Atingir-se a vizinhança das setenta primaveras significa hoje, geralmente, ser passado à categoria dos reformados, inactivos ou aposentados.
Vá lá que ainda guardam o direito de voto, mesmo quando a lucidez se foi e o viver se torna uma espera do fim. (Deve ser para não enfrentar a dificuldade de definir juridicamente o que é a liberdade de consciência…)
É certo que a experiência e os distanciamentos são também uma condição do saber científico – como antecipou o dito renascentista sobre “la madre de todalas cosas”. Mas essa sabedoria, que alguns alcançam no declinar das suas vidas, já não tem hoje qualquer valor que possa aproveitar à sociedade, talvez com a excepção da socialização dos pequenotes, ainda assim de forma muito parcial.
Em termos demográficos e geracionais, as “sociedades de classes médias” de hoje são dirigidas por elites de média-idade que parecem orientar-se prioritariamente pelo propósito de seduzir as camadas jovens e vão suportando os pensionistas porque estes, cada vez mais, pesam nos pleitos eleitorais.
Contudo, como se observou entre nós com o interessante “balão de ensaios” do Partido de Solidariedade Nacional do doutor Manuel Sérgio, os idosos não demonstram ter as condições anímicas e a identidade social necessárias para constituir uma força política autónoma.
Limitam-se, assim, a exercer um certo papel social – sobretudo, o de baby sitters dos netos, e também os de animadores e utentes de “actividades de terceira idade”, como sejam formas várias de voluntariado, universidades seniores ou “depositários da memória” para os cientistas sociais exercitarem as suas competências –, ao lado de um papel económico já significativo, dada a expressão numérica que corporizam:
-a grande maioria, com pequenas ou insuficientes pensões, justificando a cada vez maior quantidade de trabalhadores sociais (públicos, empresariais e do “3º sector”) que deles se ocupam e que alguém paga (os impostos do Estado, os próprios beneficiários ou a solidariedade social);
-os mais abonados ou afortunados, reciclando parte das poupanças das suas vidas em favor dos filhos – os jovens adultos, mesmo bem qualificados, que enfrentam grandes dificuldades de integração na vida activa – e gerindo o que resta dos seus rendimentos entre o usufruto de alguns prazeres há muito sonhados (uma viagem, um espectáculo, etc.) e os cálculos arriscados de quanto irão ter para acabar as suas vidas.
Quando o corpo já pesa, o dominó e o banco-de-jardim são a escapatória possível para os mais desmunidos.
O corte abrupto entre uma actividade de trabalho, remunerada, e a desocupação, há muito que se sabe ser penoso e perturbador, mas, por isso mesmo, já hoje respondido de muitas maneiras, segundo os gostos e possibilidades de cada qual. O que já é quase sempre uma novidade é a reaprendizagem psicológica do casal de reformados, agora levados a conviver 24 horas por dia, coisa que nunca tinha acontecido nas suas vidas, salvo os momentos absolutamente excepcionais de uma longínqua paixão amorosa ou os pequenos intermezzi de algumas férias.
Pior é, mais cedo ou mais tarde, a inevitável experiência do “ficar só”, marcada pelo irremediável da morte ou por uma sucessão de conflitos internos ou de personalidade que levam à rotura. O quase-forçado exercício de reflexão e auto-análise deste isolamento pode conduzir a descobertas pessoais até decisivas para o sentido-da-vida de cada um, mas é quase sempre tarde demais para um desejo correctivo com efeitos práticos. O mesmo se diga dos cada vez mais fugazes impulsos sexuais, perante a beleza irresistível de um corpo jovem e a improbabilidade de o tocar.
A nostalgia é então, muitas vezes, uma saída carinhosa para os próprios – seja vivida individualmente ou entre iguais –, porém tremendamente aborrecida para terceiros. Ainda mais incómoda para estes é a caquexia ou outros desarranjos físico-mentais que tantas vezes antecedem o falecimento, provocando então verdadeira tristeza nos próximos que o conheceram e amaram vivo-vivo. E patética é a tentativa desesperada de alguns para contrariar o natural envelhecimento, pela maquillage ou a persistência em estilos-de-vida a destempo.
Analistas reconhecidos (Filomena Mónica, Villaverde Cabral) procuram dar conta disto pelo escrito ou pela acção investigativa-institucional, e não faltam actualmente especialistas e políticos para se ocuparem do “testamento vital”, mas surpreende que pareçam só agora descobrir o problema (Adiaram-no, certamente, e terão feito bem!).
Mas talvez todos pudéssemos aprender com a maioria desta gente da “terceira idade” uma qualidade que não abunda por aí: a da serenidade.
JF / 4.Nov.2011
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sábado, 5 de novembro de 2011
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