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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Pensadores portugueses

Vem isto a propósito das recentes homenagens de que foram alvo Eduardo Lourenço e Gonçalo Ribeiro Teles. Este último é decerto um “homem do agro” com visão, conhecimentos alargados e muita determinação na forma como defende as suas convicções e naquilo em que se empenha, seja na crítica ao Estado Novo, ao industrialismo e à urbanização sem limites, seja na ambição de uma cidade mais ruralizada e equilibrada, seja ainda na sua fé acerca da superioridade do “regime do beija-mão”.
Além de poetas, os portugueses sempre tiveram excelentes escritores e alguns bons pensadores. Entre os nossos contemporâneos, Eduardo Lourenço estará entre os de primeira linha. Com aquela sempre perturbante fisionomia e dicção que tanto o aproximam de Salazar, está-lhe porventura nos antípodas, quer do pensamento, quer da acção: é, por assim dizer, a sua absoluta negação. Mas é também o mais douto e talentoso representante da opinião “de esquerda” – exprima-se ela no plano político, cultural ou literário –, com o que isso implica de acampamento no “arraial do contra-establishment” e, portanto, num certo sentido, bem distante da complexidade inteligente do Pessoa que tanto admira, e cujo nome designa o prémio com que acaba de ser distinguido.
É talvez seu émulo, em quadrante ideológico oposto mas com intervenções políticas mais afirmadas (e talvez mais arriscadas), Adriano Moreira, outro espírito de enorme sabedoria e acutilância, que foi capaz de ser um potencial reformador do Estado Novo e de tornar-se depois numa figura respeitada do regime democrático, não deixando de afirmar o seu lugar no mundo universitário e nos espaços onde hoje se debate a essência e o futuro da nação.
Sua vizinha de percurso e de convicção religiosa, Maria de Lurdes Pintasilgo mereceria talvez outro reconhecimento público, pela forma como soube entender algumas das principais fermentações (e desde logo a emancipação da mulher e as condições de participação na cidadania) que, desde as décadas de 60/70 do século passado, começaram a emergir nas sociedades ocidentais, e pela sua preocupação em procurar articulá-las com a situação mundial.
Não podemos também deixar de lembrar António José Saraiva, homem de letras, da cultura e da história, vindo da área dos compagnons de route comunistas mas que, atentíssimo ao que se ia passando pelo mundo, veio a adoptar uma postura francamente libertária, sem nunca se vergar à disciplina de qualquer seita ou capela.
Mas estes nomes não devem obscurecer o de Agostinho da Silva, um humanista livre e visionário que, sem deixar de pensar em português e quase realizando o milagre de fundir o Gama com o velho restelense, soube oferecer-nos um extenso rol de reflexões para nos armar o espírito crítico, tão necessário de preservar quando se esbatem os contornos dos territórios culturais que vestimos e se desenham outros novos que ainda estamos longe de abarcar. E deu-nos também o exemplo da capacidade de sonhar.
Em tempo de “Festas”, é bom pensarmos no melhor.
JF / 23.Dez.2011

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