As
eleições autárquicas e a governação do país.
Com
alguma importância para cada uma das três mil e tantas autarquias locais
existentes no continente e ilhas, a contabilidades geral dos seus resultados é
assunto que interessa exclusivamente os estados maiores partidários, os seus
militantes, os especialistas e comentadores e os meios de comunicação social,
como grandes encenadores destes espectáculos. Como se esperava, o PS ganhou o
maior número de municípios (incluindo Lisboa), o PSD afundou-se mais um tanto enfraquecendo
ainda mais a posição do seu contristado líder, o PC manteve os seus bastiões, o
Bloco de Esquerda consolidou-se um pouco mais no Estado e vários dos
independentes (os sérios e os mascarados) e pelo menos um “dinossauro”
obtiveram vitórias, nem sempre sinal de boa consciência cívica.
O nome de Pedro Passos Coelho merece uma referência,
no momento do seu abandono. O homem não tinha estatura para o cargo que
exerceu, apoiou-se em gente detestável, cometeu certamente vários erros e acabou
por protagonizar um período sombrio para a maior parte dos portugueses. Mas há
que reconhecer o tom cordato e imperturbável com que enfrentou uma tal chuva de
críticas e insultos (em condições emocionais da sua vida pessoal que se
adivinham difíceis). E, chame-se rigor ou austeridade, assumiu o ónus de
alertar o país para a ilusão de viver acima das suas possibilidades e refém de anteriores
decisões públicas muito contestáveis.
Hoje, graças a condições contextuais favoráveis e a
uma melhor pilotagem dos instrumentos da acção governativa, a população
sente-se mais feliz. Quando para a maioria das pessoas a economia “marcha”,
tudo parece ir pelo melhor dos mundos.
Isto, apesar de sabermos que, embora formalmente
democrático, o Estado português tem vindo a ficar cada vez mais prisioneiro dos
partidos, dos lóbis, das corporações profissionais, de alguns sindicatos e dos
negócios público-privados, os quais, captando recursos para os seus próprios
fins e para os mais habilidosos dos seus membros, se neutralizam mutuamente
dando um ar de confortável estabilidade a todo o “sistema”. Porém cremos que em
desfavor do interesse comum e do povo, ao qual só restam os efeitos do
crescimento económico, o entretenimento proporcionado pelos fenómenos
mediáticos e alguma percepção das realidades que o jogo concorrencial dos
órgãos noticiosos permite destilar para os cidadãos. Existirão também os jogos
interpessoais das sociedades secretas e a acção dos agentes de espionagens
diversas (sem esquecer a investigação criminal), mas sobre isto, como no
passado, nada se pode afirmar, apenas conjecturar, estar alerta contra os
boatos ou a especulação e vir a conhecer alguma coisa vários anos passados: por
exemplo, sobre a (in)existência de armas de destruição maciça que justificou a
invasão do Iraque em 2003 ou os alegados ilícitos de José Sócrates durante o seu
mandato. (Em todo o caso, pelo dia que hoje passa: viva a República!)
Uma palavra também sobre a Europa, face ao independentismo
da Catalunha e perante as eleições alemãs, em fundo de Brexit (que se mantém como problema bicudo de resolver).
A votação para o Bundestag
do passado dia 24 deu os resultados esperados, com a continuação da chanceler
Merkel e o apoio que ela for capaz de negociar nas próximas semanas. O partido
de extrema-direita AfD (que reúne euro-cépticos, receosos da invasão islâmica e
neo-nazis) entrou de rompante no parlamento de Berlim com uma minoria que vai
fazer barulho e obstrução mas não deverá conseguir alterar o sentido das
políticas do país. E o magro resultado do SPD mostra a desorientação em que se
encontra a outrora poderosa social-democracia europeia.
Mais grave e complexa é a actual situação dos nossos
vizinhos espanhóis. Com a intransigência legalista do PP do sr. Rajoi e o
aventureirismo dos actuais dirigentes da Generalitat,
o processo do referendo independentista ilegal bloqueou todas as saídas
razoáveis: o governo de Madrid não podia deixar de mobilizar os meios jurídicos
e policiais que mobilizou para impedir esse acto; e os independentistas não
podiam desistir dessa prova de força, ficando com a vantagem da vitimização
face às imagens de força policial (apesar de tudo, muito contida) e da inabalável
vontade de expressão democrática dos seus muitos adeptos. Só o Rei poderia ter
dito uma palavra apelando ao apaziguamento e à negociação: mas este preferiu o
lado da legalidade e da Constituição do Estado Espanhol, alienando o resto de
confiança que teria nessa parcela do território. Assim, o republicanismo vai
provavelmente tender a renascer.
No próximo dia 13 passa mais um aniversário do
fuzilamento do pedagogo Francisco Ferrer em Montjuich em 1909. A história da
Espanha moderna é um roteiro semeado de vítimas. Acalmados os ânimos, a
perspectiva de uma Espanha federal numa Europa confederal, talvez possa vir a
ser o modelo institucional que maximize as vantagens da cooperação e da escala,
no respeito das identidades nacionais de que a Europa foi feita.
O
jogo perigoso da Coreia do Norte e do presidente Trump, mobiliza actualmente
parte da atenção dos media, tal como
as manobras geo-políticas do sr. Putin, a guerra que ainda grassa no
Médio-Oriente ou o terrorismo islâmico contra o Ocidente.
Hoje,
os conflitos armados em curso ou com possibilidade de repentinamente se
desencadearem apresentam uma grande variedade de formas, modalidades e suas
combinações: através de armas de alta tecnologia e longa distância muito
precisas, por meio de bombardeamentos aéreos, navais ou lançadores terrestres,
incluindo a possibilidade de emprego de catastróficas bombas termo-nucleares,
onde se apagam as noções de frente e
retaguarda; guerras tradicionais de duração e áreas geográficas limitadas, à
base de carros de combate, infantaria, apoio aéreo e uso de forças especiais;
guerras não-convencionais e de baixa intensidade, por muitos contendores não
serem soldados regulares mais sim “guerrilheiros” ou milicianos muito motivados
que facilmente firam as barreiras legais, morais ou sociais, actuando em meio
urbano ou a coberto da natureza através de emboscadas, minas, armadilhas, raptos,
atentados bombistas ou outros; a nova ciber-guerra, interferindo nas
comunicações e nas redes e sistemas informáticos do adversário, visando a sua
desorganização, o alarme informativo, a insegurança e o terror das populações (i.e.,
sempre a propaganda deturpadora). Etc.
A distinção conceptual entre matérias e instituições
de segurança e de defesa dos estados nacionais, consolidada ao longo do século
XX, encontra-se hoje claramente em porte-à-faux.
O mundo está cada vez mais imprevisível.
JF / 5.Out.2017
Sem comentários:
Enviar um comentário