Ainda hoje há adeptos dos regimes políticos monárquicos, alguns fixando-se nas suas manifestações mais simpáticas e recentes, outros como reacção ao desconchavo de algumas das tentativas de “governo do povo” que, por exemplo, se têm vindo a experimentar em Portugal. Têm alguma razão em pensar que se devia perguntar ao povo qual o regime sob que desejariam viver, em vez de dar como “favas contadas” o golpe-de-força dos republicanos em Outubro de 1910. (Mas, nesse caso, os anarquistas deveriam reclamar que igualmente se apresentasse a alternativa de “zero governo”.)
Contudo, a história das realezas apresenta aspectos bem pouco edificantes. Deixaram-nos magníficos palácios e estipendiaram artistas cujo nome ainda perdura. Ordenaram a construção de impressionantes fortificações militares. E ergueram algumas obras-de-piedade significativas que ajudaram a mitigar os padecimentos dos mais desgraçados.
Mas mantiveram sempre na sua mão-de-ferro quatro áreas decisivas do poder: o uso da força (tendencialmente, em monopólio); o lançamento de impostos (para financiar as despesas do seu Estado); a ordem jurídica reinante (obediente, sistemática e argumentativa); e uma acomodação (para não dizer sagração) relativamente à religião predominante.
Neste contexto, o aleatório das descendências, das alianças matrimoniais e das heranças familiares determinou muitas vezes destinos diversos para os povos submetidos, sem qualquer laivo de racionalidade ou atenção perante as suas próprias características, fossem culturais ou sociais. Uniram nuns casos, separaram noutros – também consoante os resultados de aventuras guerreiras ou os acasos de alguma descoberta fabulosa.
E, como sempre acontece em famílias corroídas pelo apetite da riqueza, não se furtaram, entre eles próprios, a usar os métodos mais vis e mais brutais para conservar ou conquistar um trono: intrigas, envenenamentos, cadafalsos, conspirações e levantamentos armados. Shakespeare deixou-nos páginas inesquecíveis acerca disto.
Num meio social tão preservado, educado e selecionado, não causa espanto que daí tenham também saído algumas cabeças de superior entendimento e visão, e que deles tenha beneficiado o conjunto dos seus súbditos. Talvez os guias que ajudaram a forjar grandes nações, mas talvez mais ainda os que facilitaram a evolução para o fim da era das aristocracias. Neste aspecto, as monarquias constitucionais do século XIX não foram mais do que etapas de uma transição.
Não há que lastimar ou condenar esta história, porque que se trata de uma faceta importante da nossa história colectiva.
É justificável que se recorde com apreço o requinte daqueles gestos e ditos de cortesia, e deles se procure exemplo para uma educação e um relacionamento interpessoal mais refinados nos dias de hoje. Mas – que me perdoem os meus amigos monárquicos – não vale a pena ser nostálgico da monarquia ou imaginar um qualquer regresso ao passado.
A res publica e o auto-governo são uma conquista e uma condição irrecusável da modernidade.
JF / 5.Out.2012
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