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sexta-feira, 22 de julho de 2011

Onde pára a Irlanda?

Durante vários anos, apontaram-nos a Irlanda como um país de referência (benchmarking) para Portugal, onde o imposto sobre o rendimento das empresas era baixo assim atraindo o investimento estrangeiro (para actividades mais inovadoras do que as portuguesas), o crescimento da economia era visível e a produtividade do trabalho crescia (e por isso a riqueza podia ser distribuída em salários mais elevados).
Agora, a “ilha verde” integra o grupo dos países-párias europeus que estão a contas com crises de défice orçamental e de dívida pública externa e é apontada como uma próxima vítima das pressões financeiras que se exercem sobre o Euro.
Lembremos o essencial: que a Irlanda é católica, foi dominada pela vizinha Inglaterra até 1922 e, dispondo de lindas paisagens, os seus pastores, agricultores e pescadores foram sempre paupérrimos face aos landlorders, sendo o único país da Europa cuja população desceu nos Sécs. XIX-XX de 6 para 3 milhões, por força da emigração maciça para América. Por outro lado, os seus patriotas tiveram comportamentos políticos duvidosos, ao “flirtarem” com o principal inimigo da Inglaterra vitoriana mas liberal que foi a Alemanha do kaiser (e depois do furher); sobretudo, tão propensos para a luta violenta como os britânicos (vide o Irish Republican Army), encararam o nacionalismo moderno como uma espécie de vingança histórica das guerras de setecentos entre católicos e protestantes; e mesmo a situação do Ulster (região do norte, onde o protestantismo se reagrupou, ainda ligado à Inglaterra) não pode considerar-se definitiva. Em 1973 o país aderiu à CEE. E o catolicismo continua dominante no país, com a reiterada rejeição popular do aborto legal a ser incómoda para boa parte das opiniões públicas da Europa continental.
Nos dias de hoje, a Irlanda encontra-se numa situação económica difícil devido principalmente à exposição do seu sistema bancário aos “produtos tóxicos” financeiros que ficaram a descoberto após o abalo de 2008 nos Estados Unidos, com quem os irlandeses têm fortíssimas relações sociais. Depois de anos de forte crescimento, a economia entrou em recessão, o sector da construção colapsou, o desemprego subiu e o défice público disparou. No último Outono, o governo teve de negociar um empréstimo externo de emergência (UE + FMI) porque os seus cofres públicos se encontravam quase vazios, sendo esse empréstimo canalizado em prioridade para tentar salvar os bancos à beira da falência. A austeridade imposta à população foi rigorosa, com subida de impostos (mas não para as empresas, que mantiveram a taxa de 12,5% sobre os resultados, a mais baixa da Europa, um dos “segredos” do sucesso económico do país em anos recentes) e cortes nos salários e pensões, atingindo também o pessoal político dirigente.
Nessa sequência, em Fevereiro de 2011 o eleitorado revoltou-se contra o partido Fianna Fail (centrista), há muito rotinado no poder (ultimamente com o apoio dos Verdes e dos Democratas-Progressistas), e votou de modo a que subisse ao governo uma coligação do oposicionista Fine Gael (de centro-direita) com o mais pequeno partido Trabalhista.
Os irlandeses estarão a encarar estes sacrifícios como necessários e não parece haver grandes roturas sociais ou políticas. Possivelmente, mais uns quantos terão sido tentados a emigrar. A tradicional animosidade contra a Inglaterra (uma relação estrutural parecida com a nossa face à Espanha) servirá aqui para explicar alguma coisa?
Será este um bom exemplo para Portugal?
JF / 23.Jul.2011

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