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sexta-feira, 20 de março de 2015

Aos Jovens!

Kropótkine, um homem do século XIX que nasceu na família imperial russa, foi militar e geógrafo de mérito mas passou pelas prisões de São Petersburgo e foi anarquista influente durante o maior percurso da sua vida, escreveu um dia um texto panfletário intitulado precisamente assim: “Aos Jovens”. Lido hoje, seria interpretado pela maioria como devendo antes chamar-se: “Aos Velhos” – tal a mudança de mentalidades ocorrida no mundo ocidental em pouco mais de um século.
Já bem dentro da nossa época, o filósofo espanhol Fernando Savater publicou também um excelente livrinho intitulado Ética para um Jovem (original de 1991, publicado em português em 2005 pela D. Quixote) que, tal como o anterior, merece ser lido e terá todo um outro impacto sobre o actual público juvenil.
Tendo em mente estas duas obras, procuramos aqui fazer um apelo à reflexão pessoal de algum jovem que fale este idioma – na Europa, nas Américas, em África ou no Oriente – e que, por um qualquer acaso, tenha acesso a este texto e o mesmo lhe desperte a atenção.
Olá!
Tu podes ter 14 ou 18 anos, ser homem ou mulher, de pele mais branca ou mais tisnada: esta mensagem é sempre para ti, embora não conheça o teu nome nem os teus jeitos particulares. Podes viver na cidade ou numa aldeia, pertenceres a família com algumas ou muito poucas posses, acreditares num Deus ou em vários ou em nenhum, andares na escola ou já a trabalhar. Esta mensagem é sempre dirigida a ti e, se quiseres, num momento de reflexão pessoal, para com ela discutires os teus segredos e inquietações.
Quem a escreve também já foi jovem como tu és agora, teve dúvidas parecidas com as tuas, sofreu algumas humilhações como tu porventura já sofreste e sentiu os impulsos e alegres entusiasmos que todos nós sentimos nessa idade. Onde vocês agora põem o capuz pela cabeça e rapam o crânio, nós vestíamos fatiota de Che Guevara e usávamos cabelões compridos; e às mini-saias sucederam-se as unhas pintadas – tudo coisas que, anos mais tarde, geralmente achamos terem sido apenas um pouco patetas.
Se tens tido a sorte de ter saúde e um corpo sem defeitos graves, deves ficar contente com isso. É uma sorte, como nos poderá explicar alguém que saiba mais do que nós. Se, pelo contrário, tens padecido de doenças mais graves ou prolongadas, ou se transportas alguma dificuldade no teu corpo que te limita os movimentos, tens de arranjar uma força própria suplementar para enfrentares aquelas pessoas estúpidas ou pouco atentas que te magoam e superares até onde te for possível essas limitações: verás então que te sentirás mais forte e feliz do que a maioria das pessoas que conheces.
Mas não confundas doença ou limitações com o feio, nem um corpo pujante com a beleza! O nosso corpo é único, só nosso. Devemos cuidar dele e estimá-lo, mas não nos devemos entristecer se os nossos olhos, a boca, o nariz, os cabelos, os seios, as mãos, as pernas não corresponderem às imagens que vemos nas televisões ou nos painéis da publicidade. A publicidade é sempre, ou quase sempre, enganosa. Serve para nós irmos atrás dela e procurarmos comprar o que eles nos querem vender. Mais tarde irás perceber isso, mas convém desde já estares alerta. Todos os “cotas” dizem que deviam ter dado mais ouvidos aos seus velhos quando tinham a tua idade.
É claro que o nosso corpo merece que, além de cuidarmos da sua saúde – com uma alimentação inteligente e não apenas saborosa, os medicamentos que o médico nos manda tomar e o exercício físico aconselhado para a nossa idade –, nos arranjemos para tornar a nossa presença querida e agradável para as pessoas com quem nos damos. Por isso, devemos combater em nós o desleixo, a sujidade e o desalinho e, pelo contrário, mantermos a nossa higiene diária, vestirmo-nos como achamos melhor dentro das nossas possibilidades e embelezarmo-nos o suficiente para enchermos os olhos daqueles de quem mais gostamos. 
Na idade que chamam de adolescência – entre os 12 e os 17 anos – o nosso corpo sofre certas transformações que são as da passagem de criança para adulto. Na Natureza existem muitos outros fenómenos semelhantes como, por exemplo, quando a flor de uma árvore “rebenta” e dá lugar a um fruto. A flor é linda e o fruto é apetecível, mas são coisas diferentes, embora filhas do mesmo processo. Assim também o final da infância pode ser uma fase linda da nossa vida, apesar de todas as ansiedades que então nos assaltam. E a juventude amadurecida é bela e saborosa como um fruto que, ao contrário dos das árvores, só muitos mais tarde envelhecerá. Mas temos de aprender a viver estes anos “de passagem” com calma e alguma sabedoria. O mundo não se esgota em dois dias! A descoberta dos prazeres da sexualidade é um caminho a ser trilhado sem excessos nem pressas. Não vale a pena fazê-lo apenas para corresponder a desafios ou para provarmos o nosso poder de sedução ou a nossa virilidade. E a experimentação a dois deve ser completa: com emoção, prazer, paixão e o que pensamos ser amor. E com todas as cautelas para que daí não resultem danos psicológicos ou morais para qualquer dos parceiros. É preciso estarmos conhecedores dos riscos das doenças que assim podem ser transmitidas, e protegermo-nos contra isso. E, sobretudo, que não aconteça uma gravidez completamente precoce e causadora de traumas, especialmente para a mãe (que às vezes até pode ser uma menina-mulher). O nascimento de uma criança nestas condições é, desde logo, um atentado contra a sua vida futura que nenhuns jovens amorosos têm o direito de arriscar provocar. Porém, se isso acontecer, embora seja um acontecimento que vem alterar completamente a vida dos jovens pais, é dever destes, com a ajuda dos seus familiares, amigos, vizinhos, etc., ocuparem-se conjuntamente da criação e educação do bébé, para que este tenha um início de vida o mais normal que seja possível. Nenhuma criança deve ser vítima da imprevidência ou descuido dos pais!
É nesta fase do desenvolvimento das pessoas que talvez mais se notem as diferenças entre os sexos feminino e masculino, embora hoje menores do que no tempo dos vossos pais e avós. Passada a ânsia da primeira descoberta e experiência sexual, as raparigas começam a “treinar-se” para ser mulheres: embelezam-se e procuram um parceiro que corresponda ao seu “modelo”. Por seu lado, os rapazes maravilham-se com a sua força física, e imaginam poder seduzir um punhado de raparigas, pelo menos. A uns e outros podem surgir dúvidas e hesitações quando aprendem que também pode haver atracção por uma pessoa do mesmo sexo, ou para tal são incitados. O “normal” biológico-estatístico na Natureza humana é que se acasalem homens com mulheres, mas as sociedades ocidentais abriram espaço de tolerância para outras modalidades de vida afectiva, libertando certas minorias dos sofrimentos e repressões a que estavam sujeitas (e aliás cavando com isso novos motivos de conflito com as sociedades mais pobres e numerosas deste mundo). Em todo o caso, conhecendo-se a variedade histórica de modelos de família, é possível que a solução mais equilibrada e compensadora para todos – especialmente para as crianças – seja o padrão de uma célula familiar constituída por pais e filhos, até que estes sejam adultos e sigam o seu próprio caminho. Por estas razões, as relações de sexualidade ou amorosas fora deste esquema arrastam geralmente maiores dificuldades para essas pessoas, tanto no plano da sua integração social como no da sua própria vida psicológica, exigindo uma força interior superior à média.
Ao contrário do que aconteceu durante muitos séculos, as crianças são hoje geralmente mandadas para a escola e aí fazem a maior parte da sua aprendizagem dos saberes fundamentais para uma vida na era Moderna. Mas há ainda muitos países onde isso é difícil para as crianças e para os pais, por pobreza ou outros problemas. Nessas circunstâncias, tal como no passado na maior parte do mundo, as crianças começam muito cedo a trabalhar para ajudarem as suas famílias, criando-se uma clivagem social muito forte entre jovens estudantes e jovens trabalhadores, que tem consequências para o resto das suas vidas. Trabalhar manualmente quando jovem, nada tem de indigno ou prejudicial, desde que o esforço seja adequado às suas capacidades físicas. Mas no mundo actual considera-se ser desejável que o adolescente se dedique exclusivamente ao estudo, o que não significa que não possa ou não deva dar o seu pequeno contributo laboral em períodos de folga escolar, com o que também decerto ganhará experiência e sentido de responsabilidade úteis para a sua vida futura. O fundamental é que o jovem possa progredir nos seus estudos até adquirir os conhecimentos e as competências necessárias para a profissão para a qual possui uma vocação afirmada ou para o exercício de um trabalho de que o próprio goste e seja capaz de exercer, de modo a garantir o seu sustento futuro, e que também seja útil para a sociedade.
Até lá, além da educação moral e cívica, é obrigação dos pais custear o sustento e os estudos dos seus filhos, e responsabilidade da Sociedade criar as condições para a efectivação dessa escolarização e preparação dos jovens para a sua entrada na vida activa. Que esse futuro se concretize profissionalmente como técnico ou professor, como operário ou como médico, como agricultor ou comerciante, não é especialmente importante: todos são trabalhos dignos e indispensáveis, que devem ser remunerados convenientemente. E aí, sim, justifica-se a acção colectiva de protesto e reclamação – pacífica mas firme – sempre que tal não aconteça. Um dia apreciarás os efeitos dessa solidariedade de condição, que não anula a nossa individualidade mas permite ir mais longe na criação de um meio social mais favorável para todos.
Mas é também responsabilidade dos jovens estudantes dedicarem-se ao estudo e à aprendizagem, “como se fosse um trabalho”. É desde aí que se apreende a disciplina interior de formular objectivos (por exemplo, investir mais numa determinada área ou matéria), traçar planos próprios para atingir esses objectivos (talvez sacrificando uma tarde de diversão ao trabalho suplementar necessário para preparar o próximo exame) e poder sentir o prazer de uma realização pessoal bem merecida e recompensada (com uma passagem de ano ou uma classificação mais elevada). E é aí que também podemos exercitar as nossas atitudes e comportamentos para com os colegas da turma ou da escola, participando no espírito de entreajuda do grupo para fazermos coisas interessantes (ou apenas engraçadas, sem prejuízo para ninguém), escolhendo bem os nossos amigos e amigas, e sendo capazes de nos afastarmos das pessoas perigosas, que também sempre existem nas nossas proximidades. Essas, devem ser sinalizados para que os especialistas adequados os ajudem a ultrapassar os traumas e as maldades de que, quase sempre, foram vítimas na infância.
Quanto aos professores e aos outros funcionários que trabalham nas escolas, devemos naturalmente respeitá-los, como pessoas que estão a ocupar-se de nós “como se fôssemos seus filhos”. Às vezes isso não acontece porque, como em todo o lado, nem todas as pessoas estão à altura das suas obrigações. Mas, por norma e devido à sua preparação específica, os professores sabem sempre mais do que nós e estão habilitados a transmitir-nos esses conhecimentos da melhor maneira que a Sociedade de hoje julga possível. Há décadas atrás, castigavam os erros dos alunos com palmatoadas, porque assim se pensava ser o melhor meio de aprendizagem, e não por especial maldade deles. Agora, esses métodos foram abandonados mas, à conta disso, não devem os jovens deixar de os respeitar como seus mestres e de lhes obedecer e ajudar na manutenção de alguma ordem e disciplina na sala de aula e na vida escolar: o espaço onde convivem dezenas ou centenas de jovens não pode ser uma “selva”! Nesse caso, os mais fortes seriam impiedosos para com os mais frágeis, quando a Humanidade anda há séculos a esforçar-se por reduzir essas situações ao mínimo possível (e muito foi já conseguido).
Além do estudo, da ajuda à família (e vizinhos que o necessitem) e do crescimento do nosso próprio espírito e consciência, é natural os jovens quererem divertir-se e encontrar motivos de empenho e dedicação extra-escolar. As actividades desportivas estão-lhes obviamente próximas e podem constituir um derivativo importante e formador do seu carácter. Nos desportos individuais (corridas, ginástica, etc.), podemos sobretudo aprender a superar-nos, procurar fazer sempre um pouco melhor. Nos desportos colectivos, de equipa, desenvolvemos a cooperação entre colegas e refreamos as tentações de vaidade ou exibicionismo infantil. Nos desportos de enfrentamento directo com “adversários” (no futebol ou no ténis, entre outros), procuramos sobretudo ser mais inteligentes do que “eles”. Mas, em todos os casos, nunca devemos esquecer que estamos a jogar, “a brincar”, e que esse convívio é, no fundo, mais importante do que o bom sabor da vitória ou a tristeza da derrota. A transformação do desporto em espectáculo de massas dá-nos algumas vezes péssimos exemplos de fanatismo e violência, onde devia haver sempre competição, sim, mas com regras e lealdade, distinguindo o mérito dos vencedores mas homenageando igualmente o espírito desportivo dos vencidos. Também não devemos esquecer o interesse de outras actividades físicas e de “ar livre”, como sejam as caminhadas e descobertas no ambiente natural bio-geológico e geográfico, o conhecimento do património histórico, as actividades náuticas, a pesca recreativa, a escalada, o parapente e tantas outras.
Mais delicadas e sensíveis são as actividades culturais, também mais exigentes do ponto de vista dos talentos e vocações de cada pessoa. Para pintar, escrever “estórias”, cantar ou dominar um instrumento musical, não basta querer: é preciso “ter jeito” e, depois, trabalhar afincadamente para desenvolver esses talentos. Mas todos podemos aprender a apreciar um pouco melhor o que é uma obra-de-arte ou a escutar e assistir com prazer a um concerto sinfónico, um bailado ou uma ópera, para além da música “pop”. E sobretudo a encontrar na leitura de bons livros uma fonte de grande enriquecimento pessoal.
A música e o cinema tornaram-se, ao longo do século XX, fenómenos de alcance quase-universal que fazem parte de uma cultura comum de toda a Humanidade. Como ouvintes e espectadores – sobretudo depois da fantástica difusão da televisão e agora das tecnologias da Internet –, todos conhecemos as mesmas canções e cantores, filmes e actores, independentemente da língua que falamos no dia-a-dia. Por isso, estamos mais unidos no planeta e menos dispostos a deixarmo-nos meter em guerras e conflitos entre países, ideologias ou religiões, que no final só trazem destruição e desespero às pessoas. Nesse aspecto, há que estar grato aos Nossos Tempos. Porém, a música, o cinema, a televisão ou a Internet são meios ambivalentes, que tanto servem para o bem como para o pior. É preciso aprendermos a usá-los com consciência, tirando deles o melhor partido, mas sendo hábeis a rejeitar o que ali pode circular de negativo, destrutivo e indutor de infelicidade. Os jovens são hoje tentados a embriagar-se com a música, de forma paralela (e complementar) com que são aliciados para as drogas ou para o consumo excessivo de álcool: pelo simples prazer físico e emocional de um instante. Mas, como bem sabem os que o têm experimentado, o “dia seguinte” é sempre pior do que o breve prazer usufruído. E é muitas vezes o início de um consumo compulsivo de que a pessoa já não consegue livrar-se sozinha e que conduz fatalmente à sua destruição física e psicológica. Este flagelo social é recente: começou com a geração dos vossos avós, mas anteriormente havia o alcoolismo, também com efeitos muito negativos. Por isso, jovens: Alerta contra esses convites e ambientes de grupo onde vos espreita a grilheta que vos arrastará o pé para a engrenagem! E saibam que há muitas outras maneiras de se divertirem e festejarem em conjunto a vossa alegria e o vosso amor à vida!
Por último, uma observação sobre a Sociedade de hoje que vive talvez a situação paradoxal de parecer mais rica em bens materiais do que alguma vez o foi e, ao mesmo tempo, permanece tão dividida, conflitual e insatisfeita como em outras eras. As Religiões têm talvez o seu quinhão de responsabilidade nisto: imaginadas para gerar o Bem entre os indivíduos, têm contudo muitas vezes desencadeado ódios terríveis entre os povos. Os Estados, frequentemente alterados ao longo da história através de guerras e manobras de poder, contribuem para a distribuição de alguma justiça e bem-estar entre as suas populações, mas continuam a relacionar-se dificilmente entre si, como que guiados sempre por uma vontade de supremacia, em vez de uma maior cooperação e entreajuda. A Informação está hoje ao alcance de todos com as suas fantásticas potencialidades; aí vocês dominam melhor que nós, adultos, e podem ensinar-nos (ou, melhor: confrontar a vossa imaginação com a nossa experiência). A Economia é o mecanismo, hoje universal, que nos permite aspirar a um padrão de vida material confortável e assegurar uma melhor previsão para o futuro das nossas vidas pessoais. Porém, não tem superado por si só a enorme desigualdade na posse de bens existente entre ricos, pobres e remediados, seja entre países ou no interior de cada um deles. E em certos aspectos tem tido uma acção muito negativa sobre o ambiente natural, pelas poluições, urbanização excessiva e desperdícios nocivos com efeitos de longo prazo. Finalmente, resta a Ciência como suporte e motor de novas melhorias e utilidades para o conjunto das populações terrestres. Mas, como todas as outras, trata-se de uma actividade humana e assim sujeita aos seus melhores ou piores critérios, às possibilidades económicas e às decisões dos que detêm algum poder na Sociedade.
Por tudo isto, cada ser humano – e, em particular, cada jovem deste início do século XXI – deve reclamar o direito de contribuir com a sua opinião, a sua inteligência e o seu trabalho para a construção de uma cidadania nacional e universal que, sempre em liberdade, dê melhores esperanças aos viventes actuais e aos que hão-de vir. Numa Terra mais sã, equilibrada, justa e segura. Cada um de nós é apenas como uma gota de água; mas de muitas gotas de água se forma um oceano.
JF / 21.Março.2015 – Primeira dia da Primavera
(Este texto é dedicado aos meus netos. Agradeço à Maria Luís, à Raquel, à Luísa, à Tuta, ao Víctor, à Isabel, à Teresa e à Margarida as observações que fizeram a uma versão inicial deste texto; e a esta última também a ajuda dada à sua difusão.)

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