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domingo, 13 de agosto de 2017

Fragmentos…

Arrumando e destruindo papelada acumulada sem mais préstimo, dei há tempos com uma pequena pasta onde estavam guardados já há anos apontamentos, recortes de jornais e notas soltas, a propósito de isto ou de aquilo. Deu-me a curiosidade de voltar a percorrer com o olhar esses escritos e tentar perceber se me poderiam ainda suscitar o interesse de alguma reflexão ou aprofundamento. Assim, aqui ficam, para que eventualmente ainda possam servir para alguém.

- O socialista espanhol Javier Solana, que foi secretário-geral da NATO e o primeiro “ministro dos negócios estrangeiros” da União Europeia, no auge da primeira crise financeira da Grécia em que os países vizinhos a ajudaram financeiramente sob condições (drásticas, embora ineficazes), escreveu muito adequadamente (ver Público, 21.Mar.2012) que a questão da soberania nacional (neste caso, segundo alguns, violentada pelas referidas condições) se assemelhava à da liberdade individual, referindo o marco histórico do Tratado de Vestefália de 1648, que geralmente articulamos com o primeiro daqueles conceitos, e uma obra clássica do liberal John Stuart Mill para o segundo. Segundo Solana, estes dois conceitos apenas definem princípios, mas não modos estruturados de actuação dos agentes políticos ou sociais. Fixando-se sobre o caso dos Estados-nação, enfatiza que, se nunca a soberania foi total (por ameaças ou necessidades só satisfeitas pelo exterior), ela hoje está muitíssimo diminuída pela «globalização [que] tornou as fronteiras mais porosas» e a «interdependência [que] é ainda mais evidente no desempenho económico dos países», dando o exemplo concreto de que nesse ano o crescimento do PIB da China descera dois pontos percentuais devido ao abrandamento da economia nos Estados Unidos e na União Europeia. Tudo isto para afirmar que, no presente cenário mundial, os governos nacionais têm o dever de considerar os interesses globais (interdependentes uns dos outros) na definição das suas próprias políticas, e de o explicar devidamente aos seus concidadãos-eleitores – em vez de se desculparem com as malandrices alheias, gostaríamos nós de acrescentar.

- A França tem a sua cultura política particular onde se inclui, de tempos a tempos, o rebentamento de crises que trazem muitos milhares de pessoas para a rua em protestos, reivindicações ou afirmações de vontade colectiva. Em tais ocasiões, a liberdade de expressão assume formas e dimensões inusitadas, os movimentos inorgânico/“espontaneístas” sobrepõem-se às organizações formais (partidos, sindicatos, igrejas, etc.) e geralmente emerge um actor social desempenhando um papel central de mobilização das massas: camponeses, operários, estudantes, jovens, etc. Porém, o “populismo de direita” que impulsiona o voto na Frente Nacional, além de ser interclassista, parece definir mais o seu “nacionalismo” contra alguns sujeitos bem especificados: as populações islamizadas onde situam a ameaça terrorista; as instituições decisórias e regulamentares da União Europeia; e a “classe política” que tem governado o país nas últimas décadas, a quem atribui a culpa de não ter sabido manter o estatuto de grande potência a que os franceses se sentiam naturalmente com direito.

- Anotações escritas num saco higiénico em viagem aérea para Lille cerca de 2004:
Écueils à éviter ou à circonscrire, s’ils doivent quand même se présenter: - les guerres militaires ouvertes; - les dérives violentes du terrorisme, la répression à large échelle, l’auto-défense armée de chacun, la loi des gangs ou des milices, les dictatures ou les états policiers; - les exodes massifs ou les courants d’immigration fuyant leur pays ou région d’origine et la pauvreté, sauf cas de massacres ou génocide; - les inégalitées économiques trop marquées, combattues par voie de fiscalité, sur le revenu et sur la consommation, et par des prelèvements ou transferts obligatoires des plus riches aux plus necessités; - les excès de consommation et des facteurs qui provoquent des méfaits sur l’environnement et la santé des gens, par l’éducation, la taxation et l’interdiction. 

- Creio que escrevi um dia, sobre mim-próprio, que podia legitimamente ser visto como um “traidor em potência de cada uma das minhas pátrias”. De facto, olhando para a trajectória passada, o facto de me ter entregado “a fundo” a várias das minhas “pertenças” (ideológicas, afectivas, profissionais, etc.) ter-me-á obrigado a posteriores actos de “renegação” (pagando por isso um preço elevado, moral e socialmente), cada vez que a minha evolução posterior (melhor dizendo: a minha relação com o mundo) me levou com igual empenhamento a criticar (talvez radicalmente, ou em excesso) coisas que antes afirmara.
Destes comportamentos, retirei talvez o proveito de granjear o respeito e a credibilidade junto de alguns. Mas, simultaneamente, um tal ascendente foi também capaz de influenciar outros, que passaram a seguir-me (como modelo), sem que eu o procurasse ou desejasse, e que vêm depois a sentir-se perplexos, desorientados, quiçá atraiçoados, por causa da minha própria evolução. E eu mais angustiado, por esse facto.
De onde me virá afinal esta capacidade de influência sobre terceiros, suave e meramente pelo exemplo? Eu que detesto ser líder formal – já fui, sei que sou capaz, mas não gostei e recusei –, de arrastar gente atrás de mim (embora saiba ser cooperador e gostar de trabalhar em boas equipas) e sou incapaz de seduzir, mulheres ou auditórios?! Que, quando distribuía panfletos na rua, nunca os “impingia” aos passantes, apenas os exibindo e oferecendo a quem me estendia a mão?!
Francamente, não sei, e desconfio que não tenha muito a ver com a genética. Inclino-me mais para a educação original (família, meio militar, religião), e para uma “cultura da responsabilidade e do épico” que fui aprendendo com meu pai e meu avô, e porventura indo além das suas mensagens explícitas por excesso de imaginação infantil. Talvez tenha aí adquirido a ideia (nunca formulada) de que cada missão é uma batalha (onde se pode ganhar mas alguns morrem pela certa), cada decisão difícil uma prova sacrificial, um “cerco de Diu” como o que obrigou o Castro a empenhar as próprias barbas!

-Sobre a competição desportiva e a ética, julgo ser capaz de alinhavar três tipos de considerações. Primeiro, sobre a sua essência como fenómeno dos tempos modernos: nesta perspectiva, podemos ver a competição como estando no cerne do seu sucesso mundializado: mas, diferentemente do comércio (onde, em teoria, todos deviam ganhar na troca), é talvez melhor considerá-la como um sucedâneo ou sublimação da guerra, onde o objectivo é sempre a vitória (com a derrota dos adversários); mas é preciso juntar-lhe também outras características como sejam o comum benefício da actividade física, o aspecto lúdico, o espectáculo por vezes emocionante (pela incerteza do resultado) e a motivação para a superação individual do atleta. Neste sentido, é bastante limitada a comparação que muitos fazem com outras actividades de lazer antigas ou tradicionais (como as que envolvem confrontos com ou entre animais, os duelos e, no limite, as lutas de gladiadores romanos).
Em segundo lugar, podemos considerar os riscos e os aspectos negativos presentes em tais actividades: a tentação da fraude ou da deslealdade (os subornos ou corrupção desportiva, a violação das regras, etc.); a exaltação do sobre-humano (com os excessos prejudiciais à saúde física ou mental, a dopagem, etc.); a violência física e o risco inerentes a certas modalidades (como o boxe, o alpinismo, as corridas motorizadas, etc.); a exacerbação das rivalidades e do fanatismo clubístico, nacional ou pessoal; e ainda os grandes interesses financeiros hoje presentes em tudo o que são espectáculos desportivos de massas.
No terceiro plano de considerações podemos referir a lógica da regulamentação que organiza as competições, desde logo entre provas individuais e provas por equipas, bem como as diversas especialidades que têm sido criadas dentro de cada desporto para atender a diferenciações naturais entre os competidores (sexo, idade, compleição física, etc.) ou devidas a equipamentos diferentes (em potência ou performances), ou ainda para pôr à prova capacidades específicas e diferenciadas detidas pelos competidores (somando largas centenas as provas diferentes hoje praticadas nos quatro cantos do planeta). Mas o ponto que aqui mais nos interessaria relevar é, como dizíamos acima, o das lógicas de organização das competições, onde podemos destacar as seis mais significativas, a saber: a da corrida simultânea onde todos os competidores se confrontam directamente (a maratona ou uma volta ao mundo à vela sem escala, por exemplo), cujos resultados se apresentam sob a forma inequívoca de um ranking ou ordenação; a da corrida ou competição por etapas ou por adição de sucessivos resultados parciais, que tende a premiar a regularidade, geralmente medida ao longo de um período relativamente extenso (p. ex., um mês, um ano); as provas chamadas de poules, de confronto entre dois adversários, em que todos competem contra todos mas sucessivamente, apurando-se o somatório final dos resultados obtidos; as provas de eliminação directa, também de confronto entre dois adversários mas em que uma derrota provoca inexoravelmente a exclusão da competição e o vencedor derradeiro só se decide num encontro “final”; a lógica do chalange round (hoje bastante caído em desuso), em que o campeão em título pode ser desafiado por adversários que o mereçam, seja pela ousadia do desafio, seja por terem vencido todos os encontros prévios em sistema de eliminação directa; finalmente, o mais leal e isento de todos estes tipos de organização competitiva é o da performance individual em que cada qual executa o seu exercício sozinho, tentando o melhor resultado medido em unidades de tempo ou outras, quantificadas (em uso, por exemplo, nas corridas “contra-relógio”, nas pontuações atribuídas por um júri a exercícios ginásticos ou no tiro desportivo).
Todas estas variedades têm vantagens e inconvenientes. Mas mais do que os esquemas técnicos organizativos, conta para a “verdade desportiva” e o benefício geral que as sociedades disso podem tirar a ética ou espírito desportivo revelados pelo comportamento dos participantes, que era o que tinham em vista os fundadores do desporto moderno: competir leal e desinteressadamente, em que o vencedor pode ser aplaudido mas deve simultaneamente estender o braço fraterno aos restantes competidores.

- O anarquismo foi uma doutrina com alguma atractividade e divulgação há um século atrás mas que parece ter perdido todo o impacto social a partir da Segunda Guerra Mundial. Perdeu a disputa ideológica com o marxismo e as correntes sociais-democráticas, mostrando debilidades teóricas perante essas escolas de pensamento e acção política, por exemplo quanto à economia e ao direito, mas não necessariamente nos planos político-filosóficos e ético-humanistas. Por isso, em conjunturas de crise ou grave desorientação dos comportamentos sociais, sempre alguém se lembra de recorrer a algumas das suas “ideias” ou inspirações mais libertadoras ou emancipadoras: as revoltas estudantis e juvenis dos anos 60 e 70; o feminismo e o desabrochar da sexualidade; as mobilizações ecologistas e pacifistas; os movimentos urbanos que levaram à implosão dos regimes socialistas do Leste europeu; ou as manifestações do tipo “Occupy Wall Street” ou dos “99%”. Nesta base, trata-se mais de um libertarismo do que propriamente do anarquismo formulado no século XIX. Este, perdeu-se com a “ignorância” do processo de descolonização, talvez pelo menosprezo demonstrado pelos processos democráticos de representação, muito provavelmente pela desagregação do tecido social produtivo (artesanal-industrial) onde havia encontrado os melhores terrenos de implantação e sobretudo com a “guerra fria” travada entre o Ocidente livre mas capitalista (que não se importou de sustentar várias ditaduras) e o “comunismo” (que realmente era apenas colectivista e ditatorial) que estruturou as relações internacionais durante décadas e onde já não havia lugar para “terceiras vias”.
O anarquismo desapareceu do mapa político mas o socialismo estatal-autoritário fez muito, muito pior, desacreditando com os seus insucessos, crimes e mentiras os melhores ideais que brotaram inicialmente do movimento operário internacional.
Mas se a democracia e o capitalismo saíram vencedores dessa contenda do século XX, não o fizeram sem “danos colaterais” e insuficiências congénitas ou adquiridas, que me proponho agora enumerar, sem qualquer aprofundamento:
1º tópico: Capitalismo e Democracia: dois sistemas, a mesma lógica.
A)    O Capitalismo, como regime socioeconómico (propriedade privada, mercado e concorrência) mostrou-se, em dois séculos, imbatível e o mais dinâmico de todos os sistemas até agora experimentados, apesar dos defeitos que lhe podem ser apontados: antagonismos, desigualdades, materialismo consumista, uniformizador de práticas e culturas. Porém, as alternativas ensaiadas ao longo do mesmo período, ou se revelaram “curtas” (caso da chamada economia social: cooperativismo, etc.) ou soçobraram estrondosamente (com as economias estatizadas e planificadas centralmente, ou mesmo sob formas guiadas pelos princípios da “autogestão” que foram tentadas na Jugoslávia socialista ou na Argélia libertada do colonialismo francês). Assim, a economia de mercado, capitalista, tornou-se o único e o menos mau de todos os modelos aparentemente possíveis. Num plano mais filosófico, também se poderá dizer das suas vantagens e inconvenientes: liberdade, modernização e universalidade; mas também uma racionalidade normativa que esmaga as diversidades e particularismos locais, empobrecendo o conjunto das culturas humanas e não se importando muito com os estragos que pratica sobre a natureza.
B)    Por seu lado, a Democracia verificou-se também como o menos mau dos sistemas políticos praticados até agora, nomeadamente face às ditaduras, às autocracias e mesmo face às monarquias hereditárias (sendo que as ainda subsistentes o são por se terem tornado meros adornos simbólicos da unidade nacional). Diz-se que o poder estatal democrático é o único instrumento capaz de controlar o capitalismo, impondo-lhe regras e certas outras opções não-económicas mas de interesse social evidente. É em parte verdade. Mas o que também se esconde é que a natureza lógica da Democracia é, em boa medida, idêntica à do capitalismo desenvolvido e pós-industrial: à lógica do consumidor, corresponde a lógica do eleitor; a empresa persegue o maior lucro possível; o partido político, o melhor resultado eleitoral, capaz de o alçar ao controlo do poder. Daí que a “publicidade” e a “propaganda” sejam técnicas tão afins. E não deve ser esquecido o papel das Organizações Internacionais desenvolvidas sobretudo no último século, incluindo as de iniciativas dos estados nacionais, mas enfatizando especialmente as organizações não-governamentais.
C)    Quer o Capitalismo, quer a Democracia têm imensas vantagens (sobretudo a liberdade e a tolerância). Por isso devem ser respeitados. Mas também apresentam aspectos negativos que não devem ser ocultados. A crítica continua a ser indispensável.
2º tópico: A crítica: radicalidade e moderação [pontos não desenvolvidos]
A)    O globalismo crítico e os seus limites.
-As experiências do passado.
-As alternativas e os seus protagonistas.
-Os limites e os inconvenientes.
B)    Para um progresso racional, lúcido e humanista.
-A desmoralização do reformismo tradicional.
-É viável uma prática política radical-reformista?
-Uma economia de mercado (prescindindo de uma regulação estatal-autoritária) será possível sem a acumulação capitalista?
-Contar com o conservadorismo: resiste mas também preserva.
-Liberdade e justiça como critérios fundamentais.
-Uma ideologia para todos os povos e comunidades do globo.
-Os indivíduos e os sistemas.
[Escrito cerca de 2003]

-Nos inícios de 2015 publiquei neste Blogue umas “anotações críticas sobre a sociologia que eu conheci”. Agora, no meio de papéis mais antigos (certamente da década anterior, pelo menos), encontrei outras notas dispersas e não desenvolvidas sobre o mesmo tema. Foram provavelmente tomadas em vista de um debate académico, ou sugeridas na sequência de alguma aula ou arguição. Eis o que é possível recuperar de compreensível dessas notas, que apenas indicam o foco das minhas preocupações de então.
O que faz o sociólogo? Metodologias de quê? Investigar o quê? – equívocos a desfazer.
Pertinência da velha distinção entre investigação fundamental e investigação aplicada (ou aplicação do conhecimento científico, como se disse durante um tempo).
Em qualquer dos casos, há passos sucessivos a dar, tais como: a) identifica-se uma questão; b) constrói-se uma problemática; c) discutem-se as teorias e os conceitos pertinentes; d) recolhe-se a informação empírica de base; e) define-se a estratégia do processo de investigação; f) criam-se os instrumentos de recolha de dados, devidamente testados; g) procede-se ao levantamento organizado da informação empírica; h) procede-se à análise dessa informação recorrendo-se às técnicas de análise convenientes; i) apuram-se os resultados e conclusões da análise anterior; j) confrontam-se estes resultados com a problemática de partida e formulam-se eventuais generalizações, propostas teóricas ou novas hipóteses de pesquisa.
No que respeita mais especialmente à investigação aplicada, destinada a responder às necessidades de uma qualquer entidade exterior, ter atenção: α) formulação clara do “pedido”; β) enquadramento teórico-problemático; γ) recolha da informação; δ) análise da informação; ε) resposta ao “pedido”.
Teorias sociológicas. Fazer referências a:
“Complexidade” – afirmação retórica frequente do sociólogo, usada para: enaltecer a dificuldade do seu pensar: desculpar-se pela falta de resultados “positivos”, práticos. Devia, antes, ser mais empregue para alertar para a provável modéstia de eficácia social dos contributos da sociologia para a resolução de problemas imediatos da vida colectiva. A declaração da “extrema complexidade da vida social” deve ser enunciada, sim, mas logo à partida de toda a aventura de pensar cientificamente a actividade dos seres humanos entre si e não necessitar de ser sistematicamente repetida, ritualmente, em cada ensaio de aproximação analítica, ao jeito do “desculpem qualquer coisinha!…”.
“Estática – Dinâmica” – são antigas noções bebidas da Física clássica e da Mecânica (também utilizadas em sociologia sob a influência de Comte). Mantêm-se todavia úteis, heurística e analiticamente, pois permitem distinguir e compreender melhor as “estruturas”, a importância das instituições e das “situações” (no trabalho, família, etc.) e os dinamismos, ou seja, os processos sociais que, a partir daquelas, as animam e dão vida, actuando através da variável “tempo”. Mas convém aqui distinguir desde logo entre o dinamismo dos actores sociais e as mudanças ou transformações sociais, de mais ou menos de largo espectro. No primeiro caso, há processos específicos, susceptíveis de serem analisados, que são da ordem do “jogo”, das interacções, do inter-pessoal-grupal. Exemplificações: indivíduos – grupos – instituições; e acção individual – acção colectiva – legislação ou regulamentação.
A mudança social insinua-se e combina-se com as estruturas e as dinâmicas em simultâneo. Usando uma analogia com a Mecânica da Física clássica – que nada prova aqui, mas serve apenas como auxiliar útil de ilustração – pode dizer-se que a dinâmica corresponde à velocidade, enquanto a mudança corresponde à aceleração do movimento. Isto é, a mudança apoia-se sobre os dinamismos, mas altera-os nas suas características e intensidade, o que facilita ou conduz às mudanças.
Embora a mudança possa ser planeada – e a isto se liga a noção de estratégia, o médio e longo prazo –, os seus resultados são largamente indeterminados.
Sobre esta indeterminação ocorre acentuar dois pontos. Enquanto a indeterminação (imprevisibilidade) das dinâmicas sociais resulta sobretudo de factores como: capacidade de percepção dos sujeitos; qualidade e tratamento da informação circulando entre os agentes; recursos disponíveis; capacidade para definir objectivos e articulá-los com os meios disponíveis no sentido um melhor rendimento da acção (input-output) – a indeterminação (imprevisibilidade) da mudança social provém mais de factores como: a incapacidade dos actores (de maior grau de complexidade e de agregação das suas variedades internas do que no plano anterior) em equacionarem todas as principais variáveis e condicionantes que estão em jogo e, por isso, em desencadearem elaboradas estratégias de eficácia assegurada; ou então da grande diferença de escala e dos recursos disponíveis, fazendo com que certos actores sejam imunes às estratégias (pobres) de outros actores, e estes últimos praticamente não consigam libertar-se do peso dos constrangimentos que os primeiros exercem sobre eles.
Sobre a Crítica. Depois da “crítica da razão pura” (do filósofo Kant), que inaugurou o conceito de criticismo no discurso doutrinário, distinguindo a experiência e o empirismo (razão prática) da razão que deles é independente (razão pura). Depois da “crítica da razão dialéctica” em que Sartre põe em discussão a dialéctica de Hegel e, de certo modo, a dicotomia entre materialismo e idealismo, não deixando de pensar na escola de Marx que sobre aquelas bases estruturara a sua nova conceptualização filosófica. Depois da “crítica da razão indolente” de Boaventura de Sousa Santos, que propõe uma mudança paradigmática nas chamadas ciências humanas, atacando de entrada o que se vem passando nos campos do poder, da ciência e do direito, analisando os pontos de contraste entre modernidade e pós-modernidade, e procurando desenhar uma estratégia de pensamento e acção emancipatória que vá “contra o desperdício da experiência” (2000). Depois destes complexos compêndios de autores consagrados, vem a inevitável pergunta: será que poderemos esperar para amanhã o surgimento de uma “crítica da razão crítica”, onde eventualmente seja possível confrontar o contributo das ciências sociais e humanas com a sua pretensão hegemónica e talvez excesso de auto-estima, na relação que vêm mantendo com as ciências exactas e experimentais, de que talvez tenha sido exemplo antecipatório a polémica pública havida entre Boaventura de Sousa Santos, António Manuel Baptista e Jorge Dias de Deus?
“Ideias” e sociedade. Para além das pessoas que, pelo seu trabalho e pela acção de entreajuda desenvolvida no seio das suas comunidades, são imediatamente úteis a todos os seus concidadãos, nenhuma sociedade com densidade humana pode dispensar: -cientistas; -poetas; -artistas; -espiritualistas (religiosos, deístas ou não); -filósofos; -utopistas (onde se incluem muitos criadores e alguns anarquistas); e certamente ainda outros do mesmo jaez. Não pode prescindir deles mas também não deve sacralizá-los, dar-lhes poder institucional ou instrumentalizá-los (pela funcionarização, subsidiação ou de outra forma). Não é excepção o caso dos sociólogos. Estes são cientistas sociais, desejavelmente autónomos, que pensam, analisam e criticam as intervenções da sociedade sobre si própria. Não são doutrinadores ou reformadores sociais, como se pensava há um século atrás, nem “conselheiros do príncipe”, mas também não são ideólogos ou promotores das estratégias dos próximos aspirantes ao poder.
É absolutamente essencial para quem procure ter uma actividade reflexiva, crítica, sobre o mundo em que vive – e muito mais para um “intelectual” – que regularmente converse e dialogue (e não apenas se cruze no seu caminho) com pessoas comuns, que são as porta-vozes do “senso comum” e geralmente actuam e pensam de acordo com a racionalidade do “bom senso”. Para além da argumentação aprofundada que só pode ser esgrimida entre especialistas e das mensagens estereotipadas típicas dos discursos na rádio e na televisão, tal confronto com o mundo corrente constitui um aferidor da plausibilidade, verosimilhança e capacidade transformadora das ideias. É também um dispositivo anti-autoritário (ou anti-elitista ou meramente relativista) benéfico para a atitude reflexiva do pensador, desde que não seja por ele utilizado com o desprezo ou a sobranceria tão comuns em certas elites.        

A relação com as linguagens. Três exemplos de encruzilhadas da semântica e da sintaxe do discurso sociológico, referindo “pontos fracos” que podem ser sinais de insuficiências, aproximações grosseiras ou formulações “passe-partout”:
1º O uso recorrente da palavra “importante” (adjectivo comummente usado na linguagem quotidiana mas que deveria ser empregue com enorme precaução na análise sociológica: Quanto importante? Importante em relação a quê? Etc.).
2º O mesmo para o termo “interessante” (quererá dizer curioso? Eis uma palavra omnipresente no discurso oral típico dos sociólogos franceses).
3º E ainda podemos juntar a esta pequena lista a expressão “significativo” (rigorosamente, o que é que isto quer dizer? Será para assinalar que existe uma relação – “un rapport” como também dizem frequentemente os mesmos franceses – entre dois fenómenos, processos ou entidades?).
Explorar e exemplificar esta perspectiva de entendimento crítico.
Cuidado com as leituras. Devemos ter presente que as há verdadeiras, falsas e aproximadas. Atenção a: a paixão de ler; o hábito de ler; a necessidade de ler; ler e “tresler”; os efeitos da “opinião pública” e da “opinião publicada”; vantagens e problemas do uso das novas tecnologias de informação e comunicação; as crescentes dificuldades da actualização nas actividades profissionais científicas. 
Modalidades técnicas de leitura:
a)      Ler com atenção: -reter; -esquecer; -anotar; -reflectir; -criticar; - transformar.
b)      Ler “à peine” (passe o galicismo): -em diagonal; -pelas badanas; -pelas sínteses de terceiros; -pelas críticas de terceiros; -por impregnação cultural (ouvir dizer, ouvir discutir, etc.).
c)      Ignorar: -por escolha selectiva; -por impossibilidade ou probabilidade de menor interesse; -por adiamento; -por não encontro físico; -fingindo conhecer, por facilidade (evitar desvios do tema em debate), em contexto comunicativo; fingindo conhecer, mas agora com dolo (no limiar da fraude, por pressa ou preguiça).

Hipótese de questionamento sobre as relações entre os processos de socialização primária dos indivíduos (família, meio social, escola, idioma de comunicação, etc.), a expressividade (facial, gestual) e a linguagem empregue por eles na vida adulta. Tentar registar o enfraquecimento ou perda (ou, pelo contrário, a sua persistência ou reforço) dessa expressividade corporal em relação com o estilo habitual do discurso oral praticado, em particular sobre: -a contenção; -a subtileza; -o refinamento (sobre a elaboração de sentidos significantes).

Por último, podem copiar-se, tal qual ficaram, as notas tomadas no decurso de um debate realizado já neste século na Universidade de Lille após o visionamento de um filme sobre o corpo, no qual, aos referidos jogos de linguagem, se acrescentava le jeu des immages: sur le corps, le soi et les modèles.
Foi então acentuado que “ça ce discute”: la fille aux poils; la fille aux dents; la bonne; le gars de 13 ans; etc. Outro ponto de discussão centrou-se sobre le malheur et la souffrance dûe au décalage entre l’immage et la perception de son corps. Enfim, ficou anotado ter havido consenso sobre o facto de que as imagens e as palavras punham la sexualité “au centre” et dévoilée e que havia juízos já mais dubitativos sobre les différences entre l’intime, le privé, l’inter-personnel et le public, tant en termes de la localisation dans l’espace et le temps, que dûes aux attitudes sociales.


JF / 14.Ago.2017

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