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sexta-feira, 13 de julho de 2012

Pessoas frágeis e solidariedade social


Em Portugal devemos ter hoje mais de dois milhões de cidadãos adultos cujo rendimento os coloca abaixo do limiar de pobreza: pensões sociais, RSI, antigos agricultores, mulheres domésticas, etc. São centenas de milhar as pessoas com problemas de saúde crónicos, acidentadas ou inválidas. Temos dois milhões de pensionistas idosos. E é superior a meio-milhão o número de imigrantes estrangeiros que para aqui vieram em busca de uma vida melhor, a maioria dos quais labuta nos níveis mais baixos de retribuição salarial, com garantias precárias e dificuldades de re-enraizamento sócio-cultural. Estes números são grosseiros mas aproximam-se talvez de metade da população residente no país. É verdade que haverá aqui alguns milhares de relapsos ao esforço do trabalho e de aproveitadores das oportunidades oferecidas pelo nosso tão ineficiente “Estado social”, que se justifica sejam controlados e impedidos de o continuar fazendo. Mas a maioria contribui – ou já contribuiu – de maneira socialmente útil para o bem-estar colectivo e não está nas suas mãos alterar a situação presente. Precisam de ser respeitados e atendidos.
Temos ainda mais de um milhão-e-meio de crianças e adolescentes que actualmente crescem rodeados de artefactos técnicos e de estímulos áudio-visuais impositivos, e que uma carreira escolar prolongada empurra para o conhecimento e para a fruição. Nada produzem no imediato mas custam caro ao rendimento familiar e ao erário público, que sustenta o sistema de ensino.
No conjunto, serão à volta de seis milhões as pessoas que, total ou parcialmente, estão inseridos na economia do Estado, seja que este actue como empregador, cliente, redistribuidor da riqueza criada ou gestor das contribuições previdenciais que os activos (com emprego) vão fazendo, mês após mês: activos estes que são os cerca de cinco milhões de indivíduos que dão valor à economia e também são os principais pagadores do fisco – se não contarmos os impostos que todos os cidadãos desembolsam nos seus actos de consumo e outras transacções correntes. 
Em termos contabilísticos, esta economia pública representa mais de metade da riqueza produzida no país. Como é o governo – e, mais latamente, a “classe política” – quem toma todas as decisões nesta matéria, quase poderíamos dizer que nos encontramos em regime socialista, com o picante adicional das regras do jogo serem as da livre iniciativa, da concorrência e do mercado.
Evidencia-se assim a enorme responsabilidade que pesa sobre os governantes desta época, tanto nos benefícios e benesses concedidos às populações e às elites, como no descontrolo e nas dificuldades que agora estamos vivendo.
Historicamente, a eleição de representantes do povo a um parlamento nacional foi feita para limitar o poder do rei de lançar impostos. Hoje, porém, “rei” e “parlamento” confundem-se numa só figura, a elite política – internamente dividida, concorrente e mesmo conflitual entre si –, mas que entretanto se assenhoreou de todos os mecanismos (jurídicos, comunicativos, etc.) de preservação do seu monopólio de poder e estreitou até ao íntimo os laços e os interesses com a elite financeira e económica. (Ressalve-se, até certo ponto, as forças que, por ideologia, se colocam com um pé fora deste regime, casos do PCP e do Bloco de Esquerda.)
Tudo isto significa demasiado poder concentrado em poucas cabeças decisoras (apenas alguns milhares). É verdade que boa parte da solidariedade nacional para com as categorias mais fragilizadas da sociedade tem sido assegurada por IPSS e outras entidades associativas da sociedade civil, principalmente de inspiração católica – ainda assim demasiadamente dependentes das ajudas públicas.
Considerada esta situação, inclinamo-nos a apontar três linhas de orientação para um dia virmos a ultrapassar as dificuldades e iniquidades do presente: 1ª, um maior controlo social sobre a “classe política”, que passará necessariamente por meios mais eficientes de representação popular e de exercício do poder político; 2ª, uma economia e um dispositivo de previdência e solidariedade social mais autónomos e independentes do Estado, sem contudo se deixarem enfeudar a poderosos centros de poder financeiro privados; 3ª, porque os necessitados são hoje muitos e em situação de urgência, todas as decisões políticas têm de prever medidas de excepção que ajudem as pessoas mais frágeis a suportar e a superar a crise actual.
JF / 13.Jul.2012

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