A representação externa do Estado foi outrora uma competência importantíssima dos Reis, através das alianças matrimoniais com países aliados, nomeação de embaixadores, assinatura de tratados e declarações de guerra e de paz. Hoje está completamente esvaziada em favor do governo e, no caso da União Europeia, praticamente todos os ministros exercem sectorialmente essas competências. As “visitas de estado” que ainda se fazem são um folclore caro e quase inútil.
A promulgação das leis é apenas um acto burocrático formal, herança do “poder moderador” das monarquias constitucionais do século XIX, que poderia ser exercido pelo presidente da Assembleia da República ou, na vertente da sua conformidade constitucional, pelo presidente de um conselho ou tribunal superior com tal mandato. (Note-se que, para além da péssima decisão do nosso actual Tribunal Constitucional ter passado a funcionar como terceira instância de recurso judicial, a função de fiscalização da constitucionalidade das leis poderia ser confiada a uma secção especial do Supremo Tribunal de Justiça, como existe em vários países, com menos gastos e espavento – tal como, de resto, a supervisão e certificação dos processos eleitorais.)
A nomeação de altos funcionários que devam ter autonomia em relação ao governo (presidentes dos tribunais superiores, procurador-geral, provedor, chefes militares, certos “reguladores”, etc.) é matéria de mais delicada solução, porque está em causa o equilíbrio geral de poderes da República (que já não se reduz à velha separação entre legislativo, executivo e judicial), e onde a independência de quem escolhe e de quem é escolhido constitui factor essencial. Mas ainda aqui podem encontrar-se diversos modelos alternativos. Por exemplo, o modelo da “nomeação condicionada” (propositura de três nomes por parte do corpo hierárquico respectivo, de entre os quais o governo terá que se decidir por um deles) ou o da “co-nomeação” (com acordo obrigatório por mais de uma alta entidade). Ou então a atribuição dessa função ao presente da Assembleia da República, mediante as processualidades específicas e convenientes. É verdade que todos os métodos de co-decisão se arriscam a ser mais morosos e levar mesmo a situações de bloqueio, mas socorramo-nos do bom exemplo da Grécia (hoje, geralmente tão maltratada na opinião pública) que, como se viu, usa curtíssimos prazos legais que obrigam à formação de um governo em três dias, enquanto geralmente estas consultas tendem a arrastar-se durante semanas (e no caso da Bélgica ainda recentemente se prolongaram por mais de um ano), para apontar a necessidade de prazos curtos e imperativos nestes processos, e enaltecer o rigor e eficácia que tais condições geralmente geram.
Nestes termos, o problema da função de “comandante supremo das forças armadas” perde boa parte da sua relevância porque, de facto, salvo com Hitler ou algum outro louco, nunca um moderno Chefe-do-Estado comandou efectivamente as Forças Armadas.
Por último, temos a questão da nomeação do governo, dentro de um dado quadro parlamentar, da sua exoneração e da dissolução da assembleia e convocação de novas eleições (a chamada “bomba atómica” dos poderes presidenciais). Esta questão convoca o tipo de sistema de poder democrático em que um país deseja viver. O nosso actual, dito “semi-presidencial” (mas fraco – só é forte na especiosa versão à la française), tenta a solução-de-equilíbrio entre o “parlamentar” e o “presidencial”, mas tem também o risco das “meias-tintas” e o inconveniente das soluções complicadas e mais dependentes do protagonismo pessoal dos actores.
O sistema “presidencial” (à americana, ou brasileira; não à russa ou à angolana) tem a grande vantagem da clara separação e interdependência entre o governo (que conduz a acção política e dirige a administração pública) e a representação nacional (que decide as leis fundamentais e autoriza os impostos), com o supremo tribunal a decidir em última instância problemas mais indecisos. Aqui, o PR confunde-se com o chefe do governo, acabando a bi-cefalia no topo do Estado.
O sistema “parlamentar” é talvez mais simpático aos povos latinos e europeus, com o grave risco da ingovernabilidade pela fragmentação eleitoral, a qual poderia bem ser corrigida com um aperfeiçoamento das regras, no seguinte sentido: quem ganha nos votos constitui sempre o executivo, com condições para governar; e a assembleia mantém as leis fundamentais e controla o governo, para evitar que se torne despótico, mas não o impede de governar. Com um mecanismo deste tipo esvaziar-se-ia o poder discricionário do PR (de escolher o 1º ministro e dissolver o parlamento) bastando um “mestre-de-cerimónias” prestigiado para cumprir e fazer cumprir os procedimentos necessários.
Como se vê, as alternativas existem. E o povo deveria poder escolhê-las.
JF / 7.Set.2012
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