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sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O lastro dos interesses e a política de mediocridade

Não só as oposições oficiais ou oficiosas merecem o escrutínio público – para que os incautos não se sintam enganados no futuro –, como o governo e os seus apoiantes não devem beneficiar de descuidos da vigilância cidadã, apesar de já estarem suficientemente castigados sob o fogo cerrado dos seus opositores e de certos meios de comunicação de massas (estes, muitas vezes na mira das audiências, do sensacionalismo ou do escândalo).
O governo de coligação PSD-CDS faz talvez o que é inevitável fazer mas na experiência deste ano-e-meio tem havido casos clamorosos que não podem deixar de ser apontados. Lembremos apenas alguns:
- Apesar da inflexibilidade atribuída ao ministro das finanças Vítor Gaspar, os desmandos praticados na gestão da R. A. da Madeira beneficiam sempre de um tratamento de favor em Lisboa, incluindo possivelmente o caso de uma fundação-pivô ligada ao partido e à região;
-As nomeações de correligionários políticos para cargos privados beneficiários de altíssimas remunerações parecem continuar a ser correntes (o nome de Catroga para a EDP “chinesa” foi apenas o mais badalado de entre vários);
-O ministro Relvas revelou uns comportamentos e exibiu um perfil pessoal de tal modo negativos que a sua presença passou a constituir um ónus para o governo (independentemente de ser talvez capaz de impor um corte significativo aos autarcas excessivos e gastadores). Pois, apesar disso, ele lá se tem mantido;
-Estando hoje os ministérios desprovidos dos gabinetes-de-estudos que antes deveriam fazer a função, é recorrendo aos especialistas privados e inchando os seus gabinetes de jovens adjuntos e assessores recrutados nas “jotas” e faculdades amigas que os ministros obtêm os documentos-de-trabalho a partir dos quais tomam as decisões, elaborados em tempo-record e decerto muito bem pagos;
-Os titubeamentos na suspensão das “grandes obras” (ferroviárias e aeroporto, sobretudo), os tímidos ataques às “rendas excessivas” (energia ou telecomunicações) e o alongamento e aparente dificuldade na renegociação das “PPP” mostram que, se tais contratos foram bem “armadilhados” pelos seus subscritores ou se o apontar desses “desperdícios” era sobretudo propaganda eleitoral, também é legítimo interrogar-nos sobre os interesses económicos privados que agora possam estar em causa (bloqueando soluções mais drásticas), dada a promiscuidade existente entre a classe dos decisores políticos, a dos gestores públicos e as administrações dos grandes grupos empresariais;
-Também os processos de privatização de certas empresas públicas não conseguem apagar o mesmo tipo de suspeições (de que toda a gestão do caso BPN e da sua passagem ao banco liderado pelo engº Mira Amaral é talvez o exemplo mais flagrante); 
-Em geral, este governo tem prosseguido a linha dos anteriores de procurarem negócios económicos com qualquer país que lhes seja conveniente (Líbia, Venezuela, Angola, China, etc.) de uma forma que não parece cuidar das realidades políticas desses regimes, suspeitos em matéria de liberdades e direitos humanos;
-A má gestão comunicativa dos impressionantes cortes na despesa pública e nos rendimentos da classe média (alargada) não só tem facilitado o “trabalho da oposição” e estimulado o sentimento de esbulho entre quase toda a gente, como veio a minar o entendimento da coligação de governo, que dá sinais de poder esboroar-se perante próximas dificuldades, criando novos problemas políticos a acrescentar aos já existentes.
Finalmente, é fácil adivinhar que a condução da política económica (porque hoje só esta parece contar) na próxima conjuntura será de alta perigosidade, para a qual a serenidade de postura do primeiro-ministro Coelho será de todo insuficiente: -evolução do quadro europeu (com a Grécia, a Espanha e a Alemanha no colimador); -aprofundamento da recessão da economia, com tímidos sinais de melhoria nas trocas externas e nos juros da dívida, e difícil emergência de um novo padrão de especialização da nossa capacidade produtiva; -consideração de cenários plausíveis de saída do Euro (na ausência de uma árdua discussão sobre a alternativa federal); -e a aproximação de novas épocas eleitorais (autárquicas, para já) – tudo isto aponta para dias ainda “mais complicados” (como agora se diz) do que aqueles que hoje vivemos.
É, porém, também nestas épocas que é preciso ter algumas ideias claras (poucas e simples, para não baralhar), poder expô-las à consideração do bom-senso da maioria das pessoas e perseguir com coragem, abertura e transparência o caminho por elas formulado. E, talvez sobretudo, que os dirigentes políticos dêem provas inequívocas da sua devoção à causa pública sendo os primeiros a arcar com os sacrifícios que decretam para os outros. No mínimo, como o governo da Irlanda que, quando chegou ao poder, fez “cortes” mais pronunciados para os políticos do que para o comum dos cidadãos.  
JF / 16.Nov.2012

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