Mais uma vez se assinalou no dia 10 de Dezembro o aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem que, na sequência da última guerra mundial, ajudou a definir o papel da ONU.
Não foi um inédito mas trata-se de um documento notável onde, em 30 singelos artigos, se diz o fundamental sobre os princípios que deveriam guiar a vida das colectividades humanas na nossa época. Notável, sobretudo, por ter sido produzido num tempo em que já se estava instalando a divisão do mundo em dois blocos inconciliáveis e à beira da emancipação política dos povos colonizados.
Depois disso, a afirmação e o exercício dos ‘direitos’ progrediu extraordinariamente, a par de uma maior e melhor informação disponibilizada pelos novos meios de comunicação social. A pena de morte e as torturas e tratamentos (prisionais mas também policiais, militares ou familiares) qualificados de cruéis, degradantes ou desumanos sofreram um enorme recuo. Aos direitos civis e políticos básicos (que têm essencialmente a ver com a liberdade individual e a dignidade da pessoa) foram acrescentados outros, de natureza económica, social e cultural. Surgiram depois os direitos reivindicados por grupos sociais mais específicos, como as mulheres e as “minorias” (crianças, idosos e outros), de preservação do ambiente natural, dos animais, etc.
Porém, é também legítimo perguntar se tal reivindicação de direitos não leva, por vezes, a resultados opostos aos pretendidos, no conhecido processo dos efeitos perversos. Isto é, se, para as novas gerações que encontram uma sociedade plena de direitos, de “objectos de desejo” e de fracos impedimentos para as transgressões – ao mesmo tempo que uma cultura altamente estimulante para o “sair de si”, a negação, a experienciação, a re-criação, o espectacular e a violência (veja-se o caso dos filmes e da música) – isto não é um convite a que se destruam equilíbrios fundamentais entre a realidade e o projecto, os recursos e a acção, a integração e as mudanças, os direitos e os deveres.
É certo que existem hoje ameaças reais suscitadas pelo uso de tecnologias sofisticadas que justificam uma atenção constante dos cidadãos para que, sob a aparência de gadgets modernistas, se não comprimam as liberdades individuais e colectivas, submetidas a poderes fácticos ou mesmo legitimados pela opinião da maioria.
Mas sabe-se que nenhum sistema social razoavelmente justo, restrito ou amplo, funciona sem um equilíbrio de direitos e deveres dos participantes. Está, pois, talvez na altura de se procurar um balanceamento mais equitativo entre as supracitadas afirmações de direitos, liberdades e garantias – sem dúvida importantes, em si mesmos, e aferidores de uma superior qualidade da existência humana – e as correspondentes contribuições que indivíduos e comunidades particulares devem dar em prol do bem comum. Sobretudo quando se sabe que o universalismo que se atribuíram os redactores da Declaração, apesar de toda a sua boa-vontade, incide apenas sobre uma fatia parcial da população mundial e que imensas massas humanas se debatem ainda com os problemas primordiais da sobrevivência, bem como do seu espinhoso e problemático acesso à categoria de cidadãos (de que são exemplos o que acontece na China, hoje o grande produtor de mercadorias baratas para todo o mundo, ou a forma como o regime político da Síria reprime militarmente as manifestações de protesto dos seus opositores, que já sofreram mais de 4 mil mortos por balas nas ruas, ao longo dos últimos meses).
JF / 17.Dez.2011
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sábado, 17 de dezembro de 2011
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