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sábado, 13 de abril de 2013

Uma cena em que os actores desempenham os seus papéis de forma medíocre

Um governo com inspirações liberalizantes, legítimas e hipoteticamente ajustadas à situação estrutural do país – mas que não foi capaz de gerir a conjuntura com a necessária proficiência, acabando por ter de carregar nos impostos e não conseguir “libertar” a economia!
É certo que assegurou alguma credibilidade externa face “aos mercados”. Mas, até aqui, a “reforma do Estado” ficou apenas por algumas medidas muito parciais, não se vendo resultados palpáveis e duradouros no “corte das despesas”, e o reequilíbrio da balança comercial com o exterior será bastante ilusório, porque o abrandamento das importações tem sobretudo origem na travagem do consumo. Das mexidas na máquina da Justiça – possivelmente desacompanhadas de mais importantes alterações na legislação, sobretudo a processual, que ferirá imediatamente interesses estabelecidos –, não percebe ainda o cidadão comum se alguma mudança de fundo foi, de facto, lançada. E apenas na área da saúde constatamos que o ministro, com os modos expeditos já exibidos quando era cobrador-mor-dos-impostos mas revelando inteligência política na relação com as grandes corporações profissionais do sector, terá realmente entrado a eito em matérias como a dos medicamentos, que sentimos terem amenizado os gastos dos porta-moedas dos cidadãos. Entretanto, também mercê da conjuntura económica europeia, os défices orçamentais continuaram a “derrapar”, os juros e os reembolsos dos empréstimos externos a pesar fortemente nessa contabilidade, não deixando margem para investimento, e o “bolo” da dívida pública a acumular-se – com a economia parada, os bancos na expectativa e o desemprego e a emigração (até quando?) sempre a crescerem. Substancial falhanço, pois!
Mas, nesta fase de evidente perda de credibilidade pessoal e de declínio da dinâmica governativa (que a mini-remodelação e o “alívio” externo não conseguirão evitar), deve reconhecer-se a inexcedível compostura pessoal sempre mantida pelo primeiro-ministro Passos Coelho que (por lhe dever o acesso ao poder) cometeu o erro de conservar no governo até mais não ser possível a detestável figura de Relvas, o qual – diga-se em abono da verdade, e apesar de tudo – logrou uma racionalização da rede de freguesias que é capaz de perdurar no tempo.
O Tribunal Constitucional mostrou desta vez uma interessante independência de julgamento. Porém, não podemos esquecer que é um órgão colectivo que delibera por maioria (agora até nominalmente anunciada para cada decisão!) e com critérios jurídicos só entendíveis à luz da sua lógica interna. Por exemplo, como leigo na matéria, faz-me alguma confusão que seja à luz do princípio da igualdade enunciado no Artº 13º da Constituição que é rejeitada a suspensão do subsídio de férias aos funcionários públicos e pensionistas (que aparentemente me vai beneficiar, thank God!), por a mesma medida orçamental não ter sido decretada para os restantes trabalhadores. Ora, se pegarmos no texto, vemos que o dito Artº 13º apenas estabelece que: “1-Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2-Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” Trata-se, como se vê, de uma prescrição absolutamente fundamental do regime de liberdade e de igualdade jurídica em que felizmente hoje vivemos mas que, palavra por palavra, nada diz acerca da apontada violação constitucional da tal norma do Orçamento do Estado para 2013. Isto significa que a declaração de inconstitucionalidade se fundou meramente na violação do princípio (da igualdade) e não de uma qualquer norma expressa e concreta. Sabemos que os juristas argumentarão sabiamente sobre a validade deste juízo. Mas, como cidadão, emito as minhas mais sérias reservas acerca da extensa latitude desta avaliação “por princípios”, gerais e abstratos. Parece-me então que, com uma idêntica leitura extensiva do texto, o douto tribunal poderia também declarar inconstitucional, por violação do mesmo princípio, a desigualdade económica existente em todas as tabelas de remunerações da função pública, ou até mesmo das convenções colectivas de trabalho! Porque em nenhum sítio se diz que a norma constitucional referente à remuneração do trabalho (Artº 59º) deva prevalecer sobre o referido “princípio”.  
E algo de semelhante se poderia dizer do “princípio da proporcionalidade”, papagueado pelos noticiários sem saber do que falam, mas que vem referido no Artº 269º (ao lado da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé) apenas como uma obrigação que vincula a administração pública – seus funcionários, estruturas e processos – mas não necessária e directamente os governos, que têm os seus poderes definidos e limitados em outros capítulos do texto constitucional. De facto, as intoxicações informativas vêm de vários lados.
Falo disto, por me parecer que a função actual do nosso Tribunal Constitucional excede largamente o que seria a (indispensável) verificação da constitucionalidade formal da legislação ordinária, tendo vindo a alargar as suas competências (funcionando agora como nova instância de recurso para inúmeros litígios ou sentenças) e, por via disso, tornando-se mais permeável ao jogo político e às pressões das redes de interesses, com o inerente risco de maior desprestígio e deslegitimação das suas decisões. Se os próprios juízes-conselheiros têm contribuído para isso (para engrandecerem a sua missão e na lógica cega do seu juridicismo), os principais responsáveis desta situação são, inquestionavelmente, os legisladores.
O Presidente da República também não sai bem desta cena. Para além das suas limitações culturais, do seu prudente bom-senso e exacerbado amor-próprio, de pouco lhe tem servido o conhecimento da economia pública para lidar com a crise que o país atravessa. Apesar dos favorecimentos partidários denunciados por Sócrates, acredita-se que tenha procurado evitar as eleições antecipadas e favorecido alguma outra solução governativa mais consensual. Porém, contra os partidos, nada pode fazer. E, com eles, fica sujeito aos ditames e condições destes. Mas é precisamente isso que uma metade do país quereria – um gesto cesarista –, enquanto a outra metade acorreria de imediato a Belém bradando ao “golpe-de-Estado!” logo que tal se esboçasse. Vê-se, porém, sobretudo, que Cavaco Silva não tem rasgo nem visão para uma tal coisa (felizmente, comento eu). Contudo, impossibilitado de usar a “bomba atómica da dissolução” (que teria efeitos ainda mais nocivos para a situação externa do país e nada resolveria internamente) e apenas com as discretas diligências de bastidores, o Presidente da República perdeu grande parte do capital simbólico que a função suscita entre os portugueses e daí, em grande parte, a acentuada quebra de popularidade e de respeito que vem registando.
Nos partidos da oposição de esquerda, há sempre que fazer a distinção entre o PC e o “Bloco”, por um lado, e o PS, por outro. A liderança de Seguro tem sido muito pouco convincente e a pressão dos que no partido lhe são desafectos levou-o, nos últimos meses, a mostrar-se mais combativo e a “subir a parada”. Ninguém o vê a ganhar eleições por mérito próprio e a dirigir um governo mas, com as suas boas-maneiras e natural moderação, poderia continuar a criticar o executivo em funções, mas sem fechar a porta a qualquer outra solução governativa que uma emergência nacional viesse a exigir. Mas não. Pressionado pelas intervenções de Sócrates e Soares, e mal aconselhado (quiçá propositadamente por alguns), lançou-se logo na bravata de que “só governarei com o voto popular” – sabendo nós todos que não teria nunca, nem condições políticas, nem miraculoso programa de governo, para fazer algo de muito diferente do que aquilo que tem sido feito – a não ser que se tratasse de enfrentar uma catástrofe como seria a saída do Euro ou o desfazer da União Europeia. Ele, de resto, até tem jeitos parecidos com o Sr. Holande, que hoje preside à França. E já se vê que soluções esta esquerda democrática desgastada (ia a escrever corrompida) por quase quatro décadas de intermitente exercício do poder de Estado pode propor à sociedade de hoje… mas em mais pequenino. É evidente que um outro governo poderia ter uma atitude diferente perante os credores e perante a Europa, restando saber com que resultados. Seguro travou, mas a contestação vai ainda amplificar-se, nas instituições, nos media e nas ruas (com alguns extremistas decerto à espera do incidente grave que provoque uma comoção geral e, nesse contexto, a queda do governo). Mas, no fundo, o que os dirigentes do PS fazem é repetir aquilo que o PSD lhe fez há dois anos, o que sempre fazem os partidos ávidos de chegar ao poder, sem reparar que podem estar a serrar o ramo em que ambos se sentam – como agora parece ser mesmo o caso.   
Por último, uma palavra deve ser dita sobre os actores sociais. Curiosamente, no meio deste teatro de amadores mal dirigidos, os actores sociais são aqueles que, em geral, se têm comportado com maior racionalidade e ponderação, talvez até por estarem na prudente expectativa de ver “para onde a coisa cai”. No plano institucional, as confederações empresariais e a UGT têm procurado por todos os meios não “deitar lenha para a fogueira”. A própria CGTP, agora sob a voz de comando de uma mais clara e eficaz liderança comunista – nefasta para a sonhada “unidade da esquerda” de alguns, mas necessária para uma “grande marcha” de retirada estratégica que mantenha por mais uma década o anacronismo nacional que é a própria subsistência deste PC – tem sido de alguma utilidade no controlo do descontentamento das franjas de população que lhe são afectas e dos movimentos espontâneos ou aventureiros que surgem nas suas margens. Enquanto isto, as grandes corporações de interesses (profissionais, económicas e “territoriais/paroquiais”) manobram na sombra resistindo a qualquer mudança que as afecte, mas não descem à arena política (como o fizeram historicamente em outras circunstâncias), com isso simplificando as percepções da opinião pública e dando mais margem de manobra para soluções políticas sempre dentro dos marcos da lei e do respeito pelas instituições vigentes – o que, nos tempos que se avizinham, também não é uma má coisa: deixam o terreno livre para uma expressão mais directa da população face às forças políticas, as existentes (com pesadas responsabilidades na situação criada) e as que possam vir a criar-se, renovando o espaço da representação, esperando-se que num sentido de maior equidade e de uma liberdade mais associada à necessária responsabilidade cívica.
JF / 13.Abr.2013

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