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quinta-feira, 17 de março de 2016

JMT versus BSS

João Miguel Tavares (JMT) e Boaventura de Sousa Santos (BSS) já têm “terçado armas” no espaço público e ambos têm vastos números de leitores assegurados.
O Professor Boaventura de Sousa Santos (BSS) é um sociólogo sénior de Coimbra com reputação internacional bem firmada e há muito interveniente activo nos debates sociais e políticos. Respeito-o pela sua superior bagagem teórica e admiro-lhe a frontalidade e acutilância das suas tomadas de posição como cidadão, embora muitas vezes discorde delas.
João Miguel Tavares (JMT) é um talentoso cronista da nossa praça que eu também aprecio (mas não tanto como a bagagem cultural e a inteligência-bem-humorada de que dão mostras, respectivamente, os seus companheiros de painel televisivo Pedro Mexia e Ricardo Araújo Pereira). Faz gala em afirmar-se “de direita” e toma geralmente posições de um verdadeiro liberal, desconfiado das intromissões do Estado e irritado contra a reivindicada superioridade intelectual das esquerdas.
Num texto publicado há pouco tempo (Público, 11.Jan.2016), BSS veio mais uma vez a terreiro, agora com uma peça notável de concisão e clareza mas que eu tenderia a interpretar como um regresso à pré-sociologia (porque “quer transformar”, antes de “tentar perceber”). Não o é, de facto, porque a sua inteligência e o seu património acumulado não o consentem, e porque todos percebemos perfeitamente que se trata de um texto de combate político, não de um ensaio de análise sociológica.
De facto, sem uma falha ou solução de continuidade lógica, o texto “explica” todas as principais inquietações e perplexidades do nosso tempo (neste primeiro quartel do século XXI) como decorrências (exclusivas?) do modelo económico capitalista dominante nos últimos trinta anos: o glosado “neo-liberalismo”. (Ao que pressurosos epígonos não perderão tempo a sugerir ou afirmar novas versões das “teorias da conspiração”: por exemplo, que a conflitualidade anti-ocidental ateada pelo islamismo radical seria mais uma instigação do capital sem pátria.) E o quadro conceptual completa-se, em BSS, com as referências filosófico-atitudinais “do medo e da esperança”, com a referência-âncora à “Constituição” (num sentido não exclusivamente jurídico), uma redefinição da “hegemonia” (que parece, tal qual, o que a linguagem partidária mais antiga chamava de “combate ideológico”) e a redescoberta de uma “família da esquerda”, embora quase sempre desavinda como acontece em tantas famílias, consanguíneas ou afinitárias. Não está em causa a perspectiva crítica e autónoma que deve enformar toda a sociologia – e nesse aspecto só pode parecer pleonástica a adjectivação de “crítica” com que gosta de se apresentar a sociologia da Escola de Coimbra (aliás, uma das mais importantes e influentes no país). Mas é problemática a implícita caução científica que parece estar “por detrás” e em que se fundamentariam estas tomadas de posição política. Embora não seja líquida nem inocente a separação “ontológica” entre conhecimento científico e acção política (da forma como Max Weber magistralmente a definiu), continuamos a sustentar a utilidade dessa distinção, com vantagens para ambas as partes, pelo menos quando estamos a falar entre pessoas comuns e cidadãs, e não num debate exclusivo entre especialistas.
Por seu lado, JMT (creio que com uma formação inicial em ciências da comunicação) pratica uma actividade jornalística essencialmente baseada no comentário e na crónica da actualidade geral (política e social, sobretudo). Embora esteja longe de me reconhecer nas suas simpatias partidárias e me canse já a estratégia (inaugurada por Pacheco Pereira e replicada por vários outros comentadores) de sempre procurar ser mais contundente nas críticas às “posições actuais” do seu partido de eleição do que qualquer dos seus adversários oficiais – a que JMT também recorre –, tenho alguma simpatia pela irreverência e iconoclastia de muitas das suas observações críticas sobre o “politicamente correcto” e muitas das políticas oficialmente praticadas, tanto no governo como na oposição. Quando não exagera, aprecio que refira o caso particular dos seus filhos (e da sua família) quando se trata de ilustrar um “disparate” (termo que afeiçoa) como, por exemplo, o fez há pouco tempo acerca das sucessivas alterações nos programas e das provas escolares. Acho ainda graça à maneira desenvolta – nem arrogante, nem contundente – com que não se inibe de mostrar a sua ignorância em muitas matérias, como é inevitável numa pessoa de 40 anos, mas que só nesta geração actual pode ser assumida da forma “descomplexada” como ele o faz.
O jornalismo actual só tem a ganhar com este género de profissionais mas, de passagem, interrogo-me sobre o vendaval que estará a grassar sobre as redacções dos órgãos noticiosos e as colunas de opinião de melhor qualidade da nossa imprensa. É a concorrência que aperta, o investimento que escasseia, os directores que privilegiam as audiências fáceis ou uma luta surda no meio profissional dos jornalistas à volta de questões deontológicas e de orientação nem sempre explicitadas? Percebe-se a maior polivalência a que alguns “nomes feitos” se sujeitam agora, mas a aparente saída de cena de jovens jornalistas talentosas ou já maduros dá que pensar, tal como a alteração do modelo e quebra de qualidade dos textos de opinião como aqueles a que o Público nos havia habituado, em favor de um noticiário cultural mais desenvolvido (para já não falar da massificação futebolística nas televisões, que ninguém ousa pôr em causa). Sinal do enfraquecimento geral da “coisa política” na consideração social? Também participado pela geração mais jovem dos profissionais da comunicação? (Talvez tema para o provedor do citado jornal tomar a seu cargo?)
Esta é, de facto, a geração que já está a comandar muitas das instituições-chave das sociedades modernas e é a ela, com todos os seus “defeitos” e “virtudes”, que competirá encontrar as soluções possíveis para os problemas que os antecessores lhes deixaram em herança.
JF / 18.Mar.2016       

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