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quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Três notas brevíssimas

As eleições autárquicas e a governação do país.
Com alguma importância para cada uma das três mil e tantas autarquias locais existentes no continente e ilhas, a contabilidades geral dos seus resultados é assunto que interessa exclusivamente os estados maiores partidários, os seus militantes, os especialistas e comentadores e os meios de comunicação social, como grandes encenadores destes espectáculos. Como se esperava, o PS ganhou o maior número de municípios (incluindo Lisboa), o PSD afundou-se mais um tanto enfraquecendo ainda mais a posição do seu contristado líder, o PC manteve os seus bastiões, o Bloco de Esquerda consolidou-se um pouco mais no Estado e vários dos independentes (os sérios e os mascarados) e pelo menos um “dinossauro” obtiveram vitórias, nem sempre sinal de boa consciência cívica.
O nome de Pedro Passos Coelho merece uma referência, no momento do seu abandono. O homem não tinha estatura para o cargo que exerceu, apoiou-se em gente detestável, cometeu certamente vários erros e acabou por protagonizar um período sombrio para a maior parte dos portugueses. Mas há que reconhecer o tom cordato e imperturbável com que enfrentou uma tal chuva de críticas e insultos (em condições emocionais da sua vida pessoal que se adivinham difíceis). E, chame-se rigor ou austeridade, assumiu o ónus de alertar o país para a ilusão de viver acima das suas possibilidades e refém de anteriores decisões públicas muito contestáveis.
Hoje, graças a condições contextuais favoráveis e a uma melhor pilotagem dos instrumentos da acção governativa, a população sente-se mais feliz. Quando para a maioria das pessoas a economia “marcha”, tudo parece ir pelo melhor dos mundos.
Isto, apesar de sabermos que, embora formalmente democrático, o Estado português tem vindo a ficar cada vez mais prisioneiro dos partidos, dos lóbis, das corporações profissionais, de alguns sindicatos e dos negócios público-privados, os quais, captando recursos para os seus próprios fins e para os mais habilidosos dos seus membros, se neutralizam mutuamente dando um ar de confortável estabilidade a todo o “sistema”. Porém cremos que em desfavor do interesse comum e do povo, ao qual só restam os efeitos do crescimento económico, o entretenimento proporcionado pelos fenómenos mediáticos e alguma percepção das realidades que o jogo concorrencial dos órgãos noticiosos permite destilar para os cidadãos. Existirão também os jogos interpessoais das sociedades secretas e a acção dos agentes de espionagens diversas (sem esquecer a investigação criminal), mas sobre isto, como no passado, nada se pode afirmar, apenas conjecturar, estar alerta contra os boatos ou a especulação e vir a conhecer alguma coisa vários anos passados: por exemplo, sobre a (in)existência de armas de destruição maciça que justificou a invasão do Iraque em 2003 ou os alegados ilícitos de José Sócrates durante o seu mandato. (Em todo o caso, pelo dia que hoje passa: viva a República!)

Uma palavra também sobre a Europa, face ao independentismo da Catalunha e perante as eleições alemãs, em fundo de Brexit (que se mantém como problema bicudo de resolver).
A votação para o Bundestag do passado dia 24 deu os resultados esperados, com a continuação da chanceler Merkel e o apoio que ela for capaz de negociar nas próximas semanas. O partido de extrema-direita AfD (que reúne euro-cépticos, receosos da invasão islâmica e neo-nazis) entrou de rompante no parlamento de Berlim com uma minoria que vai fazer barulho e obstrução mas não deverá conseguir alterar o sentido das políticas do país. E o magro resultado do SPD mostra a desorientação em que se encontra a outrora poderosa social-democracia europeia.
Mais grave e complexa é a actual situação dos nossos vizinhos espanhóis. Com a intransigência legalista do PP do sr. Rajoi e o aventureirismo dos actuais dirigentes da Generalitat, o processo do referendo independentista ilegal bloqueou todas as saídas razoáveis: o governo de Madrid não podia deixar de mobilizar os meios jurídicos e policiais que mobilizou para impedir esse acto; e os independentistas não podiam desistir dessa prova de força, ficando com a vantagem da vitimização face às imagens de força policial (apesar de tudo, muito contida) e da inabalável vontade de expressão democrática dos seus muitos adeptos. Só o Rei poderia ter dito uma palavra apelando ao apaziguamento e à negociação: mas este preferiu o lado da legalidade e da Constituição do Estado Espanhol, alienando o resto de confiança que teria nessa parcela do território. Assim, o republicanismo vai provavelmente tender a renascer.
No próximo dia 13 passa mais um aniversário do fuzilamento do pedagogo Francisco Ferrer em Montjuich em 1909. A história da Espanha moderna é um roteiro semeado de vítimas. Acalmados os ânimos, a perspectiva de uma Espanha federal numa Europa confederal, talvez possa vir a ser o modelo institucional que maximize as vantagens da cooperação e da escala, no respeito das identidades nacionais de que a Europa foi feita.

O jogo perigoso da Coreia do Norte e do presidente Trump, mobiliza actualmente parte da atenção dos media, tal como as manobras geo-políticas do sr. Putin, a guerra que ainda grassa no Médio-Oriente ou o terrorismo islâmico contra o Ocidente.
Hoje, os conflitos armados em curso ou com possibilidade de repentinamente se desencadearem apresentam uma grande variedade de formas, modalidades e suas combinações: através de armas de alta tecnologia e longa distância muito precisas, por meio de bombardeamentos aéreos, navais ou lançadores terrestres, incluindo a possibilidade de emprego de catastróficas bombas termo-nucleares, onde se apagam as noções de  frente e retaguarda; guerras tradicionais de duração e áreas geográficas limitadas, à base de carros de combate, infantaria, apoio aéreo e uso de forças especiais; guerras não-convencionais e de baixa intensidade, por muitos contendores não serem soldados regulares mais sim “guerrilheiros” ou milicianos muito motivados que facilmente firam as barreiras legais, morais ou sociais, actuando em meio urbano ou a coberto da natureza através de emboscadas, minas, armadilhas, raptos, atentados bombistas ou outros; a nova ciber-guerra, interferindo nas comunicações e nas redes e sistemas informáticos do adversário, visando a sua desorganização, o alarme informativo, a insegurança e o terror das populações (i.e., sempre a propaganda deturpadora). Etc.
A distinção conceptual entre matérias e instituições de segurança e de defesa dos estados nacionais, consolidada ao longo do século XX, encontra-se hoje claramente em porte-à-faux.
O mundo está cada vez mais imprevisível.

JF / 5.Out.2017

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