimentos de recusa e negação, e pelo frequente recurso ao horrendo e ao nojento, como é patente nos casos mais marginais de punks e gotics.
Na observância de uma regularidade sociológica confirmada, segundo a qual nas camadas sociais de menores recursos mais se esbate o sentido da estética vestimentária, todos estes traços tendem a tornar-se degradados e mesmo grotescos em “meio suburbano”. A baixa qualidade dos artigos e a sua massificação contrasta então com os propósitos dos modelos que originariamente os enformaram. E os desajustamentos funcionais conduzem a que se possa formular a pergunta, virada ao futuro: “Quando andaremos todos vestidos de fato-de-treino?” (embora uns de marca, outros de contrafacção).
O Mac, o burger e a “coca” são três ingredientes quotidianos imperdíveis, tal como a cerveja e os shots nos espaços e tempos da “noite”. Mas, de novo, com o selo de origem made in USA. De resto, foi também aqui que se gerou o grande apetite das “drogas” – projectado pelo imaginário da geração baby flowers – que depois se estendeu ao mundo inteiro.
Recentemente, a indústria cosmética deve ter registado um salto significativo no seu volume de negócios com o renascer da moda das mulheres com unhas pintadas (sobretudo dos pés, quase sempre desfeadas pela agressão dos sapatos!), quando parecia que a sua emancipação as predispunha para estilos de vida mais sadios e menos coquette. Mas o look tornou-se de facto irresistível, tanto para mulheres como para homens! Por exemplo, com as tatuagens, prolonga-se a estética do surpreeendente, agora aliada à vontade de negar, no próprio corpo, as formas da natureza, desafiando os deuses da criação da maneira pífia que lhes é mais acessível. E pensar que, apenas uma geração atrás, se temia a posse involuntária de quaisquer “sinais particulares” que ajudassem a polícia a identificar-nos irrecusavelmente…
Também é fantástica a apetência dos jovens para o uso e apropriação dos gadgets comunicativos. Pode faltar dinheiro para outras necessidades e não haver jeito para transportar consigo outras coisas mas o telemóvel na mão é hoje o artefacto passe-partout e identitário absolutamente indispensável. E não se trata apenas de comunicar sem fios. Aspira-se sempre à última novidade lançada neste mercado mundial. Il faut de quoi faire marcher le commerce, quoi!
Uma vez mais com difusão a partir da América, o cinema – pela imagem e os enredos fortes – e a música – pelas vibrações corporais – são dois vectores fundamentais desta ‘cultura jovem’, que aliás tende a invadir gente de meia-idade e mesmo idosos que aceitam com dificuldade o natural envelhecimento. Estamos a léguas das artes plásticas e criativas exercidas por meia dúzia de super-dotados (pintores, escultores, compositores) para meia-dúzia de poderosos mecenas. E mesmo a literatura, desde sempre a mais aberta das formas culturais, também hoje se alargou e democratizou, quer em praticantes, quer em usufrutuários das suas ficções.
Contudo, fica-nos uma questão. Apesar de se saber estarmos na ressaca de um século de guerras mundiais e bombas atómicas, de nazismo e estalinismo, não será que a ópera e as sinfonias oitocentistas – para não citar outras formas de arte – atingiram então um patamar de tal forma insuperável que obrigaram os criadores seguintes a entrar no campo do bizarro e do perturbador, abandonando a procura do excelso e do virtuoso? E isso não ajudará a explicar outros enigmas no campo da estética e do simbólico?
JF / 10.Jun.2011
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sexta-feira, 10 de junho de 2011
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Gostei, João. Ainda ontem vi no canal Discovery um documentário sobre os Macondes (África) em que a marca cultural da tatuagem é determinante -sobretudo nos rituais de passagem para a idade adulta. São horríveis, provocam muita dor e ficam para a vida toda. Os velhos, tatuados e com rugas, parecem monstruosos...
ResponderEliminarA estes africanos, que vivem em tribo, chamaríamos facilmente "selvagens". Mas depois de ler este seu texto, pergunto-me - talvez chamar-lhes "estéticas" tradicionais ?
Bom retrato o que faz. Tristes figuras - alguém tem de o dizer, sendo contemporâneo, como nós, os já idosos...e deixar o resto da apreciação para a História.
abraço
maria ângela