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quinta-feira, 24 de maio de 2012

Cenários europeus (III): - Utopia (super-)realista

Quem adivinharia, na Primavera de 1973, que o regime de Salazar-Caetano iria cair um ano depois? Ou, em meados dos anos 80, que o Bloco Socialista do Leste europeu iria soçobrar no final dessa década? Ou, ainda há poucos meses, o derrube dos entronizados presidentes da Tunísia, do Egipto e da Líbia? Quando menos se espera, acontecem por vezes coisas inesperadas que permitem saltos de consciência rapidíssimos de largos sectores da população. Podem ir, ou desviar-se, para caminhos errados. Mas podem também produzir avanços civilizacionais, sobretudo se houver ideias claras sobre as orientações gerais mais desejáveis para a colectividade, pois que os detalhes serão sempre ditados pelo confronto com a realidade de cada nova situação. A crise económica e financeira que tem massacrado a Europa nos últimos tempos mostra-nos como as grandes construções doutrinárias antitéticas que mobilaram o nosso passado – conservadores versus progressistas, esquerdas versus direitas, capitalismo versus socialismo e mesmo liberais versus estatistas – estão razoavelmente desactualizadas e sobretudo impotentes para responder ao presente. Mas também nos mostra como a economia, longe de ter que ser uma alienação ou uma perversão da política, pode ser não apenas uma condição sine qua non de realização de qualquer filosofia ou projecto político, mas até um modo mais universalizante de compreensão e participação dos indivíduos comuns da vida da sua sociedade. Seja qual for o tema, os debates políticos de hoje têm necessariamente de incluir respostas a questões como: quanto custa? quem e como vai pagar? quem beneficia? – trate-se da gestão de uma autarquia local ou da definição de uma intervenção política global, por exemplo para combater as emissões de gases com efeito-de-estufa na atmosfera. Uma segunda lição desta crise é que, se é necessário um maior controlo e regulação dos movimentos financeiros internacionais, isso não vai poder ser feito com os sistemas políticos actuais – quero dizer: com certas regras constitucionais concebidas há dois séculos; e com agrupamentos partidários e pessoal governante profundamente desajustados e corrompidos por práticas pouco aceitáveis pelas populações mais informadas do presente – mas tendo, porém, que se reformar sob a exigência indeclinável de manutenção dos princípios democráticos de liberdade e governo-de-maioria, a par de uma participação dos cidadãos muito mais alargada e de uma maior transparência na acção e responsabilização dos mandatários designados para encargos públicos. Numa eventualidade destas, para além da continuação da atenção dada à melhoria da educação, saúde, cultura, ambiente e coesão social (porventura por meios diferentes dos actuais), podem imaginar-se mudanças substantivas como: -a subida progressiva mas firme de novos partidos “federalistas” (a que se oporiam partidos “soberanistas” ou “nacionais” mas não necessariamente xenófobos ou violentos) ou então de partidos “estabilizadores-ambientalistas” em oposição aos “desenvolvimentistas”; -regras eleitorais “electrónicas” que permitissem ao mesmo tempo a constituição de assembleias plurais representativas da diversidade da opinião pública e a existência de executivos de maioria simples mas com poderes bastantes para governar eficazmente; -uma comunicação social mais aberta e menos massificada; -reformas profundas nos sistemas judiciais, no sentido da rapidez, equidade, segurança e penalização pecuniária; -sistemas fiscais e de solidariedade social com “contas à vista”; -verdade nos preços da economia, com o fim da maior parte das subsidiações; etc. É certamente uma utopia, isto é, que não existe em lugar nenhum. Mas talvez não seja tão irrealista quanto parece. JF / 25.Mai.2012

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