Nos últimos meses, vários processos de escrutínio popular
produziram efeitos estonteantes, não apenas nos próprios países mas também em
esferas mais alargadas, de âmbito regional ou mundial.
O referendo de 2016 no Reino Unido ditou o abandono deste país da comunidade de estados da
União Europeia, processo político e económico que só agora está a ensaiar os
primeiros passos e sobre o qual ninguém arrisca fazer previsões. No entanto, a
Srª May, que já se mostrara tímida e subserviente na Casa Branca em Janeiro
último, terá selado agora o seu destino político. As eleições legislativas de 8 de Junho, antecipadas de quase três
anos, não lhe proporcionaram a confortável maioria que desejava ter em
Westminster para negociar mais à vontade com a UE – antes pelo contrário –,
mostrando claramente ser ela uma má jogadora no campo
político-parlamentar-mediático. E não foi suficiente fazer causa comum com os
restantes G7 face a Trump na cimeira da Sicília e na defesa do tratado de Paris
sobre o clima. Várias coisas daqui se tiram: o resultado referendário das urnas
fora tangencial (como geralmente acontece); os resultados eleitorais de agora constituíram
mais um “voto de protesto” contra os
governantes de turno; a opinião pública do país ficou outra vez dividida a meio;
e o “mau exemplo” foi dado para quem o quiser aproveitar, com os eurocépticos
do continente fortalecidos com estas divisões, o presidente Juncker mais
impante, os nacionalistas e soberanistas
anti-europeus exultantes (tal como o sr. Putin) e os autonomistas-nacionalistas
pró-Europa (da Catalunha e mesmo da Escócia) esperançados em poder avançar mais
um passo nos seus desígnios. É também provável que as negociações se arrastem
inconclusivas quase até ao esgotamento do prazo de dois anos previsto e
acredita-se que, não havendo nenhuma perturbação grave adicional, as partes
acabem por chegar a um acordo razoável, com tarifas alfandegárias mútuas
especiais e maior controlo dos movimentos de pessoas entre a Ilha e o espaço
Shengen (como de resto acabará por acontecer no interior deste, da maneira que
for mais compatível com a mobilidade dos factores económicos). Do
prosseguimento da prosperidade dos britânicos nesse novo enquadramento
(mundial) é que já é mais difícil vaticinar, mas acreditamos que, se não houver
conflitos internos (regime monárquico, secessões, irredentismos ou
levantamentos das suas comunidades asiáticas), eles saberão aproveitar ao
máximo as suas relações preferenciais com os Estados Unidos e a Commonwealth, e usar o seu consabido
pragmatismo para estabelecer laços económicos favoráveis com quem lhes
interessar, da China aos países árabes, asiáticos ou africanos. E se as coisas
correrem pior, talvez que as receitas proteccionistas e pro-sociais do Labour venham a ser úteis para gerir
esse fatal empobrecimento.
Em tempo de Páscoa cristã, a Turquia realizou um referendo de alterações à constituição, que passou
do parlamentarismo herdado de Ataturk (sob tutela militar durante um larguíssmo
período) para um presidencialismo islâmico que, não sendo ainda fundamentalista
(no sentido da sharia), se vem
colocando em posturas cada vez mais anti-ocidentais. É verdade que a União
Europeia lhe foi progressivamente encerrando as suas portas (para uma admissão
no clube) à medida que essa islamização ia progredindo. E que o acordo
financeiro passado para que Ankara ficasse nos braços com o grosso dos
refugiados sírios (e não só) foi uma jogada típica do “realismo dos mais
ricos”. Por outro lado, as relações bilaterais russo-turcas tornaram-se de novo
difíceis, com tantos motivos de convergência como de oposição de interesses
próprios. Assim, a Turquia volta a ser uma crucial fronteira-tampão entre a
Europa, a Rússia e o Médio-Oriente islâmico (incluindo a complexa situação dos
Balcãs e as sempre suspeitosas repúblicas do sul da Federação Russa), espaço
este onde se mantêm activíssimas e em simultâneo as manobras diplomáticas e
propagandísticas, as guerras limitadas e as acções terroristas, com irrupções
esporádicas de efervescências urbanas e intifadas,
sob o olhar atento e interventivo de russos, americanos e dos maiores potentados
da zona (em riqueza e poder militar). Só a presença dos turcos na NATO (até
quando?) é que constitui um “cinto de segurança”, quiçá decisivo para a
preservação da paz mundial.
Neste quadro, o Irão
foi também a votos para o cargo presidencial (com mais de um milhar de
candidatos à partida!). Felizmente, acabou por triunfar o moderado Rouhani, que
já estava em funções, travando reorientações mais aventureiras, agora que o
acordo obtido por Obama pode ser ignorado ou riscado de uma penada pelo seu
sucessor. No mundo árabo-islâmico, as rivalidades podem não ter fim à vista
entre as principais potências regionais – Irão, Arábia, Egipto e Turquia – sem
esquecer os, por agora discretos, países do Magrebe e a sempre adiada solução
Palestiniana.
É claro que a eleição de Trump nas eleições americanas de Novembro passado foi uma surpresa
que deixou o mundo estupefacto. Já todas as análises foram feitas sobre a
personagem e os motivos que levaram tão grande número de cidadãos yanquees a instalaram-no na Casa Branca,
mais os amigalhaços e a família. É este um dos
riscos maiores dos procedimentos democráticos tradicionais, mas somente quando
assim se concretizam é que nós podemos apreciar o seu alcance e os prejuízos
gerais que provocam. Sendo certa a sua absoluta ignorância da história, da
política e da cultura, o homem parece fazer “o que lhe dá na gana” julgando
poder gerir um país como aquele – sobretudo na ordem internacional – como se
fosse mais um dos seus negócios de resorts
ou de casinos. Aparentemente (mas talvez seja mesmo só aparência), lida com os media como se fosse apenas um
descabelado americano comum, desafia algumas das mais sólidas instituições
americanas, atreve-se a anunciar decisões até agora impensáveis e usa os seus
soldados no mundo como se de “jogos-de-guerra” se tratasse, com o que põe em
risco a credibilidade moral e mesmo a honra dos militares norte-americanos –
obedientes ao poder político democrático, mas não às ordens de um louco. A
curto e a médio prazo, isto vai ter os seus efeitos na cena mundial, o que já
começou com a renúncia ao tratado de Paris sobre as alterações climáticas. A
sua relação com Putin (sobretudo em relação ao Próximo-Oriente, onde os
“terroristas” não são os mesmos para cada uma das partes) e o triângulo
USA-China-Coreia do Norte são, de momento, os processos mais perigosos.
Como se previa já há largos meses, nas eleições presidenciais francesas (e sob
o regime do estado de emergência, não o esqueçamos) a Srª Le Pen quase igualou
o moderado Macron na 1ª volta mas este levou a melhor na 2ª por larga margem,
provocando alívios no Ocidente e recriminações internas na Frente Nacional.
Porém, a significativa abstenção (12 milhões = 25% do eleitorado), os brancos e
nulos (4 milhões = 10%) e os 34% de votos expressos por ela recebidos
constituem dados políticos relevantes que tiveram reflexos nas legislativas de
11/18 de Junho (onde a abstenção atingiu recordes, mostrando a expectativa e
distanciamento do povo francês) e condicionarão a próxima legislatura, apesar
da estrondosa vitória das posições centristas – “social-liberais” – do novo
presidente. Maugrado a sua larguíssima maioria – porém insuficiente para permitir
mexidas constitucionais, por causa do Senado conservado – e do “estado de
graça” de que vem beneficiando, é preciso não esquecer que “a rua” vai fazer-se
sentir em oposição a muitas reformas institucionais e económicas e que, nesta
maioria, existe tanto de rejeição à
“politiquice” anterior (e de sempre) como
de oportunismo de velhos e novos “politiqueiros”. O seu principal trunfo, é,
apesar disso, a existência de uma corrente de opinião capaz de lhe fornecer uma
força política mais coerente, realista e disposta à mudança composta por um
significativo sector de jovens qualificados e não “contaminados” pelos velhos
hábitos.
Acredita-se que o centrismo de Macron procure
responder às novas clivagens do nosso tempo e à erosão que tem laminado o
prestígio e a reputação dos partidos políticos tradicionais, particularmente no
caso da França (mas que é um fenómeno presente em outros países desenvolvidos),
não só pelos casos de corrupção e pelas promessas eleitoralistas não cumpridas
dos seus dirigentes (porque boa parte delas eram impossíveis de cumprir), mas
também pela lógica sectária dos seus militantes de base, obsecados pela
ocupação dos postos e instrumentos de poder e pelo combate contra os seus
adversários, sem visível preocupação pelos efeitos nefastos que estes combates
em arena fechada têm para a generalidade da população, numa época em que é
intensa e muitas vezes imediata a relação entre política, economia, sociedade e
cultura, por um lado, e entre o espaço local/nacional e o espaço
global/mundial, por outro. Neste sentido, qualquer política nova tem de ser necessariamente centrista e “social-liberal” mas suficientemente
estruturada, clara e objectiva para se distinguir do “marais” (o habitual centrismo negativo “nem… nem…”). Se isto for
possível, a sua corrente dinâmica atrairia obviamente gente dos partidos
moderados de direita e de esquerda e, sobretudo, muitos dos actuais
abstencionistas (que não sejam os a-sociais conhecidos em França por “pêcheurs-à-la-ligne”). Mas encontrará
como adversários políticos os sectores mais ideologizados de direita e de esquerda,
incluindo necessariamente as suas diversas franjas extremistas. Como é que tal
dinâmica poderá desenvolver-se num quadro tão complicado como é o da França,
onde o presidente dispõe de algumas armas raras (como governar por decretos [ordonnances], assumir os poderes
especiais do Artº 16º da constituição, dissolver o parlamento ou levar a
referendo projectos de alteração das normas fundamentais) mas não conseguirá
ter orçamentos e ver aprovadas simples leis reformadoras na Assembleia e no
Senado se a sua maioria começar a esboroar-se por falta de consolidação
político-ideológica? E como poderá Macron responder às expectativas ora criadas
quanto à superação da crise económica, do problema das migrações maciças e da
sua integração socio-cultural – além de atender à segurança pública e opor-se
com eficácia às ameaças e desafios de guerra – sem uma notória alteração dos
posicionamentos da União Europeia, quando as relações com a Alemanha nunca
serão fáceis, a saída do Reino Unido vai demorar a encontrar uma plataforma
aceitável e será necessário lidar com os suspeitosos governos europeus de
Leste, os grandes “lastros” que são a Itália e a Espanha e os recalcitrantes
“pesos-plumas” (ou “pesos mortos”?) da Grécia e de Portugal? Por outro lado, a
conjunção das oposições mais rudes de esquerda e de direita tornarão decerto
muito estreita a margem de manobra de Macron. Mas que necessidade tinha este de
lhes dar argumentos ao visitar Berlim logo no segundo dia do seu auspicioso mandato?
Não poderia ter obtido um encontro na fronteira?
Para que o centrismo social-liberal possa vir a ter
êxito precisará de afrontar as ideologias mais arreigadas à esquerda e à
direita e estruturar uma sua própria ideologia baseada em equidade social,
segurança pública, democracia participativa, prosperidade partilhada,
desenvolvimento dos países mais pobres e populosos, cooperação internacional e
precaução ambiental. E talvez possa chamar simbolicamente em seu favor os
quatro princípios fundamentais identificados na Declaração de 1789: liberdade,
propriedade, segurança e resistência à opressão.
A Frente Nacional dos Le Pen – de extrema-direita,
nacionalista, xenófoba e anti-europeia, aparentemente moderada mas abrigando no
seu seio franjas extremistas perigosas e violentas, que sempre existiram no
país desde Maurras, Doriot e da governação de Pétain, colaborante com os
invasores alemães em 1940-44 –, a FN, dizíamos, é provavelmente o partido mais
coeso do espectro partidário do país, apesar das querelas de liderança, alimentado
que é pelo ressentimento de o sistema eleitoral lhe negar uma força parlamentar
à altura do eco favorável que obtém na opinião pública. Quase perdido o seu
lugar de grande potência mundial devido às insuficiências do seu poder
económico, a França profunda tem-se virado mais e mais para o nacionalismo e o
fechamento perante o ressurgimento de velhos fantasmas (a Inglaterra, a
Alemanha, os Estados Unidos), a mudança nos modos-de-vida, uma crescente
população islamizada residente e nacional mas mal integrada, e as ameaças
terroristas, a que o seu infeliz e inepto anterior presidente tentou responder
com alguma coragem mas sem discernimento, ao enviar as suas tropas para
combater jihadismos distantes e com
outras medidas extraordinárias.
Por seu lado, afogada entre divisões ideológicas e
pessoais, a esquerda – e especialmente o outrora poderoso partido socialista –
encontra-se mais enfraquecida do que nunca e prisioneira das querelas do
passado (Veja-se esta pequena amostra do “delírio” existente entre alguns
cientistas sociais, extraída de uma comunicação privada: « […] Touraine ou Wiewiorka […]
nous les considérons comme des réactionnaires»). O “gaulismo”
também desapareceu face ao atractivo americain
way of life e aos escândalos dos seus principais dirigentes. A estes dois
antigos bastiões dominantes, resta-lhes, como capital político, a implantação
territorial conseguida ao longo de décadas e a importância europeia do “eixo
Paris-Berlim”, em cuja gestão o PS se mostrou sempre tão diligente quanto os
seus adversários de centro-direita.
Assim – a menos que a União Europeia consiga um “golpe
de rins” de recorte mais federalista (o que não se vê facilmente como, atendendo
às atitudes nacionalistas dos países do Leste) –, a Frente Nacional aparecerá
como a única força portadora de um projecto de mudança correspondente aos
desafios do tempo actual: resposta errada e perigosa (tanto política como
economicamente) mas que se distingue claramente dos outros “gestores do statu quo”, e como tal é reconhecida por
uma parte significativa do eleitorado francês. Veremos o que vai acontecer
daqui até 2022.
Aguardamos por Setembro para verificar os resultados
das eleições gerais na Alemanha, e
pelo Outono para a consolidação do arranjo de governo que vai seguir-se, sendo
que a CDU-CSU vem ganhando vantagem, embora o cenário da continuação da “grande
aliança” com o SPD não esteja afastado. Mas para além do titular da chancelaria
(Merkel), será decisivo saber quem assumirá o ministério das finanças (Schäuble
ou outro) e o score do partido
euro-céptico Alternativa para a Alemanha (AfD), que agora parece em quebra. Na
Holanda, no escrutínio de Março passado, o candidato populista Geert Wilders (cujo Partido da Liberdade dizem ser
inexistente, apenas contando o seu discurso) obteve a segunda melhor posição no
eleitorado mas ficou fora do governo. Na Áustria as correntes direitistas não
desarmam mas não conseguiram eleger o novo presidente da república. Será que se
está a atingir o patamar-limite do crescimento eleitoral das forças populistas
de direita com um posicionamento anti-UE que, com diferentes matizes, é também o
sustentado pelas esquerdas soberanistas? Ou será apenas uma pausa no geral
enfraquecimento dos partidos do centro político (moderados de esquerda e de
direita) e que a radicalização nos extremos possa levar a confrontos
incontroláveis, dado que nenhuma destas forças aceitará de bom grado uma
derrota? As travagens eleitorais que estes movimentos sofreram nos últimos
meses em vários países da Europa podem não ser senão transitórias.
Também
para o Outono ou pouco mais tarde poderá haver novas eleições em Itália, onde o Movimento 5
Estrelas (que reune anti-europeus de
esquerda e de direita) fracassou nas recentes eleições municipais. Houve um acordo
conseguido em finais de Maio entre os principais partidos sobre uma reforma da
lei eleitoral, “à alemã”, que não alterará sensivelmente as condições de
instabilidade governativa gerada por esta elite política, onde pesam sobretudo
o populismo negocista de Berlusconi (e o fechamento xenófobo da Liga Norte), o
populismo anti-sistema do M5S e a demagogia-de-esquerda de um líder “modernizador”
como Renzi.
Bem mais discretas são as divergências em Portugal entre os partidos com
acesso ao poder executivo, por via do apoio que PCP e Bloco de Esquerda
emprestam no parlamento ao governo socialista de António Costa, por troca com a
adopção de certas medidas legislativas e orçamentais por eles avançadas, ao
mesmo tempo que se sentem livres para “falar contra o governo” em outras
matérias, de molde a garantirem a suas respectivas bases eleitorais. Tudo isto
é obra de Costa, de Centeno e do suporte que têm encontrado no inquilino de
Belém. O primeiro confirma a arte negociadora por todos reconhecida e permanece
exibindo as piruetas verbais que forem necessárias para continuar a sorrir. O
segundo, com maior ou menor maquilhagem das contas públicas, consegue
apresentar números que fazem calar tanto as oposições nacionais como os seus
interlocutores europeus. E o terceiro continua a sua imparável acção de
“popularização” da magistratura suprema do Estado, ao mesmo tempo que participa
na governação (sobretudo na frente externa) e aposta na estabilidade
governamental… enquanto esta durar. Também a tragédia humana dos mortos e
feridos do incêndio de Pedrógão Grande pode vir a ter efeitos benéficos para o
sentimento de coesão nacional (que o Presidente não se cansa de realçar), e por
reflexo para a governação actual, bem ao contrário do que aconteceu com o equiparável
acidente urbano acontecido em Londres uma semana antes.
A (estúpida e prejudicial) regra da coincidência
temporal das eleições autárquicas não vai alterar significativamente o quadro
político nacional, com as costumadas declarações de vitória de todos os
partidos, a reafirmação de alguns candadatos independentes (quase todos
“dinossauros” ou zangados com os seus correligionários) e uns ajustes de contas
internos, como muitos admitem que possa acontecer no PSD. Mas vai dar
argumentos aos vários componentes da coligação apoiante do governo para
provocar reajustamentos e alterar prioridades quanto às medidas a tomar
proximamente. Sobretudo, desencadeará discussões e ensaios de estratégia
partidária face às eleições gerais seguintes. Estratégias que, porém, estarão
sempre fundamentalmente sujeitas à melhor ou pior evolução da economia e a
qualquer alteração que se verifique na envolvente externa.
Falando em regras institucionais, pode observar-se
que, em muitos países e alguns dos mais importantes, se está criando a sensação
de que os processos eleitorais de constituição de assembleias parlamentares ou
de escolha directa de governantes começam a deixar um crescente número de
cidadãos insatisfeitos com os resultados dos mesmos e os desempenhos desses
seus representantes, seja por falta de cumprimento de promessas feitas, seja
por suspeitas de corrupção ou sujeição a interesses espúrios, ou ainda pela
abertura de uma notória clivagem entre as elites, os partidos e a grande
maioria do povo eleitor. Estes defeitos dos regimes políticos democráticos são
há muito conhecidos mas, com naturais altos e baixos, mantiveram-se geralmente
dentro de um padrão de razoabilidade que satisfazia o pragmatismo da maioria, a
qual também não vislumbrava qualquer outra alternativa institucional superior.
A legitimação de partidos e líderes governantes pelos aplausos de uma multidão
em delírio ou pela “razão das armas” de um golpe-de-Estado ou luta
revolucionária triunfante foi aceite no século passado apenas no caso de povos
atrasados – sempre evoluindo para ditaduras mais ou menos afirmadas – e,
excepcionalmente, na débacle de
regimes autoritários mas logo confirmado por processos de escrutínio popular
livre (isto é, com garantia de expressão individual sigilosa). Hoje, são
populações há muito escolarizadas e habituadas a governos democráticos que não
se revêem nas propostas dos partidos e dão apoio a acenos de ruptura, vindos de
forças radicais de esquerda ou, mais frequentemente, das direitas. E as tímidas
propostas de reforma constitucional que emergem – por exemplo, de Renzi em
Itália, num sentido federalista na vizinha Espanha ou agora por Macron em
França – não encontram acolhimento suficiente face às rupturas anunciadas por
líderes carismáticos neo-nacionalistas. Parece que estamos à beira de um novo
choque traumático – desta vez essencialmente económico e político, à escala
internacional – que talvez permita enfim que os povos mais cultos e educados
façam prevalecer a voz da razão e do entendimento sobre os esgares dos condotieri e a algazarra dos seus
apoiantes.
Por todo o lado, os processos eleitorais e as regras
tradicionais da representação estão a evidenciar um acentuado desgaste e
necessidade de regneração. Nestas circunstâncias, mais se nota a urgência de
uma renovada forma de intermediação entre os cidadãos
(trabalhadores-consumidores-eleitores) e o exercício da governação para um
melhor-estar das populações, porém desgraçadamente numa época em que os
mandatários populares se mostram mais fechados sobre si próprios e permeáveis
aos fenómenos da corrupção, do negocismo
e da falta de ética.
Entretanto, nesta álgida situação que a humanidade
atravessa, deve perguntar-se o que andará fazendo um António Gueterres quase
desaparecido. Talvez esteja tentando reanimar a máquina burocrática da ONU ou
diligenciando discretamente junto dos principais líderes mundiais. Oxalá a
ausência de eco da sua acção não signifique ter já sido abafado por forças mais
poderosas do que o consenso das não-oposições que permitiram a sua ascensão ao
cargo de secretário-geral daquela incontornável organização internacional.
JF / 24.Jun.2017
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