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sexta-feira, 22 de junho de 2012

Estratégias nacionais

Loureiro dos Santos é um homem muito inteligente e conhecedor, em matérias que ultrapassam largamente o âmbito da sua estrita formação militar. Tem, nesse sentido, os requisitos que se esperavam dos antigos generais: visão geral e estratégica, intuição, capacidade de leitura e de decisão.

Sendo também um opinion maker, há tempos que se dedica a construir um cenário de futuro, que outros comentadores também suscitam de modo diferente. Refiro-me à ideia de que a Alemanha estaria, desde há anos, a conduzir a sua acção política externa de modo a conseguir a supremacia na Europa que tentou no século XX em duas guerras sucessivas de tremendas consequências e nas quais sempre acabou vencida: agora por via da sua superior competitividade económica e do seu rigor financeiro, e já não por força dos canhões Krupp ou das panzer division empregues em blitzkrieg.

No artigo de opinião “Portugal, fronteira da Alemanha” publicado no jornal 'Público' de 19 de Junho passado, o general Loureiro dos Santos vai talvez mais longe do que nunca ao alertar-nos para o desígnio germânico de hegemonizar todo o espaço europeu para, como grande potência continental, ter chances de se bater no futuro com a potência marítima norte-americana ou quiçá do próprio Brasil, eventualmente até por meios bélicos.

Esquemas geo-políticos como este são certamente interessantes, não apenas como exercício especulativo e para uma melhor compreensão da história, mas também para serem tidos em conta, como hipótese teórica de trabalho, nas orientações e decisões de fundo que afectam a vida e o destino de grandes massas de populações, obviamente ignorantes de tais problemas. Porém, quando saem dos redutos de reflexão de especialistas para a praça pública, podemos estar também a assistir a exercícios de acção mediática destinados a influenciar a opinião pública em determinado sentido.

Aqui joga-se talvez a cartada da consistência do património histórico e cultural da nação portuguesa (eventualmente ameaçado por essa hegemonia germânica), o que, sendo uma realidade incontestável, não é em si mesmo um valor humano superior ao dos interesses colectivos do povo alemão: na sua pior versão, é um nacionalismo (que já foi grande e imperial, embora com aspectos “simpáticos”) contra outro nacionalismo (mais recente mas que marcou a história da pior maneira).

Num mundo em período de profundas mudanças – onde simultaneamente se observam os efeitos da mais recente globalização económica e comunicativa (e necessariamente cultural), as fricções de reajustamento entre potências consolidadas/decadentes e potências ascendentes, os sinais de alarme de crise na regulação económico-financeira mundial (podendo ameaçar a legitimação dos sistemas políticos democráticos que temos conhecido) e a sempre mais ampla consciência dos impactos humanos sobre a bioesfera –, tal posição defensiva da comunidade nacional é porventura uma atitude de prudência face às incertezas do futuro próximo. Porém, talvez não seja a posição mais acertada para ajudar a uma melhor compreensão do mundo que as rodeia, no que respeita às novas gerações de portugueses que hoje aprendem nas escolas (e na Internet) alguns elementos-base constitutivos de uma identidade cidadã que, não deixando de ser nacional, é já também sobretudo mundial.

O general Loureiro dos Santos é decerto um homem independente e probo, mas tal não impede que tenha vinculada a si uma mais aguda percepção dos interesses e da ideosincrasia do corpo profissional a que pertence (como se percebe, por exemplo, pela forma como frequentemente parece menosprezar a componente naval e marítima da nossa defesa nacional) e uma noção de patriotismo derivada da subordinação hierárquica da manu militari ao poder governativo da nação. A função de opinador público implica também uma consciência crítica destas condições em que todos nós (mas uns mais do que outros) nos encontramos. Isto porque me aparece cada vez com maior nitidez que, quando falamos do mundo e dos seus objectos concretos, nos estamos a revelar nós-mesmos, o que não deixa de ser epistemologicamente significativo.

JF / 22.Jun.2012

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