Informar, relatar, comentar, são funções básicas do jornalismo, hoje baptizado de “comunicação social”, apesar de também se empregarem termos como “jornal falado” ou a Internet nos convidar a todos para participarmos nessa comunicação, tornando-a mais horizontal e menos concentrada.
Há anos, alguém (na profissão) se escandalizava por eu estender a noção de ‘quarto poder’ aos próprios jornalistas, não a restringindo apenas aos donos e responsáveis dos jornais. É certo que, hoje ainda mais do que no passado – devido às insídias da comunicação não-escrita, explorando emoções, imagens, etc. –, os donos do poder mediático constituem um sector muito relevante, tanto no aspecto social (pela influência que conseguem ter sobre as percepções e comportamentos de enormes massas populacionais) como económico (tendo já há muito sido feita a sua articulação com o antecedente através da publicidade comercial).
Porém, falando do grupo profissional dos jornalistas, estes também participam largamente do uso, e do abuso, desse poder, embora de forma muito desigualmente distribuída entre os seus membros, como é normal nas profissões modernas (e antigamente nos ofícios manuais), segundo a antiguidade e o currículo construído ao longo de uma carreira.
Um dos bastiões do poder profissional dos jornalistas centra-se no facto de serem eles próprios a controlar o processo de formação e aprendizagem dos seus futuros colegas. A “sala de redacção” e as escolas de jornalismo são os espaços sociais onde estes se formam, e os seus mestres são os profissionais mais antigos e qualificados – não os magnatas dos “grupos de comunicação social”.
Deste modo, é à classe dos jornalistas que deve ser assacada a responsabilidade de terem deixado abrandar (ia a escrever, abandalhar) a vigilância da ética profissional ancorada sobre o rigor e objectividade da notícia – contrastando com a liberdade pessoal do comentário – em favor do “furo jornalístico” em-cima-da-hora, da acuidade psicológica na entrevista ou das revelações surpreendentes do “jornalismo de investigação”.
Os próprios jornalistas gostam de se vitimizar com a evocação da lenda da morte do mensageiro das más notícias. E tendem a esquecer que, desde o século XIX, a imprensa, usada como meio de propaganda, sempre serviu também para o combate político e para excitar os debates de sociedade. Mas, adeptos confessos da auto-regulação (veja-se o Conselho de Imprensa, a Comissão da Carteira Profissional, a Alta Autoridade para a Comunicação Social ou a actual ERC), tiveram contudo o “reflexo anti-fascista” de recusarem há anos, em referendo promovido pelo sindicato, a constituição de uma Ordem dos Jornalistas.
Creio que fizeram bem, se com isso anteciparam que a dita Ordem iria sobretudo ser um instrumento defensivo, de fechamento e auto-referenciação do grupo profissional. Mas terão feito mal se, como lhes competia e eles gostam de o proclamar, tal associação pública servisse antes de mais para assegurar o direito à boa informação (plural e variada, mas não excessiva) de toda a população, mediante as mais sérias exigências de rigor profissional dos jornalistas, que têm de ser livres no exercício da sua actividade, mas também não podem aproveitar-se do sigilo profissional para acoitar serviços ilegítimos pagos a dinheiro, em reconhecimento partidário ou em vantagens pessoais de diferente natureza.
Outra pecha de que serão responsáveis as actuais escolas de jornalismo é a de incutirem nos jovens candidatos à profissão a ideia de que o jornalista deve ser também um criador literário. É claro que é decisivo que o jornalista escreva bem (para o que precisa de possuir uma cultura muito abrangente) e houve sempre magníficos exemplos dessa qualidade de escrita, viva, mesmo em gente sem títulos académicos. Mas é pungente ver até que ponto hoje se sacrifica a concisão e o rigor da reportagem ou da notícia à exibição de supostos talentos literários, talvez imaginando-se novos Saramagos.
JF / 30.Jun.2012
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