Apesar do compromisso com as instituições europeias e o FMI e do desenlace eficaz do processo eleitoral, a situação da dívida portuguesa tem continuado a deteriorar-se. Simultaneamente, as finanças da Grécia entraram de novo em “alerta vermelho” e a Europa política parece viver uma época de grande desorientação.
Ouvem-se notícias falando de ataques especulativos ao Euro, da possibilidade de saída da moeda única de países como a Grécia, a Irlanda e Portugal, da contaminação da crise soberana para estados como a Bélgica, a Itália ou a Espanha. Na Europa mas fora do Euro, a simpática Hungria está na pior…
Sobretudo, são cada vez mais frequentes os depoimentos de reputados economistas a dizerem que não vêem modo positivo de saída para isto. Os mais propositivos falam de “reestruturação da dívida”, de “outras maneiras de realizar uma desvalorização competitiva da (nossa) moeda” ou (sem grande convicção) da possibilidade de se dar um salto em frente em direcção ao “governo económico da UE” ou à Europa federal; os mais pessimistas insistem em que a crise do Euro prenuncia uma “Europa a duas velociadades” sob mandato alemão ou mesmo o fim do “projecto europeu”.
Por cima disto tudo, parece que a economia americana não cresce tanto quanto devia (efeito da governação Obama?), e que o seu endividamento público (e externo) também se carrega de nuvens negras. O economista “adivinho” Roubini terá lançado alertas sérios para 2013, referindo-se à economia mundial. E não se vê na agenda dos grandes conclaves internacionais os projectos de regulação financeira, de ataque aos paraizos fiscais, etc., que foram tema nas primeiras reuniões do “G20” a partir da crise de 2008 (sequer, a sempre adiada reforma da ONU e do seu Conselho de Segurança).
Parece assim que as instituições internacionais construídas sobre as cinzas da 2ª guerra mundial se revelam estar com grandes dificuldades para responder aos desafios colocados pela globalização económica, financeira, informativa e cultural dos tempos actuais.
No nosso espaço de proximidade, temos uma UE vacilante, uma NATO em busca de redefinição, um mundo islâmico-mediterrânico em efervescência e um Portugal algo descrente e talvez prestes a resignar-se. Em todo o caso, não devemos desesperar. As matérias em litígio são meramente interesses económicos – o “armazém de secos e molhados” de que falava Agostinho da Silva –, capazes de poder ser discutidos e negociados (duramente, é certo), mas bem longe da ameaça das armas ou dos choques identitários ou ideológicos que verdadeiramente separam os povos e os tornam inimigos.
O rol de trabalhos é decerto pesado: há mercados a estruturar e regular; há reajustamentos monetários a efectuar; há especuladores a castigar; há negócios escuros a vigiar; há poderes fácticos a controlar; há condições sociais mínimas e de equidade a salvaguardar; há efeitos destruidores ambientais a precaver e reparar; etc. – mas há também uma prodigiosa vitalidade mercantil descentralizada que, na impossibilidade de um credo ou uma língua universal, pouco a pouco, tem aproximado e integrado todas as comunidades humanas. É um benefício inestimável que não devemos menosprezar – mantendo embora a preocupação da preservação das suas diversas culturas e da liberdade de poderem exprimir-se.
JF / 1.Jul.2011
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sexta-feira, 1 de julho de 2011
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Caro amigo
ResponderEliminaro que me suscita maior inquietação é a ideia que se refere a «uma prodigiosa vitalidade mercantil descentralizada que, na impossibilidade de um credo ou uma língua universal, pouco a pouco, tem aproximado e integrado todas as comunidades humanas» - desde logo porque o comércio pode ser lido como a guerra por outros meios. Aproximado e integrado? A que preço? Aproximado... com a distância tempo tomada pela vertigem dromológica das transacções financeiras na rede digital global; integrado... numa pirâmide de odiosas desigualdades em benefício dos cosmocratas que velam pela pureza do dogma mercantil e pela doutrina da escasseza organizada, com a fome desumana e vergonhosa, a indústria de armamento, muito sangue, extermínio, etnocídio. A crença de que o comércio, tal como existe, seja «um benefício inestimável que não devemos menosprezar» leva-me a pensar na necessidade de reequacionarmos a ideia de justiça. É preciso mudar de paradigma...
Abraço Fraterno