Passa em 2012 o primeiro centenário da fundação da associação cívica Renascença Portuguesa, que durante vinte anos, até ao salazarismo, foi uma das mais activas agremiações culturais do espaço português. Para bem dizer a criação da sociedade teve lugar na parte final do ano de 1911 – os estatutos foram publicados na imprensa em Dezembro desse ano – mas a sua acção só abriu em Janeiro de 1912 com a publicação da segunda série da revista A Águia, a criação de quatro Universidades Populares (Porto, Coimbra, Póvoa do Varzim e Vila Real), numa das quais Cristiano de Carvalho leccionou um curso sobre a Comuna de Paris, e a edição dum quinzenário voltado para os problemas da actualidade, A Vida Portuguesa, dirigido por Jaime Cortesão, que foi o grande impulsionador da criação da sociedade e o padrinho que a baptizou. A associação deixou ainda uma importantíssima obra editorial, bastando para tanto apontar que foi com a sua chancela que apareceu em 1920 o primeiro volume de Ensaios de António Sérgio, que de resto dirigiu e animou na editora a “Biblioteca de Educação”, onde deu a lume valiosos trabalhos.
O núcleo promotor da nova associação, situado a norte do país, constituído por Álvaro Pinto, António Carneiro, Cristiano de Carvalho, Augusto Casimiro, Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes, todos ligados ao movimento operário nascente, promovera já um conjunto de valiosas iniciativas culturais e pedagógicas, onde vale destacar a publicação em 1907 da revista libertária Nova Silva, a criação de “Os Amigos do ABC”, uma associação vocacionada para a alfabetização operária, e a participação no jornal anarquista A Vida (1905-09), então dirigido por Manuel Joaquim de Sousa. A sociedade foi o resultado do diálogo, não isento porém de conflitos, deste grupo promotor com um outro, situado a sul, em Lisboa, onde pontificavam António Sérgio, Raul Proença e Câmara Reis, menos tocado pelo activismo libertário, mas ainda assim nas margens avançadas do pensamento social, e a que se juntou um pouco mais tarde, por via da vertente poética da revista A Águia, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Mário Beirão.
A Renascença Portuguesa durou vinte anos, nascendo e morrendo com a primeira república. Foi fruto do espírito libertário que se desenvolveu na sociedade portuguesa depois do Ultimatum de 1890 e só em liberdade tinha condições para singrar, concretizando o seu projecto social e educativo. O salazarismo asfixiou-a, como de resto sufocou todas as mais importantes iniciativas que resultaram do mesmo húmus donde ela tirou seiva e vigor. Saíram da Renascença Portuguesa algumas estrelas de primeira grandeza, como a revista Orpheu, que deu seguimento à vertente artística da revista A Águia, e a Seara Nova, que herdou e desenvolveu a sul, depois da década seguinte, em condições radicalmente adversas e quase sempre com os mesmos protagonistas, o espírito social, pedagógico e livre da Renascença Portuguesa.
O centenário da Renascença Portuguesa passou quase despercebido. Não damos notícia de nenhum evento que mereça ser assinalado. Em contraponto com este silêncio, abre hoje mesmo, para durar até sábado, um encontro académico de boa envergadura, com o título “Pensamento, Memória e Criação no Primeiro Centenário da Renascença Portuguesa (1912-2012)”, e que tem lugar na Faculdade de Letras do Porto, no Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa e na Casa das Artes de Amarante, resultado do esforço de vários docentes da Faculdade de Letras do Porto, que assim quiseram homenagear a mais significativa associação cultural de que a sua cidade tem memória.
António Cândido Franco
29 de Novembro de 2012
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