Temos tendência a falar do passado, pela razão simples
de já pouco conhecermos do presente e estarmos desinteressados do futuro.
Tivemos a sorte (casual) de uma doença ou acidente não
nos ter encurtado a trajectória para podermos fazer agora balanços históricos
alargados, inatingíveis pelos mais novos.
Quase todos não resistimos a meter na conversa dos
outros o “no meu tempo…” que tanto nos irritava.
A nossa empatia com as crianças não precisa de grandes
teorias explicativas: sente-se, dos dois lados.
Lisboa é, cada vez mais, um lugar de “muitas e
desvairadas gentes”. Apesar disso, nunca me ofereceram tanto um lugar sentado
no “Metro”…
Os velhos esperavam pelo correiro, uma ou duas cartas
por semana (“Meu querido…” ou “Contra-Fé… A Bem da Nação”). Os jovens de hoje
trocam mensagens minuto a minuto (“Estou na maior…”, “Minha estúpida…”, etc.).
A doença e o acidente não escolhem idade mas são
sempre mais dramáticos para os mais jovens. Pode-se passar num instante de um
atleta para um inválido. Os velhos têm é maior dificuldade de recuperação, que
é sempre incompleta.
Revi há dias o filme As Quatro Penas Brancas (versão de Shekhar Kapur, de 2002). É
curioso como, emocionalmente, me sinto mais próximo dos finais do século XIX do
que do início do actual.
Cada vez com maior frequência nos deixamos aprisionar
por certas obsessões sobre assuntos que, racionalmente, julgamos serem
minudências.
(Além da falta de óleo nas dobradiças,) porque será
que temos sempre que repetir o que dizemos para nos fazermos entender? Não é
provável que seja devido a surdez dos nossos interlocutores. Restam duas
hipóteses: a irrelevância do que dizemos; ou a que os outros lhe atribuem.
Para muitos, o banco do jardim e as conversas de café
estão sendo substituídas pela tagarelice da Internet
onde fazem circular coisas engraçadas, irrelevantes, interessantes ou já fora
de moda.
Mesmo na vida de um casal feliz e prolongado nem tudo
são rosas. Tirando os (cada vez mais raros) ímpetos sensuais, já tudo foi dito.
O interesse vira-se para outros objectos. Resta o respeito, a ternura… e ficar
à espera da solidão.
Nesta fase, sentimos muito directamente como as
pequenas dores corporais se reflectem no nosso estado psíquico (abatimento,
nostalgia, etc.), mais do que inversamente.
A invocação da maior idade (ou experiência) como fonte
de conhecimento é indesmentível mas, por ser irrefutável, não pode ser usada
como argumento.
A vontade é para ser praticada (e em parte contrariada)
pelos mais novos, a ciência pela maturidade, a sageza pela terceira idade.
A nossa relação com o tempo torna-se estranha: tanto
se encurta, que não dá para o que queremos realizar; como se alonga, provocando
aborrecimento e sonolência.
A dor física pode ser insuportável mas o seu mais
pequeno alívio é sentido como uma dádiva maravilhosa.
Passámos do tempo dos “coronéis” e do Estado a que
tudo se consentia, para a promoção acelerada dos gay proud e dos governos fracos que só olham para as sondagens.
As acentuadas diferenças de alguns poucos anos quando
eramos crianças concentram-se agora numa única “geração”, de idosos.
Quando nos sentimos empurrados até ao limite, só
queremos que cesse a dor que nos magoa o corpo, um mínimo de alimento e um
derradeiro regresso aos prazeres primordiais.
Para uma relação afectiva forte e duradoura entre dois
amantes têm importância a pertença a meios sociais próximos, terem idades não
muito diferenciadas e não serem concorrentes na mesma actividade profissional.
Às vezes, dá-nos mais conforto uma lã ou uma aragem
fresca do que uma conversa de intelectuais.
O destino de um espírito racional é este: começamos
por querer planear uma reorganização do mundo; e acabamos a tentar planear o
nosso dia de amanhã.
O que nos vale é que, hoje, há sempre corpos
belíssimos a serem oferecidos ao nosso olhar. Além de paisagens surpreendentes
que nos extasiam e acalmam.
Com a idade avançada, as unhas ficam mais duras de
cortar e os cabelos mais ralos de pentear, mas o pior é o enrijar das nossas
frustrações e o desvanecer da nossa memória.
Somos como o Sporting: lembramo-nos simpaticamente das
velhas glórias mas já nunca conseguimos sair por cima.
Mudou o display
gráfico do meu programa informático: dantes, via-se um prado verdejante; agora,
uma paisagem fria coberta de neve. Sinal dos tempos?
À medida que envelhecemos, vamos realizando a
experiência da espiritualidade oriental de a nossa mente poder voar bastante
livre, separando-se cada vez mais da carcaça.
Os seres excepcionais são lembrados ao longo de várias
gerações através da preservação das suas obras. As pessoas normais são-no
apenas pelas impresssões que deixaram na memória dos seus contemporâneos.
Somos terrivelmente egoístas. Se não fôssemos, quem
cuidaria de nós?
Não
há dúvida que amamos a vida: basta observar o modo como sorvemos cada
colherada, como se fosse a última, para a viagem. Só falta ouvir a voz: “Largar
amarras!”.
Mas ocorre então lembrar-nos dos timbres das cantoras
latino-americanas Violeta Parra com o seu precioso Gracias a la vida, e Mercedes Sosa com o não menos ajustado Todo cambia.
JF / 5.Nov.2017
[Este conjunto de (des…)aforismos foi sendo construído
um pouco em eco aos pensamentos e sensibilidade de um “cte.costa” ou de
um “antolibento”]
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