Os prestamistas externos de Portugal já ditaram as suas condições para esse empréstimo extraordinário de perto de 80 mil milhões de Euros que vai evitar a ruptura imediata das nossas finanças públicas: uma quantia a ser abonada ao longo de três anos e a ser reembolsada em mais uns tantos, a uma taxa de juro “amável” da ordem dos 4%.
Aos olhos de um cidadão não-especialista e à luz do que se tem podido ler na imprensa, até se deve estranhar que as medidas restritivas não sejam ainda mais duras. Há talvez a esperança de que elas sejam suficientes para não esmagar a “economia real” durante demasiado tempo, que esse esforço internacional não dificulte eventuais novas intervenções em defesa do Euro (Espanha, etc.) e que o novo governo seja capaz de as aplicar efectivamente e de efectuar as famosas “reformas estruturais”. A monitorização trimestral da evolução da situação orçamental, financeira e económica deve servir-lhes de garantia suficiente para que, se as coisas não correrem como previsto, a “torneira” imediatamente seja bloqueada.
Será o próximo governo – qualquer que seja a sua configuração – capaz de cumprir a sua parte neste programa de austeridade rigorosa? Há fundadas razões para temer que não. Os talvez perto de 30% de portugueses que vivem abaixo do limiar de pobreza e de desempregados que vão perdendo o respectivo subsídio ficarão ainda pior com o agravamento do IVA (cuja função é agora a de substituir a da antiga “desvalorização competitiva” de moeda)… e veremos como seguirá a inflação! Mas será o PC (desafiado pelo BE) que porá nas ruas todas as formas de protesto possíveis. Os sindicatos e outras corporações de interesses profissionais farão o mesmo e, talvez sobretudo, inundarão os tribunais com acções para contestar a legalidade das medidas governativas, com este ou aquele argumento (que os juristas não têm dificuldade em encontrar). Não se viu hoje mesmo na imprensa a notícia de que 50 magistrados do Ministério Público intentaram acções judiciais contra o Estado por este lhes ter cortado nos salários ou pensões? Nestas condições, com sindicatos reivindicativos (é a sua vocação, claro!) na Justiça, na Diplomacia, nas Polícias e Guardas Prisionais, e proto-sindicatos nas Forças Armadas, como é que o próprio sistema judiciário se irá reformar profundamente, como todos dizem que é preciso, e se não há dinheiro para “comprar” a aceitação de certos sacrifícios por parte dos funcionários, como era habitual fazer-se?
Anuncia-se que as autonomias regionais vão ter de contrair as suas despesas e o poder local que reestruturar a sua rede de municípios e freguesias no sentido de maior concentração de meios e mais poupança. Como acreditar nisto, sabendo-se das larguezas do emprego público nos arquipélagos (base das suas maiorias eleitorais) e da forma como os autarcas partidários reagem contra toda e qualquer restrição dos seus poderes ou da representatividade eleitoral em que se apoiam? Temos bem fresco o caso das mudanças do Serviço Nacional de Saúde ao nível local que custou o lugar ao ministro Correia de Campos! E vale a pena recordar que a última grande reforma administrativa municipal – a de Mouzinho da Silveira nos idos de 1830 – só foi talvez possível no rescaldo de uma guerra civil, em que se podia acusar de “miguelistas” os municípios a extinguir…
Finalmente, dizem os líderes do PSD e do CDS que vão reduzir o número de ministérios (e de governantes). Pode ser uma medida positiva (como parecia ser a de Santana Lopes de tentar deslocalizar algumas sedes governativas para fora de Lisboa), mas está longe de ser uma garantia de melhor eficiência no sistema de decisão e de administração pública. Há anos que o general Garcia Leandro vem criticando os “cilindros”, verticais e fechados, em que cada departamento ministerial funciona, de costas viradas para os vizinhos. Desde há muito que se afirmava que o Ambiente tem de ser “transversal”, inter-ministerial, mas não se descansou enquanto o mesmo se não alcandorou ao estatuto de ministério: com menos do que isso, não tinha “força política”. O mesmo se diga da Cultura, havendo já quem conteste o seu eventual regresso a Secretaria de Estado. E há a questão do Mar, também “transversal”, que aspira há tempos a uma melhor consideração nas prioridades nacionais. Em suma: entre a lógica da gestão do poder político máximo, que é o governo nacional (embora o nosso hoje conte pouco em termos mundiais), por um lado, e a lógica do melhor funcionamento da máquina administrativa pública, por outro, não há apenas uma diferença de natureza e de linguagem: há também fortíssimas tensões no interior de cada uma delas. Na primeira, em regime democrático/partidocrático, afrontam-se os interesses das forças concorrentes e das respectivas ideologias de referência, mais as volúveis relações que entretêm com as massas; na segunda, existe toda a dificuldade em harmonizar as expectativas do serviço público com o atrito burocrático das várias categorias de funcionários e as pressões dos múltiplos grupos de interesse existentes na economia e na sociedade. Ora isto é muito mais do que um conselho de ministros a dez ou a vinte personagens.
JF / 5.Mai.2011
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quinta-feira, 5 de maio de 2011
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