Contribuidores

sábado, 19 de novembro de 2011

Os militares e a ordem política

Os militares (sobretudo os seus reformados) andam de novo descontentes, fazendo reuniões numerosas e manifestações de rua.
Compreende-se perfeitamente que se sintam maltratados e ultrajados por uma ‘classe política’ (particularmente os partidos da governação) que os despreza e que levou o país à situação actual. Mas não basta dizer que há “outros” que também deviam pagar, em tempo de sacrifícios – como é geralmente, a reacção de cada qual: Not in my backyard! Provavelmente, nas Forças Armadas há lugares de oficiais-generais a mais, baixa produtividade em muitos serviços de apoio não-combatentes e carreiras insuficientemente selectivas (apesar da pirâmide) que levam quase todos a chegar aos postos de coronel ou de sargento-ajudante: são aspectos onde os “cortes” poderiam até ser potenciadores de maior rigor e eficiência para a organização. Noutras áreas mais fundamentais, é possível que a redução de meios exigida pela escassez orçamental se deva não apenas a uma reavaliação das missões e a evitar sobreposições e restos de tensões inter-corporativas mas também ao anti-militarismo larvar existente na sociedade portuguesa actual. Contudo, aí devem actuar os responsáveis do alto-comando, face ao governo.
Há, porém, comportamentos que são dificilmente aceitáveis em militares, que sempre abraçaram voluntariamente essa especial condição e conhecem desde o início as abdicações e servidões a que estão sujeitos. O associativismo reivindicativo (de tipo sindical-corporativo) pode servir os fins agitatórios perseguidos por minorias políticas organizadas, mas constitui sempre um risco, quer para a disciplina e coesão das instituições militares, quer sobretudo para não avivar as lembranças das intervenções armadas na governação que pontuaram a história dos últimos dois séculos.
Imagine-se o que seria, num país destroçado pela crise, o regresso dos “pronunciamentos”, com as forças militares e de segurança fragmentadas entre “constitucionalistas” e “regeneradoras”, e a Europa, estupefacta, a dar luz verde a que o exército mais próximo e mais capaz – obviamente, o de Espanha – viesse finalmente pôr ordem nisto!...
Os militares têm tanta razão de descontentamento com a situação económica actual como todos os outros funcionários públicos e os pensionistas, e menos do que as famílias de desempregados e os quatro ou cinco milhões de portugueses que vivem com rendimentos inferiores a mil Euros mensais. Como cidadãos, em igualdade com quaisquer outros, podem votar para ajudar a mudar um governo. Mas a subliminar evocação das armas, que só eles podem usar, é ilegítima. Por exemplo, ninguém aceitaria que os juízes não aplicassem uma lei penal que lhes desagradasse.
Por estas razões cruciais, é preciso ter uma extrema cautela com todo o tipo de manifestações colectivas públicas de militares, mesmo desfardados ou pela “interposta pessoa” dos reformados. E as reacções de algumas figuras históricas do MFA podem até ser compreensíveis enquanto desabafos pessoais, em privado, mas tornam-se perigosas – e desqualificadoras para a própria ‘classe castrense’ – quando produzidas publicamente e destinadas a servir de alerta e de meio de pressão para a opinião pública e responsáveis políticos.
JF/ 19.Nov.2011

1 comentário:

  1. E as reacções de algumas figuras históricas do MFA podem até ser compreensíveis enquanto desabafos pessoais, em privado, mas tornam-se perigosas – e desqualificadoras para a própria ‘classe castrense’ – quando produzidas publicamente e destinadas a servir de alerta e de meio de pressão para a opinião pública e responsáveis

    ResponderEliminar

Arquivo do blogue